O ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro utilizou seu perfil no Twitter na última quarta-feira (3) para criticar a possibilidade de o governo de Jair Bolsonaro romper o teto de gastos sob o pretexto de viabilizar programas sociais. “Aumentar o Auxílio Brasil e o Bolsa Família é ótimo. Furar o teto de gastos, aumentar os juros e a inflação, dar calote em professores, tudo isso é péssimo. É preciso ter responsabilidade fiscal”, escreveu Moro, que ilustrou o post com uma foto de um cartaz com preços elevados de gasolina em um posto. A manifestação sobre um assunto econômico foi uma das raras ocasiões em que Moro falou publicamente sobre um tema não relacionado com segurança pública ou combate à corrupção.
Alçado à fama como juiz da Lava Jato e escolhido como ministro da Justiça e Segurança Pública no início do governo de Jair Bolsonaro, Moro se filia na quarta-feira (10) para ser pré-candidato a presidente. Nesse papel, ele terá que ampliar o leque de assuntos que trata em seus posicionamentos públicos.
A expectativa para que Moro apresente suas opiniões sobre mais assuntos vem até mesmo de incentivadores do projeto presidencial de Moro, como o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR). “A candidatura à Presidência da República não pode ser uma candidatura de pauta única. O Brasil não vai ser governado apenas combatendo a corrupção. Isso é uma condição necessária e importantíssima, mas não suficiente”, diz Oriovisto.
O senador paranaense ressalta que vê em Moro condições para ele fazer isso. “Ele é uma pessoa muito fácil de trabalhar. É um homem culto, que lê muito. Entende muito de justiça e segurança, mas tem também uma grande cultura geral. É fácil conversar com ele sobre economia, educação, inflação”, diz. Oriovisto acrescenta que nenhum presidenciável é “especialista em todas as áreas” e, como líder, Moro “terá que reunir as melhores cabeças do Brasil”.
O deputado federal José Nelto (Podemos-GO) tem opinião semelhante: “O presidente da República tem que governar para todos, do faxineiro ao maior empresário. O povo quer um projeto que alavanque o Brasil. E não tenho a menor dúvida que ele [Moro] está qualificado para isso”.
Confira, abaixo, um resumo dos posicionamentos públicos de Moro sobre diferentes temas. As manifestações foram extraídas de entrevistas concedidas pelo ex-ministro e também de artigos que ele escreveu à revista Crusoé, com quem colabora desde o ano passado.
O que Moro pensa sobre economia e responsabilidade fiscal
As críticas que Moro fez à possibilidade de rompimento do teto de gastos e de retorno da inflação não são exatamente inéditas. O ex-juiz da Lava Jato se posicionou, em outras ocasiões, também a favor de um receituário rígido de respeito às normas ortodoxas econômicas – o que o coloca alinhado com a direita nesse campo.
Essa visão sobre a economia, inclusive, está na lista de posicionamentos que Moro pretende mostrar aos líderes do mercado financeiro e setor produtivo, em encontros que estão sendo agendados.
Moro faz ainda conexões entre o sucesso no campo econômico e o respeito às leis. O ex-juiz usa termos como “segurança jurídica” e “previsibilidade” ao explicar o que considera necessário para o crescimento econômico. E em artigo à revista Crusoé, o ex-ministro relacionou a área com o combate à corrupção. Disse que “a rigorosa aplicação das leis” facilita a competição e preserva o bem público.
Ex-juiz diz defender combate à pobreza e à desigualdade
Na crítica feita ao governo na semana passada sobre o possível estouro do teto de gastos, Moro fez a ressalva de que considerava positivas ações para “aumentar o Auxílio Brasil e o Bolsa Família” – o motivo alegado pelo governo para aumentar as despesas públicas.
Em outras ocasiões, Moro também havia afirmado que a observância das normas econômicas precisa ser feita em sintonia com o atendimento de necessidades sociais. “As políticas sociais precisam mirar na inclusão”, escreveu, em artigo para a revista Crusoé.
Moro é também favorável à realização de políticas de ações afirmativas que contemplem a população com deficiência.
Moro reconhece méritos de governos anteriores, inclusive do PT
Moro se destacou por condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, com isso, acabou ganhando a fama de “algoz do PT”. O ex-juiz, entretanto, não é integralmente crítico às ações das gestões petistas. Moro já elogiou publicamente medidas de inclusão e de combate à pobreza promovidas durante os governos de Lula e de Dilma Rousseff, como os programas de transferência de renda e as cotas raciais nas universidades públicas.
O ex-ministro também vê um legado positivo no Plano Real, idealizado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e implantado durante a gestão de seu antecessor, Itamar Franco. Segundo Moro, o Real mostrou ao país que era possível vencer a hiperinflação, um problema que se mostrava como intransponível e que atingia principalmente a população mais pobre.
Críticas ao atual sistema político
Moro é um crítico habitual de alguns aspectos característicos do poder público brasileiro, como o tamanho do Estado, que para ele é maior do que o necessário. O ex-juiz da Lava Jato costuma endossar opiniões como a de que é preciso diminuir o número de cargos comissionados e repensar o conceito de governabilidade.
Na avaliação de Moro, a justificativa padrão da relação entre fisiologismo e governabilidade – a de que os problemas acontecem porque o presidente precisa abrir espaços em seu governo por conta da governabilidade – precisa ser interpretada no sentido oposto. Ou seja: para o ex-ministro, o que existe é um desejo para a implementação do fisiologismo, que utiliza a governabilidade como pretexto.
Quando exercia a função de ministro da Justiça, Moro precisou negociar com o Congresso Nacional a aprovação do chamado pacote anticrime, o maior projeto de sua gestão. A proposição acabou aprovada pelo Legislativo, mas de forma diferente do idealizado por Moro. Medidas como a prisão em segunda instância ficaram de fora. Ao longo das negociações, Moro se desentendeu com parlamentares. A mais célebre rusga se deu com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ), que se queixou de ter sido pressionado por Moro a encaminhar o pacote dentro da Casa. Maia chamou Moro de “funcionário do presidente Bolsonaro” e disse que não cabia a ele interferir na pauta do Legislativo.
Moro defende a liberdade de imprensa
Moro se posiciona como um enfático defensor da liberdade de imprensa e de comunicação. Para o ex-ministro, a imprensa livre é essencial para a democracia.
O ex-ministro defende que a liberdade de imprensa e de comunicação seja reforçada por meio de uma legislação que evite atos como a censura prévia e a pressão econômica aos meios de comunicação. Ele menciona, em referência a esse último aspecto, a gestão da publicidade estatal, que na sua avaliação pode prejudicar ou favorecer determinados veículos, de acordo com os interesses do governo.
Moro é de direita, centro ou esquerda?
O fato de Moro ter se notabilizado como “carrasco do PT” e de ter servido ao governo Bolsonaro o posiciona, naturalmente, à direita do campo político. Mas o ex-ministro tem se mostrado avesso a rótulos e enfatizado que está fora dos "extremos" da política nacional. A lógica dos “extremos” tem sido utilizada por lideranças que rejeitam tanto Lula quanto Bolsonaro e atribuem a eles os postos de representantes, respectivamente, de uma extrema-esquerda e de uma extrema-direita.
Nas articulações para viabilizar sua candidatura, aliados de Moro tem tentado apresentar o ex-juiz como um representante da chamada terceira via – que atualmente é vista como o centro político.
Uma abordagem frequente de Moro é a de defesa das instituições, sob a alegação de que, sem instituições fortes, é impossível alcançar o desenvolvimento. Como exemplo, Moro condenou a invasão promovida no Capitólio por simpatizantes de Donald Trump e celebrou o fato de o atual presidente dos EUA, Joe Biden, ter tomado posse sem maiores incidentes. Para o ex-ministro, o quadro demonstrou um vigor das instituições americanas, que conseguiram superar o ataque promovido pelo lado derrotado nas eleições locais. Na política americana, Trump é de direita e Biden, de esquerda.
O que o Podemos propôs na eleição presidencial de 2018
Caso realmente confirme sua candidatura a presidente, Sergio Moro será o segundo nome do Podemos a concorrer ao Palácio do Planalto. O primeiro foi o senador Alvaro Dias (PR), que disputou em 2018. A empreitada foi mal sucedida. O parlamentar não chegou a decolar nas pesquisas em nenhum momento e terminou a disputa apenas na nona colocação.
Apesar do fracasso, o Podemos acredita que pode reprisar, no projeto Moro, alguns dos elementos da candidatura de Alvaro Dias. Muita coisa pode ser reaproveitada. "É claro que muita água passou debaixo da ponte. Os problemas são outros, o Moro é outro, o partido é outro. Então não se trata de reimplantar o programa de 2018 do Alvaro, mas de reaproveitar o que for possível”, diz Oriovisto Guimarães.
O programa de governo de Alvaro Dias em 2018 tinha como lema a sigla “SEI”, que representava sociedade, economia e instituições. O texto defendia a adoção das 10 medidas contra a corrupção, conjunto de propostas idealizado por membros da antiga força-tarefa da Lava Jato.
O plano de governo previa ainda um crescimento econômico de 5% ao ano, a extinção de sete impostos e a concepção de que a iniciativa privada é o motor primordial do desenvolvimento de um país.
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