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Diferente do que ocorre com Bolsonaro

MPF descartou crime de peculato ao analisar apropriação de presentes por Lula

Até hoje Lula tenta na Justiça recuperar presentes confiscados por Sergio Moro (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Ao contrário do que ocorre atualmente com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), investigado por suposto desvio de bens públicos no caso das joias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se livrou de uma investigação criminal por suspeita de peculato, proposta em 2015, em razão da apropriação de presentes que recebeu de líderes estrangeiros em seus primeiros mandatos. A investigação sequer foi aberta.

Naquele ano, chegou ao Ministério Público Federal (MPF) de Brasília pedido de investigação de um cidadão que denunciava a posse dos bens que, segundo ele, deveriam ter sido incorporados ao patrimônio da União. O procurador responsável pelo caso à época descartou a ocorrência de crime. A decisão consta em um recente documento interno, obtido pela Gazeta do Povo, no âmbito de um inquérito civil, aberto desde aquela época, para apurar a possível ocorrência de improbidade administrativa e eventual obrigação de ressarcimento aos cofres públicos.

Entre os objetos que o Ministério Público decidiu não investigar à época, na esfera penal, e que mais tarde foram descobertos pela Lava Jato, estavam espadas, esculturas, moedas, canetas e peças decorativas e até uma coroa.

“O procurador da República oficiante à época da instauração do presente Inquérito Civil no âmbito do 7º Ofício de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa entendeu inexistirem indícios de crime, pois estaria ausente o dolo necessário para configuração do peculato, previsto no artigo 312, caput, do Código Penal”, diz o Despacho 28743/2022, assinado pelo procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho, em 8 de setembro de 2022 (veja cópia abaixo).

Reprodução/MPF

O responsável pelo caso diz que não ficou configurado peculato – crime com pena de até 12 anos de prisão, e que consiste no desvio, por funcionário público, de bem público em proveito próprio – por ausência de dolo, isto é, a vontade deliberada de cometer o delito. É a mesma imputação que a Polícia Federal (PF) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), fazem agora sobre Bolsonaro, por ficar e tentar vender joias e relógios recebidos dos árabes enquanto estava na Presidência da República.

Em defesa do ex-presidente, os advogados dele dizem que o caso sequer deveria ser investigado no âmbito do Supremo, pois ele já deixou a Presidência, não tem mais foro privilegiado e não haveria qualquer relação das suspeitas com o inquérito das “milícias digitais”, aberto por iniciativa de Moraes em 2021. Além disso, a defesa de Bolsonaro afirma que esses presentes são itens “personalíssimos” e de uso pessoal. Para os advogados, são itens privados e, nesta condição, eles podem vendidos ou doados por Bolsonaro.

Recomendação para devolução dos presentes

O inquérito civil contra Lula não foi instaurado diretamente no STF, como o de Bolsonaro, mas por um procurador da República que atuava na primeira instância da Justiça Federal de Brasília.

Esse tipo de inquérito, que tramita internamente no MPF, sequer gerou uma ação judicial de ressarcimento aos cofres públicos. Até hoje está aberto e gerou apenas uma “recomendação” à Presidência da República, para que proceda a devolução de presentes de chefes estrangeiros que foram levados não só por Lula, mas também pelos ex-presidentes Fernando Collor de Mello (1990-1992), Itamar Franco (1992-1995) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2011).

“Havendo a possibilidade de utilização de instrumento extrajudicial para o saneamento de irregularidades constatadas pelo órgão ministerial, o manejo de Recomendação – e seu possível acatamento – evita a ainda maior sobrecarrega do Poder Judiciário e, por consequência a utilização despropositada da máquina pública – em aspectos de recursos humanos e financeiros”, diz o mesmo despacho, de setembro de 2022, assinado pelo procurador Paulo Roberto Galvão de Carvalho (veja no trecho abaixo).

(Reprodução/MPF)

A recomendação de devolução dos presentes, acrescentou ele, serviria como “advertência de que as medidas judiciais cabíveis poderão ser adotadas a persistir determinada conduta”.

Essa recomendação foi enviada ao então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, em 23 de setembro do ano passado, com prazo de 30 dias para resposta. Até hoje, no entanto, o processo não avançou, conforme o sistema público de acompanhamento processual do MPF.

A reportagem ligou para o órgão, por meio da assessoria de imprensa, para saber se outra providência foi tomada, mas não houve resposta às tentativas de contato.

Inicialmente, o inquérito civil iria apurar que destino tiveram apenas os presentes dados a Lula, mas a pedido da defesa dele, o Conselho Institucional do Ministério Público Federal, órgão de deliberação superior, decidiu, em 2016, que os presentes de Collor, Itamar e FHC também deveriam ser investigados, para que pudessem ser devolvidos à Presidência da República.

Lava Jato encontrou parte dos presentes de Lula

Também em 2016, a mando do então juiz Sergio Moro, a Polícia Federal encontrou, num cofre do Banco do Brasil no centro de São Paulo, 132 presentes dados a Lula, incluindo peças decorativas, espadas, adagas, moedas, canetas e condecorações. Em 2017, 21 itens de maior valor foram confiscados pela Presidência: um peso de papel, três moedas, um bibliocanto (suporte para livros), cinco esculturas, duas maquetes, uma taça de vinho, uma adaga, três espadas, uma coroa, uma ordem, um prato decorativo e moedas antigas.

No mesmo ano, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma fiscalização sobre os presentes. Inicialmente, o órgão apurou que 568 presentes dados a Lula deveriam ser devolvidos à União. Depois esse número foi revisto e, ao final da fiscalização, em 2019, o TCU decidiu que Lula deveria devolver 434 objetos dados ao Brasil por chefes de Estado estrangeiros.

Desse total, 360 foram localizados no Galpão do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e depois transportados de volta para Brasília. Outros 74 não foram localizados. Dos total de presentes catalogados, 155 foram liberados para o acervo pessoal de Lula. Entre esses itens, havia medalhas, canetas, insígnias e arte sacra, todos considerados de “caráter personalíssimo”.

Lula, no entanto, não se contentou com o confisco, autorizado por Moro, de 21 presentes que foram devolvidos à Presidência. Ele acionou a Justiça Federal alegando que, durante seu governo, um órgão da própria Presidência distinguia quais presentes deveriam ir para o acervo privado e quais eram públicos. No fim do mandato, os primeiros foram para cofres do Banco do Brasil e os demais deixados nos palácios do Planalto e da Alvorada.

Em 2019, o juiz federal Carlos Alberto Loverra, da primeira instância em São Bernardo do Campo (SP), negou o pedido de Lula para recuperar os 21 presentes, “pois ao Brasil foram ofertados e não à pessoa do Presidente”. “Os presentes recebidos em mãos pela pessoa do Chefe de Estado e de Governo brasileiro são destinados ao país, ressalvados aqueles de caráter personalíssimo ou consumíveis”, diz a sentença, proferida em 12 de março de 2019.

Lula recorreu ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) em abril de 2019. Até hoje o recurso não foi julgado. Nele, Lula quer também a anulação de toda a fiscalização do TCU e, com isso, o direito de ficar com a maioria dos presentes que recebeu de líderes estrangeiros. O julgamento ocorreria em 25 de abril deste ano, mas foi adiado e não foi remarcado.

Se Lula ganhar e a decisão do TCU for derrubada, o petista poderá dizer que os presentes tinham natureza privada. O mesmo argumento, então, também poderá ser utilizado por Bolsonaro.

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