A entrada do ex-juiz Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol na política fez crescer entre os apoiadores da Lava Jato a esperança de resgate do combate à corrupção, após dois anos de retrocessos. Para alguns, uma possível candidatura dos dois poderia, inclusive, levar outros nomes de peso da operação para a disputa eleitoral.
Além de Moro e Deltan, já se fala nos bastidores, por exemplo, da possibilidade de o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, que conduziu a Lava Jato na PGR, também se candidatar. Outro que cogita concorrer a um mandato eletivo é o procurador Diogo Castor de Mattos, que integrou a força-tarefa de Curitiba.
Todos compartilham a experiência de, após um período de grande êxito, prestígio e notoriedade no combate à corrupção, terem passado a ser alvos de investigações por suas condutas e de duras críticas pela atuação na investigação dos desvios na Petrobras e em outros órgãos públicos e estatais.
Para entender a dimensão e o impacto da entrada dos ex-integrantes da Lava Jato na política, a Gazeta do Povo ouviu interlocutores, observadores e analistas. Para alguns, pode-se criar uma “onda” eleitoral que leve para o Congresso, por exemplo, outros atores que se notabilizaram pela pauta anticorrupção, seja dentro das instituições ou fora, como em movimentos e grupos de ativistas de moralização da política.
Por outro lado, o eventual surgimento de uma “bancada da Lava Jato” não necessariamente tornará fácil o avanço de propostas que corrijam recentes reveses na legislação, que dificultaram as investigações e punições, e também na jurisprudência, que levaram à anulação de condenações e processos.
A filiação de Moro ao Podemos está marcada para esta quarta-feira (10) num evento público em Brasília, onde pode ser sinalizada sua intenção de concorrer à Presidência da República. Deltan também deve se filiar ao partido, em data futura ainda indefinida, para que concorra a uma cadeira na Câmara dos Deputados ou no Senado.
Moro e Deltan podem incentivar outros candidatos defensores da Lava Jato
Autor do livro "Crime.gov: Quando corrupção e governo se misturam", o delegado da Polícia Federal Jorge Pontes aposta no surgimento de uma “onda” de candidatos que, na esteira de Moro e Deltan, consigam se eleger com o discurso anticorrupção.
“Por mais que tenham desmontado, desativado e desconstruído alguns dos resultados da Lava Jato, há algo muito importante que eles não podem destruir: a imagem e a memória do povo brasileiro, que tomou conhecimento, através da operação, da existência do crime organizado, da corrupção sistêmica que toma parte do Estado, que corrompe o processo legislativo, o processo democrático, o processo eleitoral, que corrompe os grandes projetos do país. Toda aquela dinheirama... bilhões que foram devolvidos, dezenas de réus que confessaram os crimes e apontaram outras articulações. Nada disso foi apagado da memória da sociedade. Ela ainda tem muito viva na consciência a necessidade de dar um freio nesse mecanismo, nessa megaestrutura que é o crime institucionalizado", diz Pontes.
O procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, tem percepção semelhante. “Muitas pessoas terão esses elementos norteador na definição do voto. Não se pode dizer que é algo homogêneo e absoluto. Mas muita gente tem essa agenda como fundamental na sua escolha, na sua matriz de referências fundamentais. Muitas vão se decepcionando e se angustiando com o que veem, mas muita gente tem essa questão ética ainda como fundamental para que possa viver num ambiente minimamente digno no país”, afirma.
Mas não necessariamente esses "candidatos da Lava Jato" serão egressos da magistratura e do Ministério Público, uma vez que, para se candidatarem, juízes e promotores têm de abrir mão da carreira de forma definitiva, como fizeram Moro e Deltan. A aposta é que policiais estejam mais propensos a se candidatar, uma vez que podem se licenciar e depois retornarem aos cargos na corporação, se forem derrotados.
Há outro fator que pode levar alguns ex-integrantes da Lava Jato ou defensores da operação a se candidatarem já no ano que vem. A Câmara recentemente aprovou a proposta de um novo Código Eleitoral que estipula quarentena de quatro anos para que juízes e promotores possam disputar eleições. E essa regra valeria a partir das eleições de 2026, segundo o projeto de lei. Ou seja, para concorrer a cargos eletivos, eles teriam de pedir demissão do MP ou da Justiça quatro anos antes. O projeto, contudo, ainda não foi votado pelo Senado. Mas a avaliação é que pouquíssimos juízes ou procuradores deixariam a carreira para tentarem se eleger só quatro anos depois.
“Ninguém vai pedir exoneração, a não ser aqueles que já podem se aposentar. Pode ter no Brasil inteiro uns cinco casos”, disse à reportagem um juiz do Paraná sob a condição de sigilo. “Mas a gente sabe que se virar uma onda, se o Podemos tiver filtros e souber alavancar, a gente sabe que em vez de policiais militares bolsonaristas, possam ser eleitos outros, federais, simpáticos à Lava Jato, e aí é possível formar maioria do bem. Nas fileiras da PF, tem muita gente 'morista'. Ele levou a PF para outro nível de respeito, como juiz e como ministro da Justiça. Ela ganhou ares de polícia de Estado. Já era respeitada, mas potencializou isso muito”, acrescentou o magistrado.
O delegado da PF Jorge Pontes, por sua vez, acha inevitável que, caso se forme uma onda pró-Lava Jato, muitos dos eleitos sejam apenas políticos que se aproveitaram do momento, mas sem qualificação sólida para defender avanços na legislação e na fiscalização do poder público.
“A entrada do Moro e do Deltan tem tudo para iniciar um retorno dessa onda, que a bem da verdade, não passou. Grande parte do eleitorado foi iludido de que Bolsonaro iria dar continuidade à Lava Jato, e na verdade ele se juntou ao grupo do Centrão, traiu todos os ideais de mudança e transformação, do fim da prisão em segunda instância e do enfrentamento da impunidade, para se entrincheirar ao lado dessa elite política anacrônica, que toca o fisiologismo e o clientelismo histórico. Uma nova onda anticorrupção pode eleger muita gente boa. Mas também vai se irradiar para muito aproveitador, surfista, gente que nunca foi a favor de nada, que quer um salário de deputado. Onda grande traz tudo, traz peixinhos, conchinhas, mas traz também lixo. E a política é muito rica em aproveitadores, pessoas que nunca tiveram bandeira. Está aí o bolsonarismo para não nos deixar mentir”, diz o delegado.
Mesmo vitoriosos, ex-membros da Lava Jato teriam dificuldades
Uma eleição de Moro para presidente e de Deltan Dallagnol para algum cargo no Congresso, no entanto, não tornaria fácil e rápida a aprovação de medidas anticorrupção. "Vamos ter muito trabalho. Vai ter que recolocar esses temas em debate e fazer trabalho de convencimento para recuperar o terreno perdido", diz o procurador Roberto Livianu.
“É possível iniciar um processo. Não para consertar no dia seguinte. Mas, por intermédio do próprio Executivo, é possível dar início a um processo de enfrentamento desses males da corrupção. Se você tem o Executivo federal, ele dá ao presidente o controle sobre uma malha enorme de órgãos públicos, de articulação, coordenação, influência sobre políticas públicas e sobre órgãos públicos. Tem CGU, Coaf, Receita, PRF, PF e órgãos de cooperação internacional do Ministério da Justiça”, diz Jorge Pontes, em referência a uma eventual presidência de Moro.
Ele e outros magistrados também apostam que a escolha de ministros para cortes superiores e de desembargadores para tribunais regionais federais daria um salto de qualidade. “Seriam quatro anos indicando ministros, escolhendo o mais votado na lista tríplice para a Procuradoria-Geral da República, retirando o aparelhamento da Polícia Federal. Moro reconstruiria um sistema de governança republicano e não político, reinstitucionalizando o país”, diz um magistrado que o apoia.
No Congresso, o caminho seria mais difícil. Mesmo parlamentares que apoiam algumas das pautas de Moro e Deltan consideram que eles não têm toda a legitimidade para avançar na agenda anticorrupção.
O deputado Aliel Machado (PSB-PR), por exemplo, é relator da PEC da prisão em segunda instância e defensor do fim do foro privilegiado. Mas ele critica a forma como Moro e Deltan atuaram na Lava Jato. “A operação teve pontos positivos, recuperou dinheiro, prendeu pessoas importantes. Mas a Justiça precisa estar forte nas instituições e nas regras sendo respeitadas. A Lava Jato teve êxito porque conseguimos aprovar a lei anticorrupção, a lei contra organizações criminosas, a lei de transparência. Isso é conquista da sociedade e não de salvadores da pátria”, afirma o deputado.
Para Aliel, a filiação de Moro e Deltan ao mesmo partido político dará razão àqueles que sempre acusaram a dupla de usarem o Judiciário e o MP para derrubarem adversários políticos. "Estão escancarado aquilo que sempre foi dito, que estavam fazendo política partidária e cometendo injustiças dentro de órgãos que deveriam se portar com isenção”, diz o deputado.
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