O vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, chamou a si próprio em uma entrevista recente de “ator coadjuvante” no governo federal. Disse que não veria problemas em ceder o seu posto para outra pessoa numa eventual chapa de Jair Bolsonaro na eleição de 2022.
“Tenho como uma questão muito clara: se o presidente Jair Bolsonaro concorrer à reeleição e, na composição política para obter êxito, ele precisar chamar outro nome, não tem nenhum problema nisso aí”, falou Mourão em entrevista à rádio Jovem Pan, dia 16 de dezembro.
A postura conciliadora é um indicativo de como Mourão encerrou 2019 e começa 2020. Antes de tomar posse, ele dizia que não queria ser um "vice decorativo". No início do governo Bolsonaro, virou um foco de conflitos para o presidente ao dar entrevistas com posições que muitas vezes destoavam da orientação de Bolsonaro.
Mas, depois, Mourão saiu dos holofotes e passou um período em que mal era notado, adotando postura mais discreta. Agora, tem sido "premiado" ao ser designado para representar o governo em missões de destaque – como na posse do novo presidente da Argentina, Alberto Fernández, em dezembro, e na reinauguração da base brasileira na Antártida, marcada para esta quarta-feira (15).
“Ele [Mourão] está fazendo o que sabe melhor”, afirma um deputado ligado a Bolsonaro, que elogia seu papel estratégico no governo.
A 1.ª metamorfose de Mourão: de general radical a vice boa-praça
Para compreender a postura de Mourão até agora, é preciso relembrar como ele se tornou o vice de Jair Bolsonaro.
O general foi um dos últimos nomes cogitados por Bolsonaro para o cargo. A lista foi longa, e inclui o ex-senador Magno Malta e os atuais deputados Janaína Paschoal e Luiz Philippe de Orleans e Bragança. Bolsonaro decidiu por Mourão às vésperas do prazo legal para fechar sua chapa.
Bolsonaro considerou Mourão em razão do histórico militar do general e também por alguns posicionamentos que alinhavam com o pensamento do hoje presidente da República.
O general sempre foi uma fonte de declarações controversas. Em 2017, no auge das denúncias contra o então presidente Michel Temer por causa da delação do empresário Joesley Batista, Mourão insinuou a possibilidade de intervenção militar.
"Até chegar o momento em que ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós [militares] teremos que impor isso", afirmou Mourão em setembro daquele ano.
Também fez homenagens a Carlos Alberto Brilhante Ustra, condenado por torturas cometidas durante a ditadura militar. Falou que o 13º salário era um problema para o empresariado brasileiro. Sugeriu ainda que a instalação de uma assembleia constituinte poderia ser positiva para o Brasil.
Empossado vice-presidente, porém, Mourão passou pela sua primeira grande transformação. O general linha-dura se transformou em um vice boa-praça. Enquanto Bolsonaro falava grosso com a imprensa, Mourão se mostrava afável com os jornalistas.
E nos primeiros meses foi acumulando declarações que contrariavam o bolsonarismo. Logo no início do governo disse que não considerava necessariamente uma boa ideia mudar para Jerusalém da embaixada brasileira em Israel – a proposta, inspirada em medida semelhante do presidente americano Donald Trump, é defendida pela bancada evangélica.
Mourão também falou que entendia como ruim para a democracia a renúncia e a saída do país do ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), um dos mais ferrenhos opositores de Bolsonaro. Outra fala de Mourão que desagradou um dos pilares do grupo de apoio a Bolsonaro foi a de que ele considerava o aborto uma “escolha da mulher”. Para a maior parte dos bolsonaristas, a rejeição ao aborto é premissa inegociável.
Mourão passou a conquistar olhares simpáticos de contestadores de Bolsonaro. E a postura menos beligerante do que a de Bolsonaro levou-o a ter rejeição menor que a do presidente diante da opinião pública – o Datafolha de abril de 2019 viu que a porcentagem de brasileiros que considerava o trabalho do vice “ruim” ou “péssimo” era de 18%, contra 30% que atribuíam o mesmo desempenho ao presidente.
Mourão passou a ser alvo de diferentes segmentos do bolsonarismo. Simpatizantes do presidente diziam que haviam votado em Bolsonaro, não em Mourão. O deputado Filipe Barros (PSL-PR), por exemplo, declarou em fevereiro que “Bolsonaro não teria escolhido Mourão como vice se ele [Mourão] tivesse expressado antes essas opiniões”, em referência ao posicionamento sobre o aborto.
Além das críticas ideológicas vieram as de cunho político. Mourão foi acusado de ser um traidor e de conspirar nos bastidores contra Bolsonaro. O deputado federal Marco Feliciano (Podemos-SP) chegou a apresentar em abril um pedido de impeachment contra Mourão, sob a alegação de que o vice teria cometido deslealdade contra o presidente.
“Todo dia [Mourão] contraditava publicamente o presidente. Quis imitar Temer. Só que eu o denunciei, a máscara caiu e o plano foi para o brejo”, disse Feliciano à Gazeta do Povo sobre sua mobilização da época.
O ápice da disputa se deu, entretanto, quando Carlos Bolsonaro e Olavo de Carvalho entraram em conflito com o vice. O filho do presidente e o filósofo passaram a atacar Mourão periodicamente.
Carlos compartilhou um vídeo que chamava Mourão de traidor, disse que o vice era um “queridinho da imprensa” e proferiu outros disparos. Já Olavo definiu Mourão como "pró-aborto, pró-desarmamento e pró-Nicolás Maduro" e incluiu o vice em uma série de contestações que fez aos militares como um todo no Brasil.
Mourão preferiu adotar a postura de conciliação – em diferentes ocasiões, declarou que “quando um não quer, dois não brigam”.
A 2.ª virada: o vice se cala e sai dos holofotes
O arrefecimento da briga com Carlos e Olavo marcou o começo da segunda virada do vice. A voz de Mourão começou então a se tornar mais escassa no noticiário. O vice-presidente deixou de opinar sobre assuntos controversos e também de ser alvo do “fogo amigo” do círculo bolsonarista. Passou ileso, por exemplo, da crise interna no PSL que culminou com a saída de Bolsonaro do partido e a fundação da Aliança pelo Brasil.
Um dos raros pronunciamentos mais fortes de Mourão no período esteve em sintonia com o restante do governo. Ele se posicionou ao lado do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, quando mensagens atribuídas ao ex-juiz e a integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato foram divulgadas pelo site The Intercept Brasil e por outros veículos de imprensa.
Moro, aliás, é citado como o principal “rival” de Mourão em uma eventual disputa pela vaga de vice-presidente em 2022. Embora o titular da Justiça negue pretensões eleitorais, seu nome foi mencionado pelo próprio Bolsonaro como alguém que comporia com ele uma chapa “imbatível” na próxima eleição.
Mudança de comportamento: Mourão foi enquadrado ou é um estrategista?
Desafeto de Mourão, o deputado Feliciano atribui a si próprio a mudança de comportamento do vice. “[Mourão] entendeu a besteira que estava fazendo a partir da denúncia pública que fiz do seu comportamento indecoroso e incompatível com o cargo que ocupa”, diz Feliciano – que não esconde sua intenção de ser o vice de Bolsonaro em 2022.
Para um deputado bolsonarista, que falou com a Gazeta do Povo sob condição de sigilo de seu nome, a conduta do vice ao longo do primeiro semestre passou longe de ser uma “besteira”. Segundo ele, foi na verdade uma estratégia pensada para proteger o governo.
“O ano começou com muita crítica em cima do Bolsonaro. Muita contestação até que as coisas se assentassem. Então o Mourão precisava aparecer um pouco para tirar o foco, para fazer com que as pessoas falassem mais dele e menos do Jair", diz o deputado. "E isso deu certo naquele primeiro momento. Agora isso passou, e o Mourão, como militar que é, está cuidando das estratégias e da inteligência do governo. Muita coisa passa por ele.”
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