O governo federal tem ampliado o seu distanciamento da bancada do agro no Congresso. O setor, que foi chamado de fascista por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a campanha eleitoral de 2022, tem demostrado insatisfação constante com a condução da gestão petista em pautas relacionadas ao setor. Integrantes da bancada não têm poupado críticas ao governo.
A relação entre o governo e o setor vem se deteriorando diante da apresentação de medidas provisórias desfavoráveis, especialmente a que permite a importação de arroz, que o agro diz ser uma medida desnecessária e prejudicial, e a que foi apelidada de "MP do Fim do Mundo", que tentou aumentar a carga tributária do setor produtivo na canetada e acabou sendo devolvida pelo Congresso. Elas se somam aos afagos que o governo Lula vem fazendo ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e estão fazendo a bancada do agro adotar uma atuação decisiva contra o governo.
A anulação do leilão de arroz importado e a devolução de parte da "MP do Fim do Mundo" foram anunciadas na terça-feira (11), em mais um dia de derrotas para o governo no Congresso.
Analistas políticos apontam que o Executivo não tem investido em pautas comuns e vem perdendo todos os embates com o setor. (Relembre abaixo alguns desses enfrentamentos entre o agro e a gestão petista.)
“O setor está só ganhando batalhas, seja derrubando vetos ou aprovando projetos. O governo não está negociando nada”, afirma João Henrique Hummel Vieira, diretor da consultoria Action.
O papel do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, na aproximação do agro com o governo também não tem sido eficaz. Embora tenha tentado articular encontros com lideranças do setor e chamando empresários para encontros até mesmo com o presidente, a ideia não vingou.
O problema com Lula, no entanto, não é recente. Desde o primeiro mandato, o setor do agro tem atritos com o petista. Enquanto o governo Lula 3 não encontra soluções, segue enfraquecendo as possíveis pontes com o Congresso e vê a bancada do agro ganhar força.
“A relação do governo com a bancada do agronegócio já se encontra estremecida há algum tempo e, com a implementação das novas medidas governamentais, a tendência é de uma deterioração substancial dessa relação”, afirma a consultora de agronegócios da BMJ Consultores Associados, Marina Nobre.
Derrotas do governo reforçam importância da aproximação com o agro
Nos embates com o agro, o governo já viu uma série de vetos sendo derrubados, a exemplo do marco temporal para demarcação de terras indígenas e do marco legal sobre pesticidas, além do embate da desoneração da folha de pagamento. Projetos de lei que coíbem as invasões do MST também foram aprovados com forte atuação da bancada do agro.
A pressão da bancada do agronegócio foi decisiva para que o primeiro leilão autorizado por meio da MP da importação de arroz fosse anulado. Denúncias da bancada do agro sobre as supostas irregularidades acabaram impedindo a aquisição de 263 mil toneladas de arroz importado.
“Para piorar a relação com o setor do agronegócio ainda edita essa MP do arroz. Os produtores nacionais já enfrentam tantos problemas, mas o governo prefere comprar R$ 7 bilhões de arroz dos produtores estrangeiros. O governo precisa olhar para o agro brasileiro, e não do exterior”, disse o vice-presidente da Comissão de Agricultura, deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS).
Segundo o deputado Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a importação fará com que produtores brasileiros deixem de plantar e por isso a cadeia produtiva de arroz no Brasil corre o risco de se desarticular.
Embora o leilão tenha sido anulado, a MP de importação do arroz segue em vigor e o governo deve anunciar uma nova tentativa de compra. Ao justificar a anulação, o governo falou em aperfeiçoamento. “Um novo leilão mais moderno e transparente será realizado para garantir que o cereal chegue a um preço justo na mesa dos brasileiros”, disse o governo em nota.
Além da anulação, o governo perdeu um dos poucos interlocutores que tinha com o setor: Neri Geller. Ele foi demitido do cargo de secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária em meio à anulação do leilão de arroz. Ele foi apontado como suspeito de ter ligações com empresas beneficiadas no leilão, mas negou as acusações.
A devolução da "MP do Fim do Mundo" (MP 1227/2024), que previa a compensação pela desoneração de 17 setores da economia, também contou com a atuação da bancada, que encabeçou a pressão contra a proposta junto a outras frentes parlamentares e de entidades da sociedade civil. Lupion destacou a afronta do governo ao Congresso. “É um golpe frontal e não podemos aceitar”, disse o deputado ao se referir à MP.
Além disso, a ligação de Lula com o MST é um dos pontos que atrapalham o relacionamento com o agro. Depois de nomear militantes para cargos no governo e de atender a algumas demandas do movimento, Lula ainda permitiu a inclusão do MST nos debates do Plano Safra.
Há duas semanas, enquanto o MST foi chamado para debater o Plano Safra da Agricultura Familiar, o governo enviou Neri Geller, agora ex-secretário de política agrícola, para conversar com a FPA. Agora, sem Geller para apresentar as demandas da bancada, a FPA terá que buscar novos meios de ter as pautas atendidas.
Condução do governo não indica avanços e impactos da relação ruim podem ser maiores
Deputados e senadores ligados ao agronegócio não têm poupado críticas à condução do governo Lula nas pautas do setor. O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), vice-presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, afirmou que as ações da atual gestão são “incompreensíveis”. “Lula diz que quer dialogar com o agro, mas alinha seus ministérios para penalizar esse mesmo setor. Trazer o MST para planejar o Plano Safra foi o cúmulo do absurdo”, disse Nogueira.
A senadora Tereza Cristina (PP-MS) afirmou que o governo se recusou a negociar previamente com o setor, em especial nos casos das medidas provisórias do fim do mundo e da importação de arroz. Para ela, o governo fez uma “trapalhada” ao ignorar arrozeiros e apontar a necessidade de importação do produto. A condução do leilão de arroz também foi pontuada pela ex-ministra da agricultura na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“Tudo isso desprestigia o produtor rural brasileiro [...] Esses fatos aumentam as dificuldades de entendimento com o governo”, disse Tereza Cristina à Gazeta do Povo.
Para o deputado Zé Vitor (PL-MG), o governo não consegue conduzir uma agenda positiva e propositiva com o agro. “Pesam, quase sempre, as questões ideológicas, as pressões de movimentos sociais e do próprio PT. Esquecem que são governo, agem como militantes”, disse.
Além dos parlamentares, lideranças do setor também demonstram desconforto com o governo. Na terça-feira (11), o presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), João Martins, disse que se recusa a falar com o presidente Lula. "Eu não quero falar com o presidente Lula. Eu me recuso a falar com o presidente Lula, porque estamos vivendo um desgoverno”, afirmou Martins.
A longo prazo, o distanciamento pode ter ainda mais impactos para o Executivo. “Para o governo, é infrutífero manter um relacionamento conturbado com a bancada em momento sensível em que diversas pautas caras estão sendo analisadas no Congresso, como o Mercado de Carbono, o Combustível do Futuro, entre outras”, apontou a consultora em agronegócios Marina Nobre.
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