O ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, prestou no último sábado (02) seu primeiro depoimento no inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para apurar as acusações feitas por ele de interferência política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na Polícia Federal. O depoimento durou mais de oito horas e ocorreu na Superintendência da PF em Curitiba.
Moro pediu demissão do governo federal no dia 24 de abril, acusando Bolsonaro de interferir na Polícia Federal ao exonerar o então diretor-geral da corporação, Maurício Valeixo, aliado do ex-ministro.
Valeixo seria substituído por Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), mas a nova nomeação foi barrada pelo STF justamente por causa das acusações de Moro.
Nesta segunda-feira (4), Bolsonaro nomeou Rolando Alexandre de Souza, braço direito de Ramagem, para o cargo. Ao deixar o governo, Moro disse que apresentaria provas de suas acusações “em momento oportuno”.
Quais provas Moro apresentou no depoimento
Segundo uma reportagem do jornal O Globo, Moro teria indicado à PF a existência de pelo menos sete provas que corroboram suas denúncias contra o presidente. O ex-ministro indicou possíveis testemunhas de conversas com Bolsonaro sobre a interferência na PF, como os ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).
O principal elemento de prova fornecido por Moro à PF foi seu telefone celular. Enquanto o ex-juiz da Lava Jato prestava seu depoimento, no sábado, peritos da PF fizeram o download de informações do aparelho, com conversas com o presidente e outros políticos, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). O material será periciado.
Segundo O Globo, Moro só tinha em seu celular mensagens dos últimos 15 dias, já que tinha o hábito de apagar as mensagens com medo de um novo ataque hacker. A perícia da PF teria, segundo o jornal, conseguido identificar a mensagem exibida pelo Jornal Nacional no dia da demissão de Moro. Na mensagem, Bolsonaro cobrava Moro por investigações da PF envolvendo “dez ou doze deputados bolsonaristas em um inquérito no STF.
Moro também teria entregue aos investigadores um backup do computador usado no Ministério da Justiça. O material será analisado pela PF.
Outra prova indicada por Moro à PF é a gravação de uma reunião ministerial no dia 22 de abril – dois dias antes da demissão do ex-juiz. No encontro, Bolsonaro teria falado em trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro e ameaçou demitir Moro se ele não concordasse com a substituição. Moro, porém, não possui a gravação da reunião e o material deve ser solicitado pela PF ao Palácio do Planalto.
Moro também teria citado, segundo O Globo, as declarações de Bolsonaro sobre a troca no comando da Superintendência da PF no Rio de Janeiro e a ameaça de demissão de Valeixo feita em agosto do ano passado. O ex-ministro também indicou o pronunciamento de Bolsonaro após sua demissão como elemento que prova a tentativa de interferência do presidente na PF.
Além do depoimento: o que acontece nesta fase do inquérito
O depoimento de Moro foi conduzido pela delegada Christiane Correa Machado, chefe do Serviço de Inquéritos Especiais (Sinq), que atua em inquéritos junto ao STF. A oitiva foi acompanhada pelos procuradores da República João Paulo Lordelo Guimarães Tavares, Antonio Morimoto e Hebert Reis Mesquita.
O inquérito corre de forma sigilosa no STF. O procurador-geral da República, Augusto Aras pediu ao Supremo para investigar oito possíveis crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Os crimes podem ter sido cometidos por Bolsonaro ou por Moro, caso a denúncia do ex-ministro não fique comprovada.
Durante a fase de investigação é feita a coleta de provas, como depoimentos de testemunhas, pedidos de quebra de sigilo, entre outras. Além do depoimento de Moro, a PF pode pedir para ouvir Bolsonaro durante a investigação e os ministros indicados como testemunha pelo ex-juiz.
Segundo a revista Veja, Aras já pediu para ouvir testemunhas indicadas por Moro no depoimento à PF. O PGR teria pedido para ouvir os ministros Luiz Eduardo Ramos, Augusto Heleno, Braga Netto, além da deputada Carla Zambelli e os delegados da PF Maurício Valeixo, Ricardo Saadi, Carlos Henrique de Oliveira Sousa, Alexandre Saraiva, Rodrigo Teixeira e Alexandre Ramagem.
Caso a PGR resolva oferecer uma denúncia contra o presidente ao final da investigação, há um ritual a ser cumprido que envolve a autorização da Câmara dos Deputados e o afastamento de Bolsonaro.
Entenda como funciona:
- Se a PGR oferecer denúncia contra o presidente, o STF envia a denúncia para a Câmara;
- O presidente da Câmara envia uma notificação ao Palácio do Planalto e envia a denúncia para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ);
- Na CCJ, o presidente tem dez sessões do Plenário para apresentar uma defesa prévia;
- A CCJ tem o prazo de cinco dias para votar um relatório;
- O parecer é encaminhado ao Plenário e o presidente da Câmara tem de marcar a votação para a próxima sessão;
- São necessários os votos de dois terços dos deputados (342) para autorizar a abertura de uma ação penal contra o presidente;
- Se os deputados não autorizarem, a denúncia fica em stand by até o fim do mandato do presidente;
- Se a Câmara autorizar a ação penal, o STF vota em plenário se aceita ou não a denúncia da PGR;
- Se o STF aceitar a denúncia, Bolsonaro é afastado do cargo até o processo ser concluído, pelo prazo máximo de 6 meses. O vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB) assume a presidência do país;
- Se Bolsonaro for absolvido, volta a ocupar o cargo de presidente. Se for condenado, perde o cargo definitivamente e os direitos políticos.
Caso não sejam encontradas provas suficientes para indiciar ou denúnciar Bolsonaro, Moro pode entrar na mira da PGR. O ex-ministro pode ser denunciado por denunciação caluniosa ou crime contra a honra, por exemplo. Nesse caso, Moro responde a um processo na Justiça comum, em primeira instância, já que não tem foro privilegiado.
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