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Depois de levantar a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança Pública duas vezes ao longo desta semana (na quarta e na quinta-feira), o presidente Jair Bolsonaro recuou ao desembarcar na Índia nesta sexta-feira (24) e afirmou que a chance de levar a ideia adiante é “zero”. O balão de ensaio lançado pelo presidente foi interpretado por aliados de Moro como uma tentativa de enfraquecer o superministro da Justiça e da Segurança, Sergio Moro, tirando o holofote do ex-juiz da Lava Jato.
Mesmo dizendo a jornalistas na Índia que não vai levar a ideia de cisão da pasta de Moro adiante por enquanto, Bolsonaro deixou a porta aberta para mudanças no futuro ao afirmar que “na política tudo muda”.
Veja algumas perguntas e respostas sobre a discussão de recriação (ou não) do Ministério da Segurança:
De quem foi a ideia de dividir o Ministério da Justiça e Segurança?
Inicialmente, Bolsonaro disse na quarta-feira (22) que a recriação do Ministério da Segurança Pública partiu de um pedido dos secretários estaduais de segurança, que se reuniram com ele (sem a presença de Moro) naquele dia. O motivo do pedido seria a dificuldade de diálogo dos secretários com o ministro e discordâncias sobre a política de transferência de líderes de organizações criminosas para presídios federais.
Uma reportagem da Folha de S.Paulo, porém, mostrou que quem articulou a demanda teria sido o próprio presidente. Segundo o jornal, duas horas antes da reunião, Bolsonaro se reuniu com o secretário de Segurança do Distrito Federal, Anderson Gustavo Torres – aliado do presidente que chegou a ser cotado para assumir o comando da Polícia Federal. A recriação do Ministério da Segurança só foi incluída na pauta da reunião depois desse encontro, e com uma votação apertada dentre os secretários estaduais.
O que Bolsonaro falou sobre o assunto?
Bolsonaro se manifestou publicamente três vezes sobre o assunto. Já na quarta-feira (22), o presidente gravou um vídeo após a reunião com os secretários em que lançou a ideia de recriar a pasta da Segurança. Bolsonaro disse que essa era uma demanda dos secretários estaduais da área.
Na quinta-feira (23), o presidente voltou a falar no assunto na saída do Palácio da Alvorada. "É comum [o governo] receber demanda de toda a sociedade. E, ontem [dia 22], os secretários estaduais da Segurança Pública pediram para mim a possibilidade de recriar o Ministério da Segurança. Isso é estudado. É estudado com o Moro... Lógico que o Moro deve ser contra, mas é estudado com os demais ministros", disse Bolsonaro antes de embarcar para a Índia.
Já na Índia, depois de toda a repercussão e de reações negativas à ideia de esvaziar a pasta de Moro, Bolsonaro voltou atrás. Nesta sexta-feira (24), ele disse que a chance de promover a mudança é “zero”.
Mas o presidente deixou a porta aberta para mudar de ideia no futuro. “A chance no momento é zero. Tá bom ou não? Tá bom, né? Não sei amanhã. Na política, tudo muda, mas não há essa intenção de dividir [o Ministério da Justiça]. Não há essa intenção”, afirmou Bolsonaro.
Por que Bolsonaro mudou de ideia sobre o assunto?
Ao longo de quinta-feira (23), multiplicaram-se as reações contra a ideia de Bolsonaro de recriar o Ministério da Segurança Pública. O movimento foi interpretado como tentativa de enfraquecer o ministro Sergio Moro e tentar esvaziar seu capital eleitoral para 2022, tirando os holofotes das principais ações do governo de cima do ex-juiz da Lava Jato.
Líder da bancada da bala na Câmara, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) chegou a dizer que a ideia era uma retaliação ao ministro, além de ser “absurda”. A bancada da bala foi essencial na costura para a criação de um Ministério da Segurança no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), mas Augusto afirmou que agora não é a hora de enfraquecer Moro.
O barulho nas redes sociais e de apoiadores de Moro também foi grande, mostrando que o presidente teria problemas se tentasse enfraquecer seu ministro mais popular – os índices de aprovação de Moro são maiores do que os de Bolsonaro, segundo pesquisas de opinião.
O que estava por trás do esvaziamento da pasta de Moro?
Não é a primeira vez que Bolsonaro se coloca em rota de colisão com seu ministro da Justiça. A relação entre os dois começou a azedar quando Moro se posicionou contra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que paralisou investigações com base em informações do Coaf por quase seis meses. O pedido para paralisar as investigações havia sido feito pela defesa do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente investigado no Rio de Janeiro a partir da descoberta de movimentações atípicas na conta de um ex-assessor, Fabrício Queiroz. Na ocasião, Moro e Bolsonaro teriam tido uma conversa ríspida sobre o assunto.
Bolsonaro também tentou interferir no comando da Polícia Federal. Primeiro, a tentativa foi de mudar o comando na Superintendência da PF do Rio de Janeiro. Depois, no comando geral da Polícia Federal. O episódio também causou atritos com o ministro da Justiça, que ganhou a queda de braço. Nesta semana, porém, o presidente deixou vazar para a imprensa que pretende, sim, mexer no comando da PF. E que pretende fazer isso até o carnaval.
O estopim para a movimentação de Bolsonaro em torno da recriação da pasta da segurança, porém, teria sido uma entrevista concedida por Moro ao programa Roda Vida, na segunda-feira (20). Aliados do presidente afirmam que Bolsonaro não teria gostado do desempenho do ministro, que não fez uma defesa enfática do governo diante de críticas de jornalistas.
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Nos bastidores, corre o rumor de que Bolsonaro também vê Moro como potencial adversário na corrida eleitoral para a Presidência em 2022. Ao retirar de Moro as atribuições da segurança, Bolsonaro retira o ministro a possibilidade de colher capital político – e eleitoral – em torno da redução dos homicídios, por exemplo.
Moro poderia captar para si o mérito da redução da criminalidade, cuja tendência de queda começou ainda na gestão do ex-presidente Michel Temer. Como o combate à corrupção, outra bandeira de Moro, ainda patina no governo Bolsonaro, o ministro ficaria sem resultados impactantes para apresentar em uma corrida eleitoral.
A divisão do ministério está completamente descartada?
Em sua manifestação mais recente sobre o assunto, Bolsonaro foi ambíguo. Disse, ao mesmo tempo, que a possibilidade de recriar a pasta da segurança é “zero”, mas que tudo pode mudar. “A chance no momento é zero. Tá bom ou não? Tá bom, né? Não sei amanhã. Na política, tudo muda, mas não há essa intenção de dividir [o Ministério da Justiça]. Não há essa intenção”, afirmou.
Como Moro reagiu?
O ministro Sergio Moro não se manifestou publicamente sobre o caso. O Ministério da Justiça informou que não haveria manifestação pública do ministro sobre o assunto. Mas, a interlocutores, Moro teria dito que, se a divisão do Ministério da Justiça e da Segurança Pública fosse efetivada, pediria demissão e sairia do governo.
Moro ficaria com qual ministério se houvesse a divisão?
Na quinta-feira (23), o presidente Bolsonaro deixou claro qual seria o destino de Moro em caso de divisão do Ministério da Justiça em dois: "Se for criado, aí o Moro fica na Justiça".
Moro perderia o comando da PF?
Se a criação da pasta da segurança seguisse o modelo da gestão Temer, sim. A Polícia Federal (PF) passaria a ser subordinada ao Ministério da Segurança Pública, e não mais à Justiça.
Por que o ministério em que a PF vai ficar importa?
Por trás da discussão sobre a criação do Ministério da Segurança está justamente o controle da PF. O presidente já tentou interferir na instituição em 2019, mas perdeu a queda de braço para Moro e não conseguiu emplacar seu favorito na Superintendência do Rio de Janeiro, nem trocar o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que é aliado de Moro.
Agora, Bolsonaro estaria tentando remover Valeixo do cargo mais uma vez. O presidente fez chegar a setores da imprensa que quer fazer a troca ainda antes do carnaval.
A PF é estratégica, tanto para Moro quanto para Bolsonaro. Para o ministro, a instituição é importante por concentrar as investigações mais robustas sobre a corrupção e em relação ao crime organizado no país. O combate à corrupção e ao crime organizado é uma das prioridades do ministro, anunciada já em sua posse, em janeiro do ano passado.
Para o presidente, a PF é estratégica por um motivo parecido. A Polícia Federal, principalmente no Rio de Janeiro, acompanha direta ou indiretamente investigações politicamente sensíveis. É o caso das investigações sobre o elo entre Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro, o filho do presidente, e o caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e da atuação de milícias no estado. O nome do presidente, inclusive, chegou a ser citado em um depoimento do caso Marielle por um porteiro de seu condomínio. Depois da repercussão, o porteiro disse ter se enganado.
Críticos de Bolsonaro avaliam que, com a PF fora do controle de Moro, seria mais fácil para o presidente interferir nos rumos da Polícia Federal.
Quem chegou a ser cotado para comandar o Ministério da Segurança?
O nome mais cotado para assumir o Ministério da Segurança, caso fosse criado, seria o ex-deputado Alberto Fraga. Fraga é aliado de longa data de Bolsonaro e fez parte da bancada da bala na Câmara. O ex-parlamentar não conseguiu se reeleger em 2018 e tem pautas semelhantes às defendidas pelo presidente, como armamento da população.
No meio da polêmica sobre recriação da pasta da Segurança, Fraga aproveitou para alfinetar Moro, dizendo em entrevistas a veículos de comunicação que o ministro “não tem conhecimento técnico” sobre segurança pública.
Bolsonaro prometeu a Moro, quando o convidou a ser ministro, que iria criar um superministério para agrupar a Justiça e a Segurança?
Na quinta-feira (23), Bolsonaro disse que, ao convidar Moro para ser ministro de seu governo, ainda em 2018, a fusão da Justiça com a Segurança Pública não havia sido uma pré-condição negociada com o ex-juiz da Lava Jato. "Quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir [a Justiça] com o Ministério da Segurança", disse o presidente.
A declaração, porém, contradiz declarações de Bolsonaro e Moro durante o período de formação do governo, após as eleições de 2018. Quando Moro aceitou deixar a Lava Jato para ser ministro, já se sabia que ele comandaria o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em uma coletiva de imprensa convocada para explicar sua decisão, o então juiz da Lava Jato já falava em projetos tanto para combater a corrupção quanto para diminuir a violência. Bolsonaro também se manifestou