Com a volta dos trabalhos na Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), terá que se desdobrar para agradar tanto o governo quanto a oposição na abertura das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) protocoladas na Mesa Diretora. Ao todo, dez requerimentos já têm os apoios necessários dos parlamentares e aguardam apenas a assinatura de Motta para iniciar as atividades. Entre elas estão a CPI do Abuso de Autoridade e a CPI que trata da demarcação de terras indígenas. Mas, até o momento, o presidente da Câmara ainda não deu nenhum indicativo de quais ou se se vai determinar a abertura de alguma CPI.
A escolha de Motta terá de levar em conta a própria limitação imposta pelo regimento da Casa acerca dos colegiados. De acordo com a norma, somente cinco comissões podem funcionar ao mesmo tempo e o critério de escolha é o de antiguidade. No entanto, o presidente da Câmara pode devolver o pedido de CPI ao autor se entender que a matéria não cumpre algum requisito. Neste momento, não há nenhuma Comissão Parlamentar de Inquérito em andamento, ou seja, as cinco "vagas" estão disponíveis.
Na Câmara, o requerimento precisa ser assinado por um terço dos parlamentares, ou seja, 171 deputados. Os colegiados têm caráter temporário e devem ser concluídos dentro de um prazo estabelecido. Ao final dos trabalhos, os deputados envolvidos apresentam um relatório que pode sugerir alterações na legislação, indicar responsáveis por eventuais irregularidades ou encaminhar as conclusões ao Ministério Público, que pode iniciar um processo judicial.
Confira a lista de comissões por ordem de antiguidade e os autores dos requerimentos:
- CPI do abuso de autoridade – Marcel van Hatten - 24/11/2022
- CPI do crack – Kim Kataguiri – 26/09/2023
- CPI do tráfico infantil – Rodolfo Nogueira - 31/10/2023
- CPI do crime organizado – Alfredo Gaspar – 11/12/2023
- CPI da Âmbar e da Karpowership - Icaro de Valmir (PL-SE) - 21/12/2023
- CPI das crianças em Marajó - Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) – 06/03/2024
- CPI dos planos de saúde - Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) – 05/06/2024
- CPI da violência contra a mulher - Laura Carneiro (PSD-RJ) – 30/09/2024
- CPI da demarcação de terras indígenas - Coronel Fernanda (PL-MT) - 12/12/2024
- CPI das distribuidoras de energia - Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) – 20/12/2024
CPI contra STF tem pouca chance de tramitar
Um deputado do PL que pediu para não ter o nome revelado avaliou que Motta não deve dar seguimento a comissões de investigação que afetem a relação entre Legislativo e Judiciário, como é o caso da CPI do Abuso de Autoridade.
No ano passado, congressistas de direita buscaram emplacar a CPI em meio às revelações de que o gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deu ordens de forma não oficial para a produção de relatórios por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
De acordo com uma reportagem da Folha de S.Paulo, o gabinete do ministro utilizou esses relatórios para embasar decisões do próprio Moraes contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nos inquéritos das fake news e das milícias digitais.
Além dos possíveis conflitos com o Supremo, o sentimento por parte da oposição é de que o atual presidente da Câmara não deseja criar atritos com o governo Lula.
Instalação das CPI's depende da definição das comissões
À Gazeta do Povo, a deputada federal Coronel Fernanda (PL-MT) afirmou que a instalação da CPI das Demarcações de Terras Indígenas depende da definição das comissões na Câmara dos Deputados. A parlamentar, que no ano passado conseguiu reunir 174 assinaturas para a criação do colegiado, reforçou a importância da investigação sobre os processos conduzidos pela Funai.
“Nós estamos aí só aguardando a questão da nomeação das comissões, para a gente seguir um segundo passo, que é a instalação das CPIs”, explicou. Segundo ela, há um compromisso de diálogo com o presidente da Câmara para viabilizar os próximos passos.
“Assim que acabar essa fase das comissões, eu vou estar marcando uma reunião com o presidente Hugo Mota. Já conversei com ele ano passado, falando da existência dessa CPI e que nós conseguimos as assinaturas e protocolamos o requerimento. Eu espero que nesse ano a gente consiga instalar”, declarou.
A deputada destacou que há um “clamor muito grande” por transparência nos processos de demarcação de terras indígenas. “Os processos de demarcação não são transparentes, não são bilaterais, são unilaterais. Isso tem causado um prejuízo para todos, tanto para os povos indígenas quanto para as pessoas que moram nessas áreas”, afirmou.
As comissões temporárias e permanentes devem podem começar a ser instaladas nesta semana com a eleição de seus presidentes.
Definição das CPIs é campo minado para Hugo Motta, avalia especialista
O cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, avalia que o presidente da Câmara se encontra em um campo minado, onde o desafio será equilibrar interesses conflitantes para evitar desgastes políticos.
“De um lado há a pressão do governo para blindar certos temas. Do outro, uma oposição que vê as CPIs como uma oportunidade de desgastar o Planalto. Ele precisará de muito mais do que o Colégio de Líderes para manter o equilíbrio”, analisou Arruda.
A limitação de cinco CPIs simultâneas também é um fator de tensão, podendo gerar atritos tanto com a base governista quanto com a oposição. “O que for deixado de fora será visto como boicote, e o que for priorizado pode gerar ruídos dentro da própria base do governo”, explicou o especialista.
Arruda ressalta que, embora a Câmara dos Deputados não seja um tribunal, as CPIs funcionam como arenas políticas, e Motta terá um papel crucial na definição das investigações que avançarão. “Motta sabe que, ao definir quais investigações vão avançar, ele estará, na prática, escolhendo quem será colocado contra a parede”, observou.