O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, levou três dias após a soltura do ex-presidente Lula para falar a um veículo de imprensa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de proibir as prisões de condenados em segunda instância judicial. E essa primeira entrevista foi concedida, na segunda-feira (11), à Gazeta do Povo.
O ministro abriu seu gabinete no ministério e falou sobre Lula, STF, possibilidade de reverter o entendimento sobre a segunda instância e futuro da Lava Jato. Mas Moro também comentou sobre vários outros assuntos: os resultados de sua gestão no combate à criminalidade, a investigação sobre o mandante do atentado contra o então candidato Jair Bolsonaro, sua lealdade ao presidente, a possibilidade de concorrer na eleição de 2022, as críticas de que haveria interferência presidencial na Polícia Federal, o pacote anticrime, o "sensacionalismo" que vê em parte da imprensa.
Nesta terça-feira (12), a Gazeta do Povo publica em texto a íntegra da entrevista com Sergio Moro e outros conteúdos especiais: logo abaixo, um vídeo com os melhores momentos da conversa do ministro com os jornalistas da Gazeta e, ao longo da entrevista, outros vídeos com o resumo das declarações do ministro sobre assuntos pontuais. Ao fim do texto, mais um vídeo – sobre os bastidores da entrevista – e a íntegra da conversa em áudio.
Como o senhor recebeu a notícia do julgamento no STF [que declarou inconstitucional as prisões após condenação em segunda instância judicial]? Como o senhor encara a discussão sobre a prisão após trânsito em julgado ser cláusula pétrea e, portanto, não pode ser sequer objeto de alteração legislativa?
Moro: Primeiro, queria dizer que é um prazer dar uma entrevista para um jornal do Paraná, a Gazeta do Povo. Eu sou assinante da Gazeta do Povo e gosto muito do jornal, além do que, é minha terra, então é uma grande satisfação.
Olha, primeiro, temos que partir de alguns pressupostos. O Supremo Tribunal tem que ser respeitado. É uma instituição essencial à democracia. Exerce esse controle de constitucionalidade; profere decisões importantes. Às vezes nós gostamos dessas decisões; às vezes elas não nos agradam. Mas ainda assim é um tribunal exercendo sua competência. Nós temos que respeitar esse tipo de decisão.
Eu sempre falei, publicamente inclusive, que a admissão da execução [da pena de prisão após decisão judicial] em segunda instância, após o julgamento de uma Corte de apelação, foi um grande avanço. Foi uma decisão proferida pelo [ex-]ministro Teori Zavaski [do STF], em 2016. Acho que ela foi muito importante para que nós tivéssemos um sistema processual mais eficiente. Não pode ter um processo que não funciona. Simples assim.
Eu não fiquei satisfeito, evidentemente, com a decisão [do STF que barrou as prisões em segunda instância]. Mas eu respeito a decisão. Tendo se tomado a decisão, quem não concorda com ela tem que verificar se há uma possibilidade de mudança. E uma perspectiva que foi colocada no próprio voto do ministro Dias Toffoli é a alteração da Constituição ou, eventualmente, uma alteração da lei, sinalizando, na compreensão dele, que [o assunto] não é uma cláusula pétrea.
Considerando que cinco ministros foram vencidos, certamente eles não entendem que aquela interpretação majoritária constitui uma cláusula pétrea. No fundo, é o seguinte: a presunção de inocência é um princípio cardeal dentro do processo penal, mas ela tem muito mais relação com a questão da prova do que com efeito de recurso. Então, vamos admitir o seguinte: para condenar alguém criminalmente, você precisa ter uma prova categórica, acima de qualquer dúvida razoável. Isso a meu ver é o núcleo essencial da presunção de inocência. Isso não pode ser alterado, e ninguém em sã consciência iria admitir que pode condenar, ainda que tenha dúvida. Não pode. Agora, o efeito de recurso já não está muito relacionado a esse núcleo essencial, até porque a gente vê países que são berços históricos da presunção de inocência – França e Estados Unidos – que admitem a execução já na primeira instância, após o primeiro julgamento. A grande maioria dos países [permite a prisão] após o segundo julgamento. Então, não existe essa compreensão disso como algo essencial à presunção de inocência.
O senhor pretende incentivar mudanças na legislação nesse sentido?
Moro: Sim, dentro da minha atribuição de ministro da Justiça, e sempre agindo com o devido respeito às instituições – no caso, ao Supremo, que proferiu a decisão, que tem que ser respeitada. E nós tentamos provocar os parlamentares, no bom sentido, o presidente do Senado, o presidente da Câmara. São pessoas responsáveis, são pessoas que temos um grande respeito e tentamos convencê-los da necessidade de promover a alteração constitucional.
O grande fato dos últimos dias foi a liberação do ex-presidente Lula. O senhor acha que a libertação dele enfraquece a Lava Jato? O senhor tem um sentimento de frustração por tudo que foi empreendido até esse momento?
Moro: A Lava Jato mudou o parâmetro que nós tínhamos no Brasil de impunidade da grande corrupção. Teve casos anteriores também relevantes. Vamos destacar o caso da Ação Penal 470, do mensalão. Mas a Lava Jato mudou [o parâmetro]. Vimos pessoas que receberam quantidades enormes de suborno e pessoas que pagaram quantidades enormes desse suborno, crimes que duraram quase uma década no âmbito da Petrobras. A Petrobras foi quase destruída, dentre outros motivos, por conta desse esquema de corrupção, que também se expandiu para outros setores. No passado, nós íamos ver esses escândalos nos jornais e jamais com uma resposta institucional no sistema de Justiça. Várias pessoas foram processadas [por causa da Lava Jato], foram condenadas, cumpriram pena, estão cumprindo pena. Parte delas agora foi solta por conta desse novo entendimento. Mas isso não significa que elas foram inocentadas, os processos continuam e elas vão responder por seus crimes na Justiça.
Como eu disse, a decisão do Supremo tem que ser respeitada. Não concordo com ela. Mas a gente não pode avaliar essas questões pelas perspectivas dos procuradores, dos juízes, pela perspectiva da Lava Jato. Não é a Lava Jato em questão. O que se encontra em questão é o nosso sistema de Justiça.
Mas em relação à frustração do caso do Lula... O senhor tem alguma frustração de ele estar solto?
Moro: Eu nunca levo essas questões do ponto de vista pessoal. Quando eu proferi as decisões contra o presidente Lula, assim como qualquer outro réu, durante toda a minha carreira judiciária, isso sempre foi algo imparcial, objetivo, não tem um sentimento pessoal. Na verdade, quando o juiz condena alguém à prisão, o sentimento normalmente é de pesar. Puxa, mandar alguém para a prisão sempre é algo negativo, é fazer o mal para uma pessoa. Mas isso é uma consequência de um crime que a pessoa cometeu. E juiz tem que cumprir o dever legal. Não pode pensar só no acusado; tem que pensar também nas vítimas. É um sistema que precisa, acima de tudo, afirmar o império da lei.
O senhor acha que o ex-presidente solto, com esse discurso muito forte de crítica à Lava Jato, enfraquece de alguma forma a operação?
Moro: É o mesmo [discurso] que ele já falava antes. E as pessoas avaliam os fatos, têm condições de avaliar os fatos que aconteceram. Essa questão da perseguição política é absolutamente um álibi que foi construído, que não tem nenhuma procedência no mundo real.
Falando um pouco do pacote anticrime. O pacote foi enviado pelo senhor em fevereiro para o Congresso. Passou por um grupo de trabalho e finalmente está pronto para ser votado no plenário da Câmara. Qual a avaliação que o senhor faz do resultado desse grupo de trabalho e o que o senhor considera essencial que volte ao pacote [muitas das propostas de Moro foram descartadas pelo grupo de trabalho]?
Moro: Foi criado esse comitê para unificar dois projetos. Tinha um projeto que era do governo e um projeto que foi criado por uma comissão formada pelo ministro [do STF] Alexandre de Moraes. Foi unificado. Coisas importantes foram mantidas e coisas importantes foram retiradas. Mas acho que tem condições de se trabalhar em um texto de consenso ou se resgatar boa parte das propostas no plenário na Câmara. É para isso que o governo vai trabalhar. Claro, isso precisa de diálogo. Precisa encontrar pontos comuns. Tem a negociação, no bom sentido, com os parlamentares. Nossa expectativa é que nós consigamos aprovar a maior parte do texto. Como é natural, sempre que alguém manda um projeto de lei tem essa expectativa. Vamos trabalhar para isso.
Pontos muito importantes para o senhor foram retirados, a prisão em segunda instância, o excludente de ilicitude, plea bargain…
Moro: Tem vários pontos importantes, que às vezes tem alguma incompreensão. Essa questão do plea bargain, é uma forma de acelerar a resolução de casos na Justiça [o plea bargain é um instrumento jurídico dos EUA que prevê a confissão de crimes por parte do acusado em troca de uma pena menor]. O que você tem hoje? Tem um Poder Judiciário absolutamente sobrecarregado, que não consegue dar vazão ao julgamento de casos criminais, mas mesmo casos cíveis, em um tempo razoável. Isso gera insatisfação. As pessoas querem a solução desses casos. O instituto plea bargain é justamente permitir uma resolução mais rápida: o acusado reconhece sua responsabilidade e ele negocia um benefício de matéria penal. Isso é algo que acontece há muito tempo nos países anglo-saxões e funciona bem. Pode ter os seus problemas. Tem seus problemas. Mas o sistema atual nosso não tem seus problemas também? Esses processos que nunca terminam, essa impunidade de vários crimes ou mesmo a situação de ter casos que gastam uma enormidade de dinheiro com custos com tribunais, custos com juízes, custo com procuradores, as partes gastam seus valores com advogados. Então você precisa ter um sistema mais eficiente, que seja menos custoso. Não pode ter um aparato de sistema de Justiça tão oneroso e tão ineficiente.
Neste mês ainda podemos ter o julgamento [no STF] compartilhamento de dados de órgãos de controle, como Coaf e Receita Federal, com o Ministério Público. Qual a expectativa e a opinião do senhor em relação a esse julgamento?
Moro: Só quero fazer uma ressalva: eu sou o que mais respeita o sistema de Justiça; eu fui juiz há pouco tempo. Agora, a gente tem que reconhecer que [a Justiça] tem os seus problemas e os próprios magistrados reconhecem. Temos que trabalhar soluções para que nós melhoremos essa eficiência. E não adianta só culpar o juiz, culpar o procurador, culpar o advogado, se não se alteram as leis. Precisa alterar as leis com as quais eles trabalham.
A questão do Coaf... Veja, existe de um lado um sistema de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo. Quando a gente fala de lavagem de dinheiro, a gente não está falando de corrupção apenas. A gente está falando de todos os crimes. O principal alvo da criminalização da lavagem de dinheiro foi inicialmente o narcotráfico, que movimenta valores enormes. Do outro lado, tem algumas indagações de privacidade [na discussão sobre o compartilhamento de informações]. O Supremo vai ter que encontrar uma solução para essas questões, para resolver esse caso. Estamos aguardando a decisão do Supremo Tribunal Federal.
O senhor acha importante que esse compartilhamento [de dados] seja permitido?
Moro: O compartilhamento é permitido, mesmo depois da liminar. O que foi estabelecido ali foram circunstâncias e condições [para permitir]. O Supremo vai ter que analisar se isso é suficiente ou não para atender a qualidade do sistema.
O presidente [Jair Bolsonaro] se manifesta muito sobre investigações em andamento: derramamento de óleo no Nordeste, candidaturas de "laranjas" do PSL, caso Marielle, etc. Isso, na sua opinião, não coloca em xeque a percepção de independência da Polícia Federal?
Moro: O presidente garantiu, desde o início, autonomia e independência das investigações da Polícia Federal e isso tem sido cumprido estritamente. O que acontece, às vezes, é que a própria imprensa cobra uma afirmação dele e ele se pronuncia. Mas isso não interfere, de maneira nenhuma, na autonomia e independência da Polícia Federal. Pelo contrário. Não existe nenhuma sombra de dúvida de que [a PF] não tem feito seu trabalho com independência. O próprio caso da vereadora que foi assassinada [Marielle Franco], foi um inquérito da Polícia Federal, que foi instaurado no final do governo anterior e prosseguiu na gestão desse ano, na minha gestão no Ministério da Justiça e da gestão do presidente. [Foi esse inquérito] que constatou que havia sido plantada uma testemunha falsa dentro da investigação e que a investigação que corria perante a Polícia Civil [do Rio de Janeiro] estava embarcando na tese vendida pela testemunha falsa – o que ia prejudicar todos os trabalhos. Foi graças ao trabalho da Polícia Federal que a investigação retomou o rumo melhor. Então, de forma nenhuma existe interferência. Eu não interfiro nos inquéritos e investigações, quanto menos o presidente.
Mas ele tentou fazer trocas no Rio de Janeiro, por exemplo, na Superintendência da PF…
Moro: Não. Não houve nenhuma substituição lá que não fosse programada. O superintendente da Polícia Federal manifestou seu desejo de deixar sua posição e deixou sua posição. E, desde então, permanecem as mesmas pessoas que ali trabalhavam, fazendo o trabalho que vinha sendo feito antes.
Por falar na Polícia Federal, o presidente Bolsonaro falou esses dias que quer saber quem mandou o Adélio [Bispo] esfaqueá-lo. A Polícia Federal já fez investigações, identificou que o Adélio é o responsável [pela facada]. Na opinião do senhor, falta algo a ser elucidado em relação à facada no então candidato Bolsonaro?
Moro: Eu não comento investigações em andamento. Houve uma primeira investigação que identificou o Adélio como autor do crime. Ele foi condenado criminalmente. E existe uma investigação separada para verificar se há outras pessoas envolvidas nesse crime ou não. É uma investigação não finalizada.
Está em curso então?
Moro: Qualquer afirmação da minha parte seria prematura. E veja: ao contrário do que à vezes se afirma por aí, o ministro não é um "supertira". Não está lá, não tem acesso ao conteúdo dos inquéritos. Isso é realizado com independência.
O senhor esclareceu que não fez acordo com o presidente Bolsonaro sobre uma eventual indicação sua ao STF. Mas é uma meta pro senhor, quem sabe um dia, chegar ao Supremo Tribunal Federal?
Moro: Eu já falei isso umas 200 mil vezes. Eu sempre acho assim… não tendo vaga no Supremo Tribunal Federal, eu acho inapropriada a discussão sobre essa possibilidade. Tudo bem, não estou censurando aqui o jornalismo, que faz o seu papel. Mas, assim… não tem vaga. É até indelicado conversar sobre esse assunto. Respeito muito o ministro Celso de Mello, o ministro Marco Aurélio [os dois que irão se aposentar mais cedo, em 2020 e 2021, respectivamente]… Então acho que não cabe esse tipo de discussão no momento.
Eu assumi aqui [o Ministério da Justiça] o convite por aquilo que eu falei publicamente desde o início: um compromisso meu e do presidente para que nós fôssemos duros contra a corrupção, o crime organizado e a criminalidade violenta. E o que a gente tem visto são bons resultados nessa área. Corrupção e escândalo de corrupção na gestão do governo não têm aparecido. Podem surgir, eventualmente, algum dia, casos de corrupção? Podem surgir, e vão ser apurados e vão ser investigados. Mas aqueles esquemas sistemáticos de corrupção que nós tínhamos nos governos anteriores, não se tem notícia de nada disso. Do outro lado, tem o crime organizado. O governo tem tomado uma posição dura, no bom sentido, com processos, investigação eficiente e ações importantes, ilustradas aí pelos recordes de apreensão de cocaína, e também na atuação mais incisiva contra essas lideranças das organizações criminosas, e contra os seus bens. Elas mesmas [as facções] estão reclamando. Investigações que existem por aí, algumas até acabaram sendo divulgadas depois da deflagração, elas mesmas reclamam que, com o governo atual não existe conversa, que o governo atual tá sendo duro. Isso tem impacto na criminalidade violenta. Porque grande parte da criminalidade violenta está hoje vinculada ao crime organizado, especialmente nas regiões metropolitanas das grandes cidades do Brasil. São disputas de tráfico de drogas, disputas entre consumidor e fornecedor [de entorpecentes], ou entre fornecedores buscando o controle daquele mercado. Então isso tem resultado numa queda de vários indicadores criminais – entre elas a de homicídios, que nós temos uma queda de 22% até agosto.
O senhor tem uma meta de melhora desses índices até o final da sua gestão?
Moro: É impossível fixar uma meta em termos percentuais: “Ah, eu quero reduzir os homicídios pela metade”. Na verdade, o que tem que ser feito? Tem que ser tomadas ações tendentes a reduzir esses índices. Mas isso não é matemática. Então não tem como dizer assim: “realizar tantas mais operações vai resultar numa queda de 'x' por cento”. Isso não existe. Agora, quanto maior for essa queda, melhor. Porque, vamos convir, nós chegamos ao final do governo do Partido dos Trabalhadores com recorde de homicídios, mais de 60 mil homicídios no Brasil em 2016. Esses números caíram um pouco em 2018 e caíram mais expressivamente agora em 2019. Mas os números remanescentes ainda são muito altos. O estrago desse crescimento desmesurado da criminalidade do Brasil dos últimos 15 ou 20 anos foi uma tragédia. Então ainda falta muito para melhorar, embora os avanços tenham sido positivos nessa gestão.
Voltando a falar do Supremo, partidários do presidente Bolsonaro defendem que a aposentadoria compulsória volte a ser aos 70 anos, não mais aos 75. Qual a opinião do senhor em relação a isso?
Moro: A minha posição é que é uma decisão do Parlamento. Se houver uma alteração da idade, me parece que isso não poderia ser aplicado aos atuais ministros. Resguardado esse ponto, se for 75 ou 70, não sei se tem tanta diferença.
Qual a opinião particular do senhor? O senhor seria favorável manter com 75 ou mudar para 70?
Moro: Eu acho que não é uma das questões mais importantes. Mas, se mudar, eu acho plenamente possível. Foi a regra que prevaleceu até pouco tempo [a aposentadoria compulsória aos 70 anos]. Agora, isso não pode implicar numa mudança da situação dos atuais ministros.
Voltando para o Ministério da Justiça e para o dia a dia, para os projetos que são tocados aqui. O senhor lançou o programa Em Frente Brasil, projeto de redução da criminalidade, em cinco cidades, um projeto-piloto. Qual a expectativa para esse programa a partir do ano que vem? Vai ser ampliado, pode abranger mais cidades?
Moro: A concepção do projeto é mais ou menos a seguinte: a União federal, o governo federal, sempre ficou um pouco longe da criminalidade urbana violenta. A Polícia Federal fazendo aquelas grandes operações. A Polícia Rodoviária Federal, embora tenha um papel no trânsito e no tráfego de rodovias, também atua incidentalmente contra o crime. E a Força Nacional atuando muito em emergência. Crise no Ceará? Manda a Força Nacional. Crise no Rio de Janeiro? Manda a força nacional. Vou fazer uma GLO [decreto de Garantia da Lei e da Ordem, medida que permite a atuação das Forças Armadas em situações urbanas] pra nos anteciparmos a esses problemas. Então nós escolhemos cinco cidades com elevados índices de violência do Brasil. Não foi só esse critério utilizado, mas esse foi um dos critérios importantes. E o nosso propósito é levar as forças federais, tanto a Polícia Federal quanto a Polícia Rodoviária Federal, e a Força Nacional, para uma atuação mais incisiva, focada em território. Se aquela cidade tem problema de violência, vamos focar lá. Se dentro daquela cidade é aquele bairro, vamos focar naquele bairro. Tudo isso em integração com o governo do estado e com o governo municipal. Porque o fato é o seguinte: os recursos são escassos, e a melhor maneira de eu utilizar esses recursos é integrar, em uma ação focalizada. Então é essa a ideia do projeto Em Frente Brasil. Tem gerado bons resultados, uma queda… são vários indicadores criminais. Considerando o parâmetro de assassinatos, há uma queda de 47% ao todo nas cidades – umas mais, outras menos. Ainda é cedo para avaliar, porque é um programa de médio prazo. No longo prazo, isso não pode ser mensurado por um, dois meses de atuação. E é um projeto modelo porque nós estamos também trazendo outras ações de cunho urbanístico e social a essas cidades, também com aquela ideia do foco territorial. Aí você foca em territórios com problemas de violência. Nós queremos aprender com esses projetos. E, a partir do aprendizado, o que nós avaliamos é como a gente pode expandir, e para onde a gente pode expandir [o projeto]. Claro que a nossa intenção é expandir. Agora, nós temos que pensar a questão de orçamento, de recursos, de pessoal, que tipo de modelo que nós podemos expandir… Por exemplo, nós poderíamos expandir o modelo sem eventualmente ter a presença necessária da Força Nacional em todo local. Mas a ideia realmente é de expansão, e isso vai gerando no Brasil algumas ilhas de cidades com maior segurança, isso vai melhorando essas gangues. Porque nossa ideia não é ir lá na cidade e o criminoso se mudar pra outra. A ideia é ir lá e mudar o criminoso para a prisão, não para outro município. Por isso que, além da Força Nacional, da polícia ostensiva, nós temos a polícia judiciária.
O presidente Bolsonaro tem feito muitas críticas à imprensa, falou que a Globo persegue o governo 24 horas por dia, cancelou assinaturas da Folha de S.Paulo. Em relação ao senhor e ao trabalho do Ministério da Justiça: como avalia a conduta da imprensa?
Moro: A imprensa é uma instituição fundamental. Não no sentido público, evidentemente. Mas é essencial para a liberdade de expressão, a circulação das ideias. Eventualmente, a imprensa também comete seus erros. O fato de ela realizar esse trabalho importante não significa que ela está sempre certa. Ao contrário, às vezes erra. Ás vezes peca, talvez por uma necessidade de chamar a atenção, por sensacionalismo, por querer dar um viés muito sensacional a fatos que são triviais. Acho que isso é normal. Agora, apontar os erros cometidos pela imprensa, eu acho também que não tem problema nenhum.
O senhor tem dentro do ministério uma agenda muito extensa de combate ao crime organizado e ao crime violento. Em relação a uma outra bandeira que o senhor defende, a do combate à corrupção, o que o senhor pode adiantar que está sendo feito e será feito na sua gestão para institucionalizar esse combate à corrupção que o senhor trouxe de expertise da Lava Jato?
Moro: Essa questão de combate à corrupção não é só uma tarefa aqui do meu ministério. É função de todos adotarem políticas de transparência, integridade… Nós temos também o Ministério da Transparência, com o ministro Wagner do Rosário. Tem a CGU [Controladoria Geral da República], que tem papel importante…
Da nossa parte, nós encaminhamos projetos de lei, que é relevante para que nós aprimoremos o sistema legislativo em relação a todos os crimes, mas também em relação à corrupção. No âmbito executivo, a única orientação que foi dada à Polícia Federal foi focar em corrupção e crime organizado. Claro que tem uma série de crimes que também são relevantes, mas acho que esses são os dois principais flagelos e preocupação dos brasileiros. E nós ampliamos, estamos ampliando os quadros da Polícia Federal com um concurso. Vamos chamar 500 [policiais federais]. Isso é importante. Parece uma coisa pequena. Mas não, porque sem recursos humanos você não consegue fazer um bom trabalho. E mais cerca de 600 fazem esse curso [de formação] no ano que vem. Então vai ter uma melhoria nos quadros de recursos humanos da Polícia Federal, até para substituir. Fazia um bom tempo que não estavam tendo esses concursos.
Nós também estamos investindo em tecnologia. Estamos incentivando os estados a criarem suas delegacias anticorrupção, seja publicamente exortando para tanto, seja definindo como critério de distribuição de recursos do ministério a existência ou não de uma delegacia anticorrupção com condições de trabalho. Então nós estamos tentando estimular essas várias práticas.
E nós insistimos no modelo dessas forças-tarefas, que é uma lição da Lava Jato. Acho que, para determinados crimes, tem que constituir uma força-tarefa, dada a dimensão e a complexidade desse tipo de delito. No fundo, são várias iniciativas. Nós temos um projeto de fortalecimento das corregedorias das polícias, que é extremamente importante. É um projeto que está em andamento aqui dentro do ministério. Praticamente você não tinha uma política nacional, em termos de corregedoria de polícia, com parâmetros, modelos. E nós estamos implementando isso aqui dentro do ministério.
O nome do senhor apareceu com bastante destaque em uma recente pesquisa para a eleição presidencial de 2022. O senhor pontuou muito bem, ganhando até do Bolsonaro em algumas ocasiões. Como o senhor recebeu esses dados?
Moro: Essa é uma ilusão. Nem precisa colocar meu nome em pesquisa porque eu não vou concorrer. Eu já falei há muito tempo de que meu trabalho aqui é mais técnico; e meu compromisso é com o ministério nesse sentido. Não tenho nenhuma pretensão de ser candidato em 2022. Estou no governo federal, e o presidente é o provável candidato à reeleição. Ele próprio já afirmou essa perspectiva. Então é natural que, até por uma questão de lealdade, que se apoie o presidente.
Como o senhor avalia o governo do presidente Jair Bolsonaro até agora, inclusive do ponto de vista do combate à corrupção, do crime organizado? O senhor sente que tem respaldo para atuar?
Moro: Sim. Nós estamos tendo bastante apoio nessas pautas e estamos conseguindo avançar. Inclusive, em matéria orçamentária, o orçamento do ministério… Claro que a gente sempre gostaria que fosse maior, mas existe uma situação também fiscal, complicada. Mas o governo tem investido nessas áreas vinculadas ao Ministério da Justiça e ao enfrentamento da criminalidade. E essa queda percentual dos crimes no Brasil que nós vemos nesse ano não tem precedente histórico. É um percentual, só em homicídios, de 22% [de queda]. Roubo a banco caiu 40%. Precisa necessariamente reconhecer que existe um mérito dos governos dos estados. As forças de segurança pública estão também sobre os comandos dos estados e não só no governo federal. Mas, havendo essa queda em todo o território nacional, me parece claro que existe também algo um pouco mais abrangente, em relação principalmente ao enfrentamento do governo federal contra o crime organizado.