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Dois dias após os ataques terroristas do Hamas em Israel, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) emitiu uma nota tratando como legítima a “resistência palestina, desde Gaza” e sugerindo, embora sem mencionar o nome do grupo, que a barbárie do Hamas foi uma reação às alegadas “agressões e política de extermínio que Israel implementa na região há mais de 75 anos”. A nota, que posteriormente foi apagada, não repudiava as mortes e a violência por eles cometidas.
A alegação de que Israel cometeria uma "política de extermínio" contra palestinos é falsa e não passa de propaganda política. Há, porém, casos de assentamentos e tomada de terras promovidos por Israel cuja legalidade é contestada por diversas nações.
A ligação do MST com grupos armados na Palestina não é de agora. Os sem terra brasileiros possuem um grupo, por eles chamado de "brigada internacional" que leva o nome de um dos fundadores da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), Ghassan Kanafani. O grupo, que defende o fim do Estado de Israel e tem ideologias marxistas, é classificado como organização terrorista pela União Europeia e pelos Estados Unidos. Sua principal missão é levar integrantes do MST para a Palestina sob o argumento de colher azeitonas.
O deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) disse que a nota do MST demonstra o “compromisso” que o movimento tem com o terrorismo, não só no Brasil, como internacionalmente. “Infelizmente, ainda convivemos com esse tipo de movimento no nosso país, mas precisamos trabalhar para que esse tipo de organização criminosa deixe de existir”, disse van Hattem.
Além disso, em 2011, o Hamas foi mencionado como um partido político em texto publicado no site do MST (veja aqui) e, em 2021, o movimento agrário brasileiro se posicionou abertamente contra classificar o Hamas como um grupo terrorista.
A Gazeta do Povo entrou em contato com a assessoria do MST buscando esclarecimentos sobre o posicionamento do movimento a respeito do Hamas e das ligações com outras organizações consideradas terroristas, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. A organização apagou a nota no início desta tarde.
Oficialmente, o Brasil nunca reconheceu o Hamas como organização terrorista. Seu posicionamento, contrastante com a visão de EUA e União Europeia, é explicado pela alegada neutralidade brasileira em conflitos internacionais, combinada com o engajamento diplomático que busca pela solução de dois Estados, um israelense e um palestino.
Parlamentares da oposição estão pressionando o governo brasileiro para que, depois dos ataques do Hamas contra Israel neste sábado, mude o posicionamento e passe a considerar o grupo armado palestino como organização terrorista. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém, só deve mudar de entendimento se os países membros do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovarem a designação.
MST reforça apoio à Palestina sem repudiar ataque terrorista
A nota do MST sobre a guerra em Israel enfatiza o apoio e a solidariedade ao povo palestino e fala sobre a "autodeterminação contra a política de apartheid implementada por Israel".
A palavra apartheid faz referência a uma política racista adotada na África do Sul até os anos de 1990, que segregava socialmente a população negra do país. Não é o caso de Israel, onde palestinos e israelenses convivem sem segregação por lei. O termo também foi apresentado para designar um tipo de crime a partir de 2002 pelo Tribunal Penal Internacional.
Na maioria das publicações do movimento sobre os conflitos entre Israel e Palestina, somente são mencionados os atos cometidos por Israel, sem mencionar os ataques dos grupos terroristas.
Para o consultor em relações internacionais, Cezar Roedel, o fato da nota do MST, assim como as notas do Itamaraty e do Partido dos Trabalhadores, não mencionar o Hamas segue a mesma disposição da nota emitida pelo Foro de São Paulo. “É uma 'coincidência' incrível. As notas querem 'resolver o conflito', mas identificam as partes contendoras não a partir da realidade e sim, de suas fantasias ideológicas. Para o MST a 'resistência' do Hamas é legítima. Para justificar a violência, fantasiam a realidade”, avalia Roedel.
O Foro de São Paulo foi fundado pelo ditador cubano Fidel Castro (1926-2016) em parceria com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva na década de 1990, logo após o colapso da União Soviética. O objetivo oficial da organização é integrar povos da América Latina e do Caribe, mas na prática funciona como uma confraria de governantes, políticos e organizações ativistas em nome de um projeto político de esquerda para o subcontinente.
MST envia militantes à Palestina em brigada internacional
A cada dois anos, o MST organiza a chamada “Brigada de Solidariedade Ghassan Kanafani”. Trata-se de uma campanha de colheita de azeitonas na Palestina em que militantes do MST se juntam aos palestinos para realizar a atividade. De acordo com o MST, “a presença de internacionais durante a colheita é essencial para evitar mais repressão por parte de Israel e com o objetivo de garantir que os palestinos possam realizar a colheita sem repressão”. A Brigada Ghassan Kanafani é organizada desde 2011.
No entanto, a homenagem à Ghassan Kanafani também reflete o apoio a um ativista político ligado a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Esse grupo, com orientação marxista-leninista, já assumiu a autoria de uma série de ataques à Israel. A morte de Kanafani, ocorrida em julho de 1972, inclusive, é atribuída a uma resposta ao massacre do Aeroporto de Lod, perpetrado por três membros do Exército Vermelho Japonês recrutados pela FPLP. O massacre, ocorrido em maio de 1972, vitimou 26 pessoas e feriu outras 80. Na época, Kanafani era o porta-voz da FPLP e o grupo assumiu a responsabilidade pelo ataque. Ele teria sido morto por agentes da inteligência de Israel.
MST anunciou convocação de manifesto a favor da Palestina
Após a guerra em Israel registrar mais de 1.600 mortos, o MST convocou um manifesto chamado de “Ato de Solidariedade ao Povo Palestino”. Na publicação sobre o ato, o MST afirma que a mobilização é pela paz, enfatizando que “igualdade, liberdade e justiça andam juntas”.
Novamente sem mencionar os ataques promovidos por grupos terroristas, o MST condena o que chama de “apartheid de Israel”. “O apartheid de Israel precisa ter fim, com a garantia da autodeterminação e todos os direitos dos palestinos e palestinas, entre eles o direito ao retorno, a desocupação dos territórios palestinos tomados, e a cidadania aos palestinos que vivem em territórios denominados por Israel”, diz a publicação do MST.