Relatórios das duas comissões parlamentares que investigaram os atos na Praça dos Três Poderes estão sob a análise do Ministério Público Federal.| Foto: André Borges/EFE
Ouça este conteúdo

As primeiras declarações do Ministério Público Federal (MPF) sobre os relatórios enviados no fim de 2023 por duas CPIs dedicadas ao 8 de janeiro de 2023, a da Câmara Legislativa do Distrito Federal e a do Congresso Nacional, deixaram os advogados de presos pelos atos de vandalismo ainda mais apreensivos. Eles temem a persistência da investigação sem foro adequado, focada em simpatizantes e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), apontado como um suposto mentor, e em autoridades do governo distrital, além da continuada indulgência para com possíveis omissões do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

CARREGANDO :)

A Procuradoria-Geral da República (PGR) não tem prazo nem mesmo a obrigação de apreciar relatórios de CPIs. Mas seu novo titular, Paulo Gonet, terá de emitir um parecer sobre os inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) que abordam eventual “orquestração” de Bolsonaro em favor dos atos. O órgão também poderá decidir sobre recomendações feitas pela CPI Mista do Congresso, cujo relatório final pediu o indiciamento de 61 pessoas, dentre elas o ex-presidente, militares, ministros do último governo e até cidadãos apontados como financiadores dos protestos na Praça dos Três Poderes, em Brasília, que terminaram nos atos de vandalismo e dos acampamentos no Quartel-General do Exército.

Durante o discurso que proferiu no evento realizado no Congresso para relembrar o primeiro aniversário do 8 de janeiro, Paulo Gonet indicou que seguirá na PGR a trilha aberta há um ano, dedicada à responsabilização de todos os envolvidos nos atos com a oferta ao Judiciário dos "castigos" - nas palavras dele - que couberem a cada envolvido. No encontro organizado por Lula, o procurador frisou que as investigações não considerarão o “status social” de investigados.

Publicidade

Em relação ao relatório da CPI da Câmara Legislativa do Distrito Federal, o MPF adiantou que o documento pode “no máximo” servir para corroborar trabalhos. Nele estão listados os indícios de crimes de 133 indivíduos, entre os quais se incluem policiais militares - dois coronéis. Antes disso, a PGR já denunciou outros sete oficiais da cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF).

Relatório de CPI foi fatiado entre crimes comuns e federais

O MPF recebeu o relatório de 400 páginas da CPI distrital com uma parte fatiada para o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT). A esse órgão regional foram encaminhados casos de crimes comuns, como o dano ao patrimônio. Para a PGR, contudo, seguiram os relatos de indícios de crimes considerados federais, como a chamada “sabotagem e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito”. O texto deixou de fora dos alvos a cúpula da PMDF, políticos e integrantes das Forças Armadas, entre os quais o general Marco Gonçalves Dias, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula.

“O relatório da CPI [da Câmara Legislativa do DF] não ficou como queríamos, mas o movimento verde e amarelo em prol da democracia continuou, em especial nas redes sociais, em todo o Brasil. Não vamos desistir do nosso país”, destacou a deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania). Ela defende a punição dos que vandalizaram os prédios públicos, com o devido processo legal, mas “sem impedir a população de lutar por um país mais justo para todos”.

Ainda há expectativas sobre os efeitos no MPF do relatório da CPMI do Congresso, criada a pedido da oposição, que pretendia apurar quem foram os autores dos atos de vandalismo e ainda as falhas de autoridades, sem as quais não teriam ocorrido. As omissões não investigadas envolvendo o então ministro da Justiça, Flávio Dino, Gonçalves Dias, do GSI, foram ignorados devido à maioria imposta pelo governo à CPMI, que blindou os dois ministros e outras linhas de investigação. A culpa sobre leniências recaiu só sobre o Distrito Federal.

Instalada no fim de maio, a comissão de deputados e senadores encerrou os trabalhos em 18 de outubro, um mês antes do previsto. O relatório final de 1,3 mil páginas da senadora Eliziane Gama (PSD-MA) - aliada de Dino - acabou aprovado por 20 a 11 votos e foi enviado a órgãos judiciais para continuidade de investigações.

Publicidade

A oposição apresentou parecer alternativo, no qual aponta uma série de indícios de irresponsabilidades e conivência com os eventos.

Advogados esperam substituição de subpromotor do MPF no caso

A advogada Carolina Siebra, representante de parte dos réus do 8 de janeiro, expressa o seu lamento pela postura de desdém do MPF em relação ao trabalho do Legislativo distrital. Além disso, ela critica o fato de o órgão ter decidido compartilhar o relatório recebido com o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT). Contudo, na opinião dela, o mais grave foi a manifestação oficial do MPF de que a comissão do DF não trouxe elementos robustos.

Carolina acredita que o novo procurador-geral, Paulo Gonet, deverá adotar postura mais equilibrada, considerando seu histórico de rigor técnico. Ela afirma que seria surpreendente se Gonet mudasse esse perfil após assumir a PGR. Para a advogada, o procurador responsável pelo inquérito até o ano passado, Carlos Frederico, agiu de maneira “claramente persecutória contra a oposição”. “A própria nomeação do subprocurador foi um equívoco, pois violou o princípio do promotor natural, questão que foi questionada por advogados, mas sem resultados”, acrescentou. No caso de Carlos Frederico, uma portaria o designou como o responsável.

A advogada visitou a sede do MPF em Brasília na última terça-feira (23) para argumentar novamente sobre a incompetência do STF, como Corte de última instância, para julgar os réus do 8 de janeiro, mas foi informada de que essa questão não terá qualquer chance de revisão. “Estamos vivendo uma exceção corroborada por todos os atores, que estão claramente em descompasso com a legislação vigente no país”, protestou.

O advogado constitucionalista André Marsiglia sustenta que o Ministério Público Federal (MPF) possui o direito de interpretar o relatório aprovado pela CPI do Distrito Federal como inconclusivo, considerando-o apenas como mera complementação para dar continuidade aos trabalhos. Contudo, ele ressalta a importância de que esse complemento não resulte em “desconsideração ou repetição do que já foi apurado na comissão”. Santos enfatiza, com base nesse ponto de vista, que é provável que os procuradores federais mantenham o foco nas investigações relacionadas a simpatizantes e aliados de Bolsonaro, bem como em autoridades distritais.

Publicidade

Segundo o advogado Claudio Caivano, embora ele concorde que a tendência seja a continuidade das investigações focadas em pessoas ligadas ao ex-presidente e a autoridades do Distrito Federal, a ascensão de Gonet à chefia da PGR já resultou em atenuação no peso excessivo das penalidades alternativas propostas. Os acordos de não persecução penal (ANPP), por exemplo, sofreram uma redução de 50% na multa, de R$ 10 mil para R$ 5 mil, e nas horas de trabalho para a sociedade, de 300 para 150 horas.

Caivano também sugere que, nessa toada, o atual procurador encarregado dos eventos de 8 de janeiro, Carlos Frederico, poderá ser em breve substituído. Apesar dessas mudanças, o defensor de 15 indiciados no inquérito do STF expressa receios de que o MPF continue a “caça” a políticos supostamente associados aos eventos da data fatídica, visando uma posterior cassação política deles.

Senadores apostam em leis para mudar o rumo das condenações

Defensor de réus do 8 de janeiro, o desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva voltou às redes sociais para pedir o engajamento da sociedade e dos parlamentares para aprovar o Projeto de Lei (PL) 5.064/2023, de autoria do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que prevê a anistia aos condenados pelos atos.

Coelho da Silva foi advogado do primeiro réu julgado no STF pelos atos de vandalismo e ganhou notoriedade ao deixar a magistratura por discordar da eleição do ministro Alexandre de Moraes para presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2022. Ao defender seu cliente no STF, ele chamou os ministros da Corte de as “pessoas mais odiadas do país”.

Além do projeto de anistia de Mourão, o senador Marcio Bittar (União Brasil-AC) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para anistiar Bolsonaro e os presos do 8 de janeiro. O texto conta com o apoio de 29 senadores, dois a mais do que o necessário para poder ser aceita. “A atuação do ministro Alexandre de Moraes (STF), dando assessoramento jurídico ao presidente Lula após o 8 de janeiro, levanta questões críticas sobre a adequada separação entre os poderes”, diz nota de oito senadores.

Publicidade
Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]