A medida provisória (MP) 936, que permite que a redução proporcional de jornada e salário e a suspensão dos contratos de trabalhos, tem um trecho que pode ter sua constitucionalidade questionada. O problema seria em permitir que essas medidas sejam feitas por meio de acordos individuais. Embora haja previsão para a redução salarial proporcional ao corte da jornada de trabalho na CLT, o texto constitucional determina que isso só pode ser feito via negociação coletiva. O trecho já é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI), protocolada no Supremo Tribunal Federal (STF).
A leitura de vários especialistas ouvidos pela reportagem é a de que se vive um momento extraordinário, em que se faz necessário flexibilizar algumas regras para tentar garantir a manutenção de empregos. Ainda assim, a avaliação é de que a adesão de empresas a esse tipo de medida pode ser inviabilizada por uma questão de insegurança jurídica.
O texto da MP determina que os acordo individuais para suspensão de contratos de trabalho só poderão ser firmados com empregados que recebem até três salários mínimos (R$ 3.135) ou aqueles que ganham mais de duas vezes o teto do INSS, que está em R$ 12.202,12, e possuem ensino superior. Caso haja um acordo coletivo, ele passa a valer para todos os trabalhadores, sem critério de renda.
Acordo individual contraria Constituição
A advogada trabalhista Mariana Machado Pedroso, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, lembra que a CLT já prevê negociação para redução da remuneração em até 25%, desde que observado o valor do salário mínimo, caso fosse reconhecido um motivo de força maior. “A Constituição também traz a possibilidade da redução salarial, mas faz uma ressalva expressa de que só seria possível se fosse negociada coletivamente”, aponta.
Ainda assim, a advogada defende que é importante a adoção de medidas que fazem com que as dispensas, as demissões em massa, não sejam as primeiras medidas a serem tomadas pelos empregadores. “Tanto as ações de proteção dos empregados quanto das medidas produtivas, ambas têm que partir sua análise do momento de extraordinariedade que estamos vivendo”, avalia.
Análise semelhante é feita pela advogada trabalhista empresarial Karen Badaró Viero, sócia do Chiarottino e Nicoletti Advogados. “O trecho é inconstitucional, mas temos de pensar no estado de calamidade pública”, resume. A orientação que ela repassa aos clientes é tentar fazer esse tipo de negociação por acordo coletivo. Caso a empresa esteja atravessando um momento muito delicado, quase quebrando, buscar um acordo individual pode ser a solução, desde que haja em paralelo uma tentativa de negociação coletiva. “É uma forma de garantir que não haja demissão em massa. Como o Judiciário vai se comportar com isso são outras questões, que veremos a partir do ano que vem em ações”, pondera.
Situação extraordinária
Embora considere o acordo individual uma violação à Constituição, o advogado trabalhista Pedro Maciel, sócio da Advocacia Maciel, pondera que a situação que enfrentamos, em meio a uma pandemia, “claramente é considerada força maior para que possam ser relativizadas essas regras constitucionais em prol da manutenção não somente do emprego, mas das empresas que o mantém”. Ele destaca que o interesse social, o iminente perigo público e a dignidade da pessoa humana “são princípios fundamentais que, em estado de emergência, superam qualquer violação legal que se apresente no texto da medida.”
Para o advogado trabalhista Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados, a situação de pandemia exige a adoção de medidas rápidas e efetivas. “Em uma situação na qual a mobilização para uma celebração de uma norma coletiva é demorada e quase inviável diante das próprias restrições de locomoção, a redução de jornada ou suspensão temporária do contrato mediante acordo individual deve ser flexibilizada”.
Outros trechos da MP são considerados problemáticos
Para o advogado Felipe Vasconcellos Benicio Costa, da Ferraz dos Passos Advocacia, o problema do trecho, além da questão constitucional, é dar o mesmo peso a trabalhadores individuais e empresas. “A empresa, por sua natureza, é um ente coletivo. Portanto, para garantia do equilíbrio negocial, é necessário que a negociação seja estabelecida com outro ente coletivo – a entidade sindical, sob pena de o trabalhador ser forçado a aderir quaisquer propostas da empresa, objetivando manter seu emprego”, analisa.
Outro ponto levantado pelo advogado é o tratamento anti-isonômico conferido aos trabalhadores, especialmente aos que recebem até três salários mínimos. “Estes obreiros, apesar da vulnerabilidade econômica que os caracterizam, foram equiparados a trabalhadores que ganham mais de R$ 12 mil, fato que evidencia a quebra do necessário tratamento isonômico pela MP”.
Ele ainda questiona o trecho que trata dos trabalhadores do regime intermitente. “Tais empregados celetistas, de forma peculiar, foram equiparados a trabalhadores informais, ou seja, ficaram excluídos do direito ao recebimento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda equivalente ao valor do seguro desemprego, possuindo, apenas, o direito a receberem o valor de R$ 600 pelo período de três meses”, diz.
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