O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se comprometeu com a oposição a votar até o final do ano as propostas de emenda à Constituição (PEC) que limitam poderes do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso, junto à aprovação do projeto de lei do marco temporal das terras indígenas no Congresso, foram os principais saldos do movimento de obstrução iniciado em setembro pela bancada do agronegócio e abraçado por setores conservadores e oposicionistas no Senado e na Câmara dos Deputados.
O movimento surgiu de um descontentamente generalizado dos parlamentares em relação a decisões do Supremo sobre temas como aborto, porte de maconha e demarcação de terras indígenas. Após o acordo com Pacheco, a oposição e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) anunciaram a suspensão da obstrução.
Entre as propostas que estão na fila para serem aprovadas no Senado estão a PEC que trata de idade mínima e tempo de mandato para ministros do STF e a PEC que limita decisões monocráticas de ministros do STF. Esta última que limitar o poder de um ministro só tomar uma decisão, sem uma votação envolvendo seus pares. Ela foi debatida no Senado nesta quinta-feira (19) e deve ir para votação em plenário já na próxima semana.
A oposição considerou positivo o saldo da reação à interferência do Poder Judiciário nos assuntos de competência do Legislativo, com o avanço destas e de outras propostas elencadas como prioritárias pelos partidos.
Outro ponto apontado como positivo pela oposição foi uma iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que passou a trabalhar pela aprovação de uma proposta de emenda constitucional que proíbe o porte de qualquer tipo de drogas. O STF está trabalhando para liberar o porte de maconha no país.
"Saímos da obstrução com a certeza que temas caros e importantes para cada um desses representantes dessas frentes e partidos que representam a maioria do Congresso Nacional serão respeitados e pautados como esperamos. Nós temos a clara certeza de que isso nos uniu", afirmou Pedro Lupion (PP-PR), presidente da FPA, nesta quarta-feira (18), ao anunciar a suspensão da obstrução.
Apesar dos avanços, outros líderes do movimento, como o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) e o líder Altineu Côrtes (PL-RJ) alertam que a obstrução poderá ser retomada caso o acordo fechado com Pacheco não seja cumprido ou, ainda, se a Câmara, ao receber as pautas depois de aprovadas no Senado, não avançar na discussão.
O líder da oposição na Câmara, Carlos Jordy (PL-RJ) disse que "após a aprovação [no Senado], as propostas serão encaminhadas à Câmara, onde esperamos que Arthur Lira [PP-AL] também tenha a postura republicana de resgatar a autonomia do Parlamento".
O movimento de obstrução contou com o apoio de 22 frentes parlamentares no Congresso Nacional e os partidos Novo e PL. Ele começou logo depois que o STF derrubou o marco temporal, que estabeleceu a data de 5 de outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal, como limite temporal para demarcação de novas terras indígenas.
A matéria tinha sido aprovada pela Câmara dos Deputados já em maio, e os parlamentares decidiram que era hora de dizer "basta" ao ativismo judicial. A indignação dos parlamentares também foi alimentada pelo caminho que a Corte estava tomando ao pautar a descriminalização do aborto até a 12° semana de gestação e ao decidir retomar a contribuição assistencial a sindicatos, o que na prática permite que sindicatos cobrem taxas mesmo de trabalhadores que não são sindicalizados.
Já na primeira semana de obstrução, quando os parlamentares evitavam dar presença nos plenários tanto da Câmara quanto do Senado veio a primeira resposta: o Senado aprovou o marco temporal, confirmando a data para demarcação de terras no Brasil, mas a decisão ainda deve ser judicializada novamente.
Posteriormente, a obstrução seguiu na Câmara dos Deputados, com maior mobilização, para tentar retardar o início das sessões e dificultar as votações após registrado o quórum necessário para análise de matérias, de 257 deputados. No Senado, apesar de não haver obstrução de pautas, a oposição conseguiu fechar acordos com aliados de Pacheco para avançar na tramitação de pautas que visam limitar os poderes do STF.
Analistas dizem que saldo da obstrução foi positivo
O diretor-geral do Ranking dos Políticos, Juan Carlos Arruda, disse que antes do movimento em reação ao ativismo judicial, a oposição ao governo no Congresso estava "fragmentada" e sem uma narrativa clara, o que permitiu o avanço de pautas da agenda prioritária do governo, pelo menos na área econômica. Mas o mesmo não ocorreu em relação à pauta de costumes, que motivou a reação do grupo contra o STF.
"Alguns julgamentos promovidos pelo STF na pauta de costumes, além da questão do marco das terras indígenas, contribuíram para a união de diferentes grupos que se opõe a essas pautas e está na oposição", avalia o especialista.
Isso, segundo ele, aumentou a pressão sobre o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, para se posicionar a favor da aprovação de propostas como as que estabelecem mandato fixo para os magistrados da Corte e a que limita decisões monocráticas.
Arruda também lembra que as declarações do recém empossado presidente do STF, ministro Roberto Barroso, de que não pautará o julgamento do aborto por enquanto, após o voto da ex-ministra Rosa Weber em favor da interrupção da gestão até a 12ª semana de gestação, também contribui para a diminuição da tensão entre Legislativo e Judiciário, pelo menos por ora.
O cientista político Adriano Cerqueira também avalia como "bem sucedida" a atuação da oposição no Senado. Ele lembra que se a obstrução estivesse mantida, poderia acarretar em problemas para o governo, já que a Reforma Tributária ainda está em análise no Senado. Cerqueira acredita ainda que o movimento "gerou mudança no comportamento do Rodrigo Pacheco, que até então era muito alinhado ao STF e agora se transformou". "Mesmo que provisoriamente, assumiu uma postura mais independente", acrescentou.
Segundo o cientista político, ainda não está muito claro como será a atitude de Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e da oposição quando essas pautas chegarem lá. "Ao contrário do Rodrigo Pacheco, o Artur Lira, desde o início do governo Lula, se mantém numa postura mais independente, desafiadora. É importante para ele manter uma autonomia em relação ao governo federal e também ao próprio STF", avalia Cerqueira.
Ele acredita que Lira deverá negociar as pautas anti-STF que virão do Senado de uma forma diferente, permitindo o avanço de alguns temas e barrando outros.
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