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Pelo menos 10 mil proprietários de terra na Bahia estão monitorando áreas para se proteger da ação de grupos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Distribuídos em aproximadamente 200 cidades, eles formaram o Movimento Invasão Zero. Os produtores rurais baianos alegam sofrer com a insegurança no meio rural e com a falta de ações do governo do estado para coibir as invasões.
O grupo diz que não age armado. A ideia é pressionar os sem terra com grupos muito maiores do que os dos invasores, que vão ao local da invasão assim que o proprietário pede socorro.
O Movimento Invasão Zero foi criado na Bahia, em abril, diante de uma escalada no número de invasões e da falta de reação do governo local. O último levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), publicado no início de abril, registrava 16 invasões em três meses.
As invasões foram em três fazendas da Suzano Papel e Celulose nos municípios de Teixeira de Freitas, Mucuri e Caravelas, um escritório da Companhia de Ferro Ligas da Bahia (Ferbasa), em Maracás, além de fazendas nos municípios de Macajuba, Jacobina, Guaratinga, Jaguaquara, Juazeiro, Rafael Jambeiro, Jeremoabo e Itaberaba. O número subiu para 19 no final de abril quando o MST confirmou a invasão de três fazendas na Bahia após desocupar uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Pernambuco.
Os proprietários, liderados pelo fazendeiro de Ilhéus Luiz Uaquim, também estão se mobilizando em nível nacional, buscando o apoio de políticos em Brasília e incentivando a criação de grupos semelhantes em outros estados.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia disse à reportagem que tenta evitar as ocupações e que em alguns casos consegue retirar os invasores na base do diálogo, sem determinação judicial.
Formação do Invasão Zero foi espontânea, diz líder do movimento
Luiz Uaquim, líder do Invasão Zero, destaca que o planejamento foi espontâneo, organizado pelo WhatsApp. “Nos deparamos com situações em que 20 a 30 pessoas chegavam querendo invadir uma propriedade onde estavam apenas duas pessoas. Chamávamos a polícia e ela não vinha. Buscávamos apoio no governo do estado e seguíamos sem retorno. Então resolvemos nos organizar”, disse Uaquim.
O grupo hoje está organizado em 16 núcleos que repassam informações para um núcleo central, que, por sua vez, recebe e repassa o que é encaminhado. Os núcleos foram formados de acordo com a proximidade das cidades e da acessibilidade, por meio das rodovias. “Qualquer movimentação diferente perto das propriedades, nós ficamos sabendo. Se identificamos alguma ameaça, nos mobilizamos, avisamos a polícia e vamos até o local. Mas é tudo pacífico, não existem armas, nós fazemos pressão e pedimos que os invasores se retirem. Agora, se eles são 50, nós somos 300”, detalhou.
Em uma das ações realizadas pelo Movimento Invasão Zero, Uaquim relata que um casal, produtor de cacau em uma área com 23 hectares, foi surpreendido com invasores querendo duas casas que ficam na propriedade.
“A esposa pediu que eles se afastassem, mas quando nós chegamos, eles estavam lá. E eles dizem que não invadem fazenda abaixo de 70 hectares. A gente chegou, foi cercando e dizendo ‘sai, sai, bora, vai saindo por favor, isso aqui não é seu’. Eu fui na polícia antes e o major disse que não ia lá. É uma coisa tão absurda que você chega a imaginar que estamos num estado de exceção, não num estado democrático de direito” relatou o líder do movimento.
A reportagem entrou em contato com o MST para perguntar seu ponto de vista sobre o Movimento Invasão Zero, mas até o fechamento desta matéria não houve retorno.
Formação do grupo foi motivada por falta de ação do governo
Os proprietários de terras afirmam que o governo e as forças de segurança da Bahia têm sido omissos diante das invasões e, por isso, eles foram obrigados a se defender por conta própria, lançando o Movimento Invasão Zero.
Luiz Uaquim afirmou também que em algumas ocorrências, a exemplo de uma invasão no município de Jaguaquara, a polícia até se deslocou ao local, mas somente contornou a situação e não retirou os invasores da propriedade.
“Por que o governador da Bahia [Jerônimo de Souza (PT)] é omisso? Num momento desses, tão tenso que está acontecendo na Bahia. A troco de quê? Por que em Goiás não tem invasão? Porque o governador diz que lá não tem. Por que em Mato Grosso não tem? Por que em São Paulo o Zé Rainha [líder da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL)] tá preso?”, questionou o fazendeiro baiano.
Questionada sobre as afirmações que indicam omissão e sobre quais as ações realizadas contra as invasões, a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) respondeu com a seguinte nota: “A SSP ressalta que as forças estaduais de segurança atuam sempre buscando prevenir qualquer tipo de ocupação. Em alguns casos, com diálogos mediados por policiais militares e civis, os imóveis são desocupados, sem a necessidade de determinação judicial”.
Produtores da Bahia preparam dossiê e minuta de projeto de lei para entregar ao Congresso
O líder do Movimento Invasão Zero, Luiz Uaquim, destacou que os produtores baianos estão preparando um dossiê sobre as ações do MST no estado. “Estamos reunindo indicações e denúncias para apresentar num dossiê para a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do MST”, afirmou. A CPI do MST foi criada, mas não começou ainda a funcionar.
Eles trabalham ainda para apresentar aos membros da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) uma minuta de projeto de lei para modificar a Lei 4.504, conhecida como Estatuto da Terra. “A lei trata da reforma agrária, mas ela está fora de sintonia com o agronegócio brasileiro de hoje. Ela é do ano de 1964”, pontuou Uaquim.
Além da CPI do MST na Câmara dos Deputados, as invasões de terras na Bahia motivaram ainda a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (Alba). A CPI deve ser instalada nos próximos dias para apurar as Invasões do MST no estado. Inicialmente, no entanto, a CPI foi barrada pela presidência da Assembleia.
Apesar de ter cumprido os requisitos para a instalação, o presidente da Assembleia, deputado estadual Adolfo Menezes (PSD), indeferiu o requerimento do deputado Leandro de Jesus (PL), baseado em um parecer da Procuradora Jurídica da Casa. O argumento usado é que a CPI envolveria matérias de competência legislativa privativa da União.
Instalação de CPI na Bahia foi garantida por meio de liminar na Justiça
O deputado Leandro de Jesus, no entanto, recorreu à Justiça e teve o pedido de liminar aceito pelo desembargador Cássio Miranda. Em sua decisão, assinada no dia 4 de maio, o magistrado determinou ainda a imediata instalação da CPI do MST em âmbito estadual. “Com esta decisão, esperamos que no máximo até a próxima terça-feira, dia 16 de maio, a CPI seja instalada”, disse o parlamentar.
Após a decisão, o presidente da Assembleia disse que a liminar é “ingerência indevida” do Poder Judiciário nas atribuições e prerrogativas do Legislativo. “Vamos responder a todas as indagações contidas na liminar, mas vamos recorrer, porque vejo na medida uma ingerência indevida do Judiciário nas atribuições do Legislativo”, declarou o presidente da Assembleia, Adolfo Menezes.
A CPI deve ser composta por oito membros. A presidência, segundo a “tradição” da Casa Legislativa, deve ficar com o deputado proponente, Leandro de Jesus. Ela terá 180 dias para apresentar conclusões e poderá ser prorrogada por igual período.
Leandro de Jesus afirmou que a CPI buscará a responsabilização dos envolvidos nas invasões. “Nosso foco será em investigar os autores, os executores e os financiadores das invasões que estão ocorrendo aqui na Bahia. Vamos buscar todos os que estiverem ligados direta ou indiretamente com os casos para responsabilizá-los”, pontuou o parlamentar baiano.
Deputados tentam criar Frente Parlamentar Mista inspirada no Invasão Zero
Inspirado na iniciativa do Movimento Invasão Zero, o deputado federal Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS) anunciou a criação da Frente Parlamentar Mista Invasão Zero. Em dois dias de coleta de assinaturas, o deputado conseguiu o apoiamento de 55 parlamentares. Para que a Frente Parlamentar seja efetivada são necessárias 198 assinaturas de deputados e 17 de senadores. A intenção é fomentar também a criação de frentes estaduais no âmbito das Assembleias Legislativas.
Para Zucco, que é cotado para presidir a CPI do MST na Câmara, a iniciativa dos produtores da Bahia será fortalecida com a criação da Frente Parlamentar Invasão Zero. “Vamos trazer Câmara e Senado para este debate, de forma permanente. Aqueles que se omitem ou incentivam esses movimentos ilegais devem ser punidos com todo o rigor”, destacou.
A ideia é espalhar a iniciativa também nos estados, fazendo com que cada um conte com sua própria estrutura de mobilização e articulação. “Cada frente estadual, por sua vez, vai mobilizar a sociedade por meio de entidades de classe, como sindicatos rurais, associações comerciais e todos aqueles que queiram se somar nesse debate. Precisamos mostrar que a partir de agora é tolerância zero para esse tipo de crime”, ressaltou o deputado gaúcho.