Sergio Moro já atingiu uma marca considerável no Ministério da Justiça. Caminhando para completar oito meses no cargo, ele já superou a longevidade de 11 dos 30 antecessores que estiveram no cargo desde 1985, no período chamado de 6.ª República. A média de permanência é de 14 meses – abaixo do registrado nas pastas de áreas fundamentais como Educação (18) e Saúde (15,7), o que mostra a alta volatilidade do chefe do Palácio da Justiça na história recente do Brasil.
É consenso que Moro não é um ministro qualquer. Ele foi nomeado com a intenção de reformular o combate à corrupção e os sistemas de segurança pública no Brasil, tarefas que precisam de anos para serem concluídas. Mas a resiliência dele no cargo é destaque à medida em que a base aliada falha em blindá-lo ao mesmo tempo em que é execrado pela oposição – em um movimento constante desde o início do mandato, mas com carga máxima a partir da divulgação pelo site The Intercept Brasil de diálogos atribuídos a membros da Lava Jato.
Além disso, nos últimos meses, o ministro e o presidente Jair Bolsonaro travaram alguns embates velados e até explícitos – situações que no passado motivaram trocas ministeriais.
Lei do abuso de autoridade pode ser divisor de águas
A votação do projeto de abuso de autoridade pela Câmara dos Deputados na quarta-feira (14) tem potencial para desencadear um desgaste na relação de Moro com Bolsonaro. O texto, que havia sido aprovado no Senado em 2017, enquadra como crime vários métodos usados pela força-tarefa da Lava Jato – como a condução coercitiva, divulgação de gravações e uso de algemas quando não há resistência à prisão.
Desde a época em que era juiz, Moro se posiciona contra o projeto. Na quinta-feira (15), ele divulgou uma nota em que afirma que o projeto precisa ser bem analisado pelo governo “para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais”.
O texto seguiu para análise do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que tem até o próximo dia 27 para sancioná-lo ou vetá-lo, no todo ou em parte. Bolsonaro já sofre pressão para vetá-la – embora isso possa azedar a relação do governo com o Congresso. Se sancionar, contudo, vai contrariar o ministro num tema sensível a Moro.
Ao menos na semana passada, depois de idas e vindas, Bolsonaro teria ficado ao lado de seu ministro no desfecho da crise com a Polícia Federal (PF). O episódio da demissão do superintendente da PF no Rio de Janeiro, Ricardo Saadi, ameaçou deflagrar uma rebelião dentro da instituição contra o governo.
Policiais viram risco de ingerência na autonomia da instituição, pois Bolsonaro insistia em nomear o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, para a vaga no Rio. O diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, teria ameaçado deixar o cargo. Moro foi avisado que perderia o controle da PF se cedesse à pressão do presidente. O ministro então conseguiu convencer Bolsonaro a aceitar outro nome que não desagradasse a PF: o delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, que hoje é superintendente em Pernambuco.
Imagem de Moro ainda é positiva...
O fato é que Sergio Moro ainda é a personalidade política com imagem mais positiva perante a opinião pública, segundo pesquisas conduzidas pela empresa Atlas Político, especializada em monitorar a atuação dos parlamentares.
Levantamento divulgado em 1.º de agosto mostra que 51,4% da população adulta tem uma imagem positiva de Moro, cinco pontos percentuais acima de Bolsonaro e dez acima do ministro da Economia, Paulo Guedes. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por exemplo, que capitaneou a aprovação da reforma da Previdência na Casa, foi bem avaliado por apenas 15,3% dos brasileiros.
Entretanto, o ministro da Justiça já gozou de mais popularidade. A imagem dele sofreu um abalo após 9 de junho, quando o Intercept iniciou a publicação de reportagens questionando as ações da Operação Lava Jato. No levantamento do Atlas Político, a popularidade de Moro, que era de 60% em maio, caiu para 50,4% em pesquisa realizada entre 10 e 12 de junho.
...mas o caso Intercept causa desgaste ao ministro
Segundo o Intercept, as conversas que obteve mostram “discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato”.
Desde o início, Moro rechaçou as acusações, ora questionando a veracidade e autenticidade do material, ora defendendo o que considerou ser uma atuação legal de sua parte.
“Agi dentro da legalidade. Não vou pedir desculpas por ter cumprido o meu dever e ter aplicado a lei contra a corrupção e o crime organizado”, afirmou, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo publicada em 13 de junho. Também acusou o Intercept de estar aliado a hackers que invadiram celulares de várias autoridades. Em 23 de julho, na Operação Spoofing, a Polícia Federal prendeu um grupo suspeito de envolvimento no crime, que teria atingido cerca de mil números diferentes. O caso segue em investigação, com acompanhamento do Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar disso, a divulgação de mensagens atribuídas a membros da Lava Jato continuou, e num ritmo ainda mais acelerado, com o compartilhamento de informações entre Intercept e outros veículos da mídia.
Artilharia mais pesada veio do Congresso, quando o ministro foi convidado a dar esclarecimentos sobre as notícias relacionadas à Lava Jato. Em 19 de junho, o ex-juiz foi à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, onde ficou por oito horas e meia respondendo a questionamentos. Em 2 de julho, compareceu a uma sessão na Câmara dos Deputados com a mesma finalidade, que durou cerca de sete horas, e que foi interrompida após um deputado da oposição chamá-lo de “juiz ladrão” – o que causou tumulto.
Nessa última audiência, Moro foi mais incisivo e sarcástico na defesa de seu trabalho e nas críticas aos oposicionistas. Ele sentia-se fortalecido após ter recebido o apoio de manifestações de rua realizadas em 30 de junho, em cerca de 70 cidades. Nessa ocasião, deputados do PSL se organizaram para evitar a repetição do que consideraram uma espécie de “inquisição” na sessão da CCJ do Senado, onde oposicionistas se inscreveram em sequência para fazer perguntas ao ministro.
Na tribuna da Câmara, Moro perde de lavada
Mas a Câmara dos Deputados tem sido palco de centenas de questionamentos a Moro, em discursos feitos na tribuna ou no plenário. Mesmo em uma situação equilibrada, em que as bancadas do PT e PSL tinham até o começo do mês 54 deputados cada uma – no dia 13 os petistas assumiram a liderança numérica, com a expulsão do deputado federal Alexandre Frota do PSL –, os discursos contra Moro predominavam.
O sistema da Casa registrou cerca de 560 discursos citando o ministro da Justiça entre 5 de fevereiro (início da atual legislatura) e 8 de agosto. Desses, 221 foram de petistas, sempre questionando a conduta do ex-juiz e quase que invariavelmente defendendo liberdade para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Siglas como PSol e integrantes do PSB, Podemos e PDT também fizeram coro nas críticas.
Os discursos de parlamentares do PSL citando Moro somaram apenas 96 no período. Integrantes de outros partidos também discursaram a favor do ministro, mas em muitos casos foram feitas apenas citações do nome dele, sem juízo de valor.
Moro também colhe derrotas concretas no Congresso e no governo
As derrotas de Moro no Congresso, porém, não ficaram apenas nos discursos. O ministro fez um intenso lobby no Congresso para tentar manter o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, conforme previa a primeira medida provisória de Bolsonaro. Mas não deu certo. Os deputados, ao votar projeto que reestruturava toda a Esplanada, mandaram o Coaf de volta para o Ministério da Economia – onde ficava até o governo do ex-presidente Michel Temer. Moro considera o Coaf fundamental na sua estratégia de combate à lavagem do dinheiro do crime e da corrupção.
No último dia 15, um novo revés para Moro. Bolsonaro afirmou que vai tirar o Coaf da Economia. Mas não irá devolvê-lo à Justiça. O destino será o Banco Central.
E logo o ministro poderá ter uma nova derrota. O atual presidente do Coaf, Roberto Leonel, que é aliado de Moro, corre risco de perder o cargo. Bolsonaro passou a pressionar o ministro da Economia, Paulo Guedes, para trocar o comando do Coaf. O presidente não gostou que das declarações de Leonel criticando a decisão do STF que paralisou as investigações contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (PSL).
Relação de Moro com Bolsonaro tem desencontros
A relação de Moro com Bolsonaro também já não é das melhores. O primeiro sinal de que o ministro não teria vida fácil em Brasília foi a assinatura do primeiro decreto de armas, ainda em janeiro. Todas as sugestões do ministro para o texto foram desconsideradas pelo presidente. Mesmo assim, o ministro compareceu à cerimônia de assinatura da medida – visivelmente desconfortável.
O segundo decreto, assinado em maio, também passou por cima do ministro. A consultoria do Ministério da Justiça e Segurança Pública teve menos de 24 horas para analisar o texto. Na ocasião, Moro afirmou que o decreto que flexibilizou regras para posse e porte de armas não é uma política de segurança pública, mostrando uma clara divergência com o chefe.
Recentemente, Bolsonaro também afirmou a jornalistas que o pacote anticrime de Moro não é prioridade para o governo. O presidente disse que Moro precisava “dar uma segurada” no pacote para não atrapalhar reformas econômicas. O Congresso tem se mostrado refratário a uma série de medidas propostas pelo ministro.
Bolsonaro já havia indicado descontentamento com Moro em outro episódio, envolvendo a Operação Spoofing, que prendeu quatro suspeitos de hackear celulares de autoridades. Moro havia dito a alguns alvos do ataque que as conversas – consideradas provas, pela Polícia Federal – seriam destruídas. O ministro foi desmentido pela PF e advertido por Bolsonaro, que disse que essa decisão não cabe ao ministro. O Supremo também se posicionou sobre o tema, proibindo a destruição e determinando que uma cópia do inquérito fosse entregue ao STF. Depois de tudo isso, o ministro afirmou que nunca havia dito que haveria destruição de provas; que tudo não passou de um mal-entendido.
Na relação de Moro com Bolsonaro, porém, há um ingrediente a mais: Moro conta com forte apoio popular. Por isso, Bolsonaro sabe que não pode simplesmente “fritar” o ministro, como fez com outros auxiliares que o desagradaram. No mesmo dia em que pediu para Moro “dar uma segurada” no projeto anticrime, por exemplo, Bolsonaro convidou o ministro para uma transmissão ao vivo na sua página no Facebook para defender o pacote.