Ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro não está tendo vida fácil fora do governo. Desde que pediu demissão do Ministério da Justiça, em abril, o ex-ministro sofre um cerco por todos os lados. São tentativas de impedi-lo de advogar, acusação de plágio, a recusa de movimentos pró-democracia da participação de Moro em atos públicos e movimentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) contrários ao ex-juiz.
Moro deixou a carreira de magistrado no fim de 2018 para integrar o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Enquanto esteve no governo, pouco se manifestou sobre os tropeços do presidente. Mesmo quando integrava a equipe de Bolsonaro, não parecia ter a confiança plena do presidente, que tende a desconfiar de qualquer ministro que tenha brilho próprio.
Em abril, Moro deixou o cargo acusando Bolsonaro de interferir politicamente na Polícia Federal (PF). A Procuradoria-Geral da República (PGR) abriu uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar as acusações, mas também para averiguar se Moro poderia ser responsabilizado por falsas acusações contra o presidente.
Ao romper com o presidente, Moro foi de possível indicado a uma vaga no STF a “traidor” – forma como foi tratado pela ala ideológica do governo e por seus apoiadores. Agora, fora do governo, enfrenta resistência de políticos, juristas e também da PGR.
Eleições 2022 são o pano de fundo da ofensiva contra Moro
Em artigo publicado recentemente no jornal Folha de S. Paulo, a filósofa Catarina Rochamonte disse que “o que mais pesa para a onda de ataques [a Moro] nesse momento é o capital político dele e a possibilidade de, em 2022, rivalizar com os extremos à esquerda e à direita”.
Para o cientista político pela Universidade de Brasília (UnB) André Rosa, é natural que o ex-juiz seja alvo de uma desconstrução após ter deixado o governo. “Ele rachou. O eleitor que é Bolsonaro é Bolsonaro e tem chamado Moro de traidor. É uma campanha negativa, em que vão tentar desconstruir a imagem dele”, diz. “Como ele [Moro] é um potencial candidato e não tem mais cargo de juiz ou algo do tipo, está como uma vitrine que está sendo observada a todo momento”, explica.
Para o cientista político, para se tornar competitivo em 2022, o ex-ministro vai brigar pelo eleitorado mais à direita. Na briga com Bolsonaro, o ex-juiz pode acabar ficando fora do segundo turno. “Para o Moro realmente conseguir ficar competitivo na eleição ele precisa pegar esse eleitor de direita, que se afastou do Bolsonaro, esse eleitor que é próprio dele, que é antipetista mas não é bolsonarista, e o eleitor de centro. Na esquerda ele não tem unanimidade nenhuma”, explica Rosa.
“O problema é que ele fragmenta com o Bolsonaro. Se tem a candidatura dele, tem a candidatura do Bolsonaro e tem mais um membro da direita. A direita fica muito pulverizada. Digamos que a esquerda fique menos fragmentada, que fique com PDT e PT. Eles conseguem colocar um representante no segundo turno. Hoje, o Moro ficaria de fora”, avalia o cientista político.
Para o juiz, porém, a questão vai muito além das eleições. "Como juiz ou como ministro, sempre fui um defensor da lei, da coerência e da agenda anticorrupção; então vejo esse movimento como algo mais amplo, ou seja, um ataque a essa agenda específica e também ao inconformismo com a desmistificação de alguns ídolos. Mas, independentemente de mim, boa parte da sociedade defende o combate à corrupção e às inverdades, portanto os ataques têm prazo de validade”, disse Moro à Gazeta do Povo.
Moro quer virar advogado, mas pode sofrer resistência
No início de junho, a Comissão de Ética da Presidência da República decidiu que Moro não pode advogar durante seis meses. A quarentena foi imposta ao ex-ministro por ele ter deixado o cargo no governo Bolsonaro e ter tido acesso a informações confidenciais enquanto esteve à frente do Ministério da Justiça. Enquanto cumpre os seis meses de quarentena, porém, Moro vai continuar recebendo o salário de ministro – de R$ 31 mil mensais.
Um grupo de advogados integrantes do grupo Prerrogativas também promete não dar vida fácil a Moro fora do governo. O grupo tem se organizado para tomar medidas para dificultar os projetos profissionais do ex-juiz.
Logo que Moro deixou o governo, o grupo apresentou duas representações contra o ex-ministro na Comissão de Ética da Presidência. Moro é acusado pelo Prerrogativas de ter violado o Código de Ética do Servidor, ao não informar as supostas irregularidades cometidas por Bolsonaro, como a suposta interferência na Polícia Federal; de negociar favores em troca de uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF); e de exigir vantagem pessoal para assumir o cargo de ministro, quando pediu uma pensão para sua família caso fosse assassinado no exercício do cargo. Ainda não houve decisão sobre as representações.
Os integrantes do grupo também avaliam medidas a serem tomadas caso Moro peça solicitação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para advogar depois do fim da quarentena de seis meses imposta pela Comissão de Ética da Presidência.
Ministério Público quer que Moro deixe de receber salário de ministro
O Ministério Público que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu que Moro deixe de receber o salário de ministro durante a quarentena imposta pela Comissão de Ética da Presidência.
Para o subprocurador-Geral Lucas Rocha Furtado, que assina a representação, a quarentena é um resguardo patrimonial-financeiro” de quem deixa o governo e não poderia estar trabalhando. Mas Furtado ressalta que o ex-juiz da Lava Jato exerce atividade remunerada como colunista do site O Antagonista.
"A meu ver, desde que não se valha das informações privilegiadas que detém, não há problemas na atuação do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública nos veículos de comunicação; porém, há sim irregularidade quando Sergio Moro recebe recursos públicos para deixar de trabalhar (prazo de seis meses da quarentena) quando, em verdade, está trabalhando. Acumulação essa que entendo ser indevida a ensejar possível dano ao erário", afirma Furtado na representação.
O subprocurador-geral pede, ainda, que haja uma apuração de possível dano aos cofres públicos, "com a consequente devolução aos cofres públicos dos valores recebidos, bem como adotar medidas sancionatórias" cabíveis.
Apesar da contestação do MP junto ao TCU, Moro foi autorizado pela Comissão de Ética da Presidência da República de publicar artigos em jornais e revistas. A resposta da comissão foi dada em consulta do ex-ministro sobre quais atividades profissionais ele poderia exercer no período da quarentena.
Veto de movimentos pró-democracia e contra o governo
Moro também pode ter dificuldade para ser aceito em movimentos contra o governo Bolsonaro. Desde que o presidente começou endurecer mais o tom contra instituições, várias iniciativas da sociedade civil, na maioria capitaneadas por figuras ligadas à esquerda, alegam mostrar apoio à democracia.
No caso do grupo “Juntos Pela Democracia”, um dos articuladores do grupo, o jornalista Juca Kfouri, disse à Folha de S.Paulo que Moro não será aceito no movimento. "Entrarão todos, menos os fascistas. Moro, fora. É o limite", disse o jornalista que defende bandeiras da esquerda.
No movimento “Basta!”, que reúne juristas, o ex-juiz também não seria bem recebido. A justificativa é que o ex-ministro é uma figura diretamente responsável por parte do problema, já que fez parte do governo Bolsonaro.
A polêmica mais recente tem relação com o movimento “Direitos Já!”, criado em 2019. O grupo organizou um comício virtual na semana passada com a participação de 100 lideranças políticas do país. Entre os participantes estavam ex-candidatos à Presidência em 2018, como Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Guilherme Boulos (PSOL) e Fernando Haddad (PT), além de figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o apresentador de tevê Luciano Huck.
Moro teria sido convidado pelo deputado federal José Nelto (Podemos-GO), mas a participação do ex-ministro sofreu resistência. O coordenador do Direitos Já!, Fernando Guimarães, disse que o ex-juiz não seria convidado por ter feito parte do governo Bolsonaro até pouco tempo atrás.
Ex-juiz foi acusado de plágio
Após deixar o governo federal, Moro também foi acusado de plágio em um artigo assinado junto com a advogada Beathrys Ricci Emerich. O caso veio à tona após o advogado Marcelo Augusto Rodrigues de Lemos apontar trechos do texto que foram copiados de artigo publicado por ele no site Conjur.
A advogada admitiu ter cometido plágio no artigo em questão. "A redação do artigo foi minha e, infelizmente, acabou acontecendo a falha metodológica consistente na ausência de citação do ilustre autor Dr. Marcelo Augusto Rodrigues de Lemos", afirmou a advogada. "Reconheço a falha não intencional, mesmo porque não havia motivos para não citar o autor, tendo em vista que o trabalho citou mais de vinte outros autores”, disse.
O texto de 16 páginas assinado por Beathrys com a coautoria de Moro foi publicado na revista Relações Internacionais do Mundo Atual, da Unicuritiba, e discutia lavagem de dinheiro por meio de pagamentos advocatícios.
Em nota, Moro afirmou que sua aluna cometeu um "erro metodológico" ao utilizar dois "pequenos trechos sem citar o autor".
PGR ressuscita negociação de delação que atinge Moro
Moro também vem sendo alvo em outras instâncias. Um movimento da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi interpretado como tentativa de atingir o ex-ministro de Bolsonaro. Trata-se da retomada das negociações de um acordo de delação premiada com o advogado Rodrigo Tacla Duran – ex-advogado da Odebrecht, que está foragido.
A delação mira um amigo do ex-ministro da Justiça Sergio Moro, o advogado Carlos Zucolotto Júnior, e pode ser usada para atacar o ex-juiz da Lava Jato.
Tacla Duran chegou a negociar um acordo de colaboração premiada na Lava Jato, mas as conversas não evoluíram. Ele chegou a afirmar que Carlos Zucolotto Júnior o procurou em 2016 para oferecer, em troca de R$ 5 milhões pagos “por fora”, um acordo de delação premiada vantajoso.
O caso já foi alvo de investigação e acabou arquivado em 2018.
Com informações de Estadão Conteúdo
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