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Banco Central

Bolsonaro assina MP do Coaf. Como mudança para o BC impacta combate à corrupção

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Presidente Jair Bolsonaro assinou a MP do Coaf nesta segunda-feira. (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

O presidente Jair Bolsonaro assinou nesta segunda-feira (19) a MP do Coaf, a medida provisória que transfere o Conselho de Controle de Atividades Financeiras do Ministério da Economia para o guarda-chuva do Banco Central. A medida tem a anuência do ministro Paulo Guedes e será publicada no Diário Oficial da União desta quarta-feira (20). O governo também estuda mudanças em outro órgão de controle: a Receita Federal deve ser desvinculada da pasta da Economia e passar a ser uma autarquia independente.

O discurso do governo para defender as mudanças é que se pretende proteger os órgãos de pressões políticas. Mas o pano de fundo para a MP do Coaf são insatisfações do Palácio do Planalto e da classe política com a atuação dos órgãos no combate à corrupção. Ao enviar o Coaf para o Banco Central e ao transformar a Receita em autarquia, o governo pode causar uma descontinuidade do trabalho dos órgãos. Inclusive, já sinaliza a troca da equipe.

Presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva diz que a proposta de tornar o Fisco uma autarquia é um cavalo de troia. “O que aparentemente viria para eliminar influência política, blindar a Receita, na verdade é como se fosse um cavalo de troia, porque traz dentro dele justamente a influência política”, alega. “Nas agências, você abre um número maior de cargos a serem preenchidos por quem não é da Receita. Hoje só o secretário especial pode ser um não auditor e na agência você tem mais cargos a serem preenchidos de fora”, explica.

Ao transformar a Receita Federal em autarquia, a equipe que hoje é formada por servidores passa a ser indicada pelo presidente da República, com aprovação do Senado. Para Aphonso Mehl Rocha, especialista em gestão das atividades relacionadas a compliance regulatório e crimes financeiros, a nomeação de apadrinhados políticos pode prejudicar o trabalho da Receita.

“Na carreira de auditor fiscal, as pessoas entram por concurso e vão acumulando experiência e conhecimento ao longo da vida, vão ficando mais eficientes ao longo do tempo”, explica Rocha. “Colocar um apadrinhado político pode impactar seriamente o resultado dos trabalhos da Receita”, completa.

No caso do Coaf, o Banco Central impede a presença de funcionários de outro órgãos, portanto boa parte da equipe precisaria ser reformulada, a começar pelo presidente. Atualmente quem preside o órgão é Roberto Leonel, aliado do ministro da Justiça, Sergio Moro, e ex-membro da força-tarefa da Lava Jato na Receita Federal no Paraná.

Para Rocha, há riscos de descontinuidade no trabalho por causa da MP do Coaf. “Eu levaria muito tempo para montar de volta uma equipe com a mesma expertise e o mesmo know how que o Coaf tem hoje”, explica. “Vai haver uma descontinuidade, um prejuízo para as operações”, alerta o consultor.

Silva concorda com a avaliação. “No Banco Central você vai pegar experiências das pessoas que compõem o Coaf e jogar tudo no lixo”, diz. “É claro que o trabalho do Coaf ficará paralisado por mais de um ano, é óbvio. Haverá uma enorme perda de ritmo no Coaf”, completa o presidente da Unafisco.

“Quando a gente está falando qualquer coisa que possa limitar a independência ou a autonomia de áreas como Receita ou o Coaf é preocupante”, avalia Rocha. Vou jogar tudo isso fora e começar do zero, com uma equipe nova, em autarquia, ou com o Coaf no Banco Central. Isso tudo é preocupante porque essas pessoas acumulam conhecimento de muitos anos. Vou dar um fôlego para o sonegador e lavador de dinheiro que eles vão agradecer”, avalia o consultor.

As mudanças previstas com a MP do Coaf

Para Rocha, o Banco Central tem uma vocação diferente do Coaf. “O Banco Central tem uma vocação de fiscalização do sistema financeiro, mas o Banco Central não tem como foco investigar crimes antecedentes. Ele fica um pouco mais distante do foco principal do Coaf, que é investigar crimes financeiros”, explica.

Para o especialista, o melhor lugar para abrigar o Coaf era o Ministério da Justiça. “Por afinidade temática, o Coaf deveria ficar lá”, explica. “O Coaf é uma unidade de constituição de prova técnica, mas como crime financeiro é muito sofisticado e a capacidade do Coaf é muito grande”, completa.

Com a MP do Coaf, o conselho mudará de nome e passará a ser chamado de Unidade de Inteligência Estratégica. Uma fonte ligada ao órgão afirmou à Gazeta do Povo, sob condição de anonimato, que as mudanças no Coaf vão respeitar as convenções internacionais e as recomendações mundiais para combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo.

A mesma fonte também afirmou que o órgão passará a ser uma Unidade de Inteligência Financeira autônoma e independente e que os 70 servidores que atuam no Coaf atualmente serão remanejados para a nova unidade. Para ela, a informação de que apenas servidores do Banco Central poderiam atuar no Coaf com a transferência é “sem cabimento”.

O órgão está no centro das atenções desde o início do ano, quando o presidente Jair Bolsonaro tirou o Coaf do então Ministério da Fazenda e colocou sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça e Segurança Pública, sob comando do ex-juiz da Lava Jato, Sergio Moro. O ministro escolheu o auditor da Receita Federal Roberto Leonel, que fez parte da força-tarefa da Lava Jato, para presidir o órgão.

Mesmo depois de um intenso lobby no Congresso, Moro não conseguiu manter o órgão no Ministério da Justiça e o Coaf acabou voltando para o Ministério da Economia. O próprio presidente não se empenhou muito para manter o Coaf com Moro e, quando o Senado tinha votos necessários para devolver o controle do conselho ao ministro da Economia, Bolsonaro enviou uma carta, assinada em conjunto com Moro e Paulo Guedes, pedindo que o Coaf ficasse mesmo com o Ministério da Economia.

O Coaf também sofreu um duro golpe com uma decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF). O presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, atendeu a um pedido do filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (PSL), para paralisar investigações que tivessem dados compartilhados de órgãos de controle de forma detalhada.

O presidente do Coaf, Roberto Leonel, criticou a decisão do STF e, desde então, o Palácio do Planalto tem pressionado Paulo Guedes para trocar o comando do órgão.

“Acho que o debate é positivo, mas as pessoas deveriam entender que Coaf é arma poderosa no combate ao crime, o Coaf é a espinha dorsal do combate ao crime organizado e de toda a bandeira de campanha do Bolsonaro”, avalia Rocha. Para ele, ao tentar aparelhar o órgão, o governo se assemelha ao PT. “Houve muita crítica na época do PT, de que as áreas seriam aparelhadas pelo PT, mas agora pratica-se um discurso parecido”, alerta Rocha.

Mudanças na Receita à vista

Além de virar uma autarquia, estão previstas mais mudanças para a Receita Federal. O órgão deve ter as funções fatiadas. A arrecadação de impostos, fiscalização e acompanhamento tributário devem ser atribuições da autarquia. Já o Ministério da Economia vai continuar com a elaboração de políticas tributárias.

A nomeação de cargos de diretoria também vai sofrer mudanças e poderá ser feita pelo presidente da República, com aval do Senado. Com isso, aumentam as chances de aparelhamento para blindar políticos e autoridades investigadas.

Recentemente, o ministro do STF Alexandre de Moraes mandou a Receita Federal suspender a investigação aberta contra 133 contribuintes para apurar suspeitas de irregularidades fiscais. A fiscalização era realizada pela Equipe Especial de Fraudes (EEF), especializada na investigação de autoridades, entre elas, ministros do STF.

No entendimento do ministro, há graves indícios de ilegalidades na investigação e "direcionamento das apurações em andamento". Na mesma decisão, Moraes determinou o afastamento temporário de dois servidores da Receita Federal por quebra de sigilo.

Para Silva, o momento é delicado para propor mudanças para o órgão. “Essa proposta de autarquia não é o momento adequado para discutir isso, e ele vem com risco de maior fragilização do órgão, não de fortalecimento. O momento não é apropriado, temos um órgão sob ataque e você quer abrir o coração desse órgão para mudança”, reclama o presidente da Unafisco. 

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