O relator da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), deputado Danilo Forte (União-CE), encontrou uma forma de atender ao pleito do governo para fixar em R$ 23 bilhões o valor máximo de bloqueio das despesas da União em 2024 – em vez de R$ 56,5 bilhões inicialmente previstos.
No relatório que apresentou na tarde de quinta-feira (7), Forte acrescentou um dispositivo que ajudará o governo a não ter que fazer tantos cortes de gastos em ano eleitoral, após ter rejeitado uma emenda com o mesmo objetivo proposta pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).
Segundo o relator, a alternativa que encontrou evita a "fragilidade jurídica" da emenda do governo, baseada numa reinterpretação polêmica do arcabouço fiscal, e ainda viabiliza o desejo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad Fazenda, de poder gastar mais no começo do próximo ano.
O alívio de R$ 33,5 bilhões na necessidade de contingenciamento de gastos até março exigiu outros argumentos do relator para impedir um bloqueio estimado pelos consultores da Câmara em até R$ 56,5 bilhões, o que afetaria diretamente investimentos públicos e ameaçaria o pagamento de emendas parlamentares. A solução encontrada por ele foi fazer ressalva sobre despesas que não podem ser alvo de limitação durante a execução, com base em dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), entre as quais vigilância sanitária e recursos do Plano Safra.
Com essa manobra, o deputado assegurou o aumento de 0,6% dos gastos acima da inflação, conforme queria Haddad. O texto deverá ser votado na Comissão Mista de Orçamento (CMO) na próxima terça-feira (12).
Para consultores de orçamento do Senado, a mexida do relator para criar limites de contingenciamento não livra, contudo, o governo da meta de resultado primário e das consequências do não cumprimento do marco fiscal, com bloqueios futuros e redução do fator de ajuste das despesas no ano seguinte, de 70% para 50% da variação das receitas, na faixa de 0,6% a 2,5% acima da inflação.
Eles avaliam que o principal efeito negativo da medida será estimular mais desconfiança sobre a rigidez da política fiscal, sinalizando alta maior do endividamento público e resistência de taxas de juros.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, explica que a medida vai dificultar ainda mais o cumprimento da meta fiscal. "A regra do arcabouço fiscal é muito clara e fixada em lei complementar. Ela não representa um comando para a execução de gastos, como acontecia no antigo teto da PEC 95/2016 [teto de gastos]. Ela é uma regra para o limite de despesas, uma regra orçamentária. Com essa interpretação dada no PLDO [Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias], cria-se um precedente ruim".
A poucos dias da votação pelo Congresso do Orçamento de 2024, o ministro da Fazenda vinha apelando para a reinterpretação das regras do marco fiscal como meio de mitigar o tamanho do corte de gastos em razão do esperado descumprimento da meta de déficit zero. Contudo, Danilo Forte avisou que não acataria emenda nesse sentido, apresentada pelo líder do governo no Congresso. A emenda autorizava a expansão de 0,6% a 2,5% das despesas efetivas da União, fixando 0,6% como um piso de crescimento de gastos, driblando assim os gatilhos de bloqueio previstos pelo próprio arcabouço.
Para técnicos da Comissão Mista do Orçamento (CMO), o governo não poderia alterar as regras por meio de emenda na LDO, mas só via marco fiscal, aprovado em julho por meio da Lei Complementar 200/2023, que substituiu o teto de gastos. Com isso, o relator da LDO avaliou que a mudança encaminhada por Randolfe traz insegurança jurídica ao ferir o marco das contas públicas em vigor.
Em reforço a essa tese, um recente parecer da Consultoria de Orçamento da Câmara condenou a limitação do bloqueio de despesas de 2024 com base no tal "piso de crescimento" dos gastos previsto no arcabouço. A postura de Danilo Forte elevou as tensões com o governo e reintroduziu o debate da meta de déficit primário. Mas a tendência ainda é de ela ser revista só em março.
Em paralelo, Câmara e Planalto também disputavam como dosar os efeitos dos cortes orçamentários sobre investimentos da União, emendas parlamentares e fundo eleitoral. O relator acabou fixando a despesa com as eleições municipais em R$ 4,9 bilhões, mais do que o dobro do proposto pelo governo.
Os consultores afirmam que a interpretação dada pelo governo subverte a lógica da lei que criou a regra fiscal, sancionada há três meses. Pelos cálculos deles, o limite máximo de bloqueio seria de R$ 56,5 bilhões em 2024. O deputado Pedro Paulo Teixeira (PSD-RJ), um dos que solicitaram a nota técnica da consultoria, considera arriscado o governo seguir nessa toada, lembrando que “controle financeiro não é controle orçamentário”.
Teixeira explica que a lei do arcabouço consagra a coexistência de duas regras fiscais: a meta de resultado primário – diferença entre receita e despesa primária, menos gastos com juros –, prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, e a regra de limite de despesa.
A interpretação controversa da Fazenda estabelecia crescimento mínimo anual para a “despesa orçada” (prevista na lei orçamentária), mas sugere que esse avanço seria o piso para a “despesa realizada” (o que o governo gasta ao longo do ano), prevalecendo sobre a meta de resultado primário, que prevê o déficit zero. Isso significaria que, se a receita não atingir a meta, os gastos devem aumentar de qualquer forma.
Meta de déficit zero voltou com promessa de bloqueio mínimo
A emenda de Randolfe Rodrigues foi apresentada no mês passado durante as discussões sobre a continuidade ou não da meta de déficit zero. A sua manutenção, após ser questionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), foi considerada a vitória de Haddad sobre a ala do Planalto contrária à austeridade, liderada pelo ministro Rui Costa (PT).
Os economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes, professores do Insper, vinham alertando por meio de artigos sobre o risco de “interpretações criativas” para contornar as obrigações contratuais com a sociedade. Para eles, a proposta da Fazenda contrasta frontalmente com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impõe ao governo a busca pela meta primária, podendo contingenciar quando a receita for insuficiente.
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena e especialista em contas públicas, também expressou preocupação com essa releitura da Lei Complementar 200/2023. Para ele, a aplicação da nova interpretação pode aumentar o descompasso entre despesas e receitas, aprofundando o risco fiscal. Salto argumentou que a tentativa de negociar o total a ser bloqueado para evitar gatilhos fiscais pode introduzir alto volume de despesas não obrigatórias que escapariam do corte previsto na legislação.
Parlamentares temem que cortes afetem emendas ao Orçamento
A busca por uma alternativa, que os críticos mais ferozes chamam de “pedalada fiscal”, reflete o estado de espírito tanto da cúpula do Planalto quanto de parte do Congresso, que resistem ao cenário de cortes expressivos nos gastos em pleno ano eleitoral. Eles temem que os contingenciamentos alcancem as emendas parlamentares. O próprio Lula deixou claro que não quer saber de cortar verbas de investimentos federais em infraestrutura.
Haddad prometeu fazer contingenciamento de “no máximo” R$ 22 bilhões a R$ 26 bilhões das despesas do Orçamento em 2024 em reunião no dia 16 de novembro, quando o governo comunicou oficialmente que iria manter a meta de zerar o déficit das contas públicas. O compromisso funcionou como garantia de investimentos do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e das emendas parlamentares.
A insistência na mexida na regra fiscal insinua ainda que o governo está menos confiante na votação de projetos voltados à ampliação da receita e ao equilíbrio das contas no próximo ano. Entre os principais projetos em discussão está o que regulamenta a isenção tributária para créditos fiscais, oriundos de subvenção para investimentos – a Medida Provisória (MP) 1185/2023, chamada de MP das Subvenções. Só nessa proposta, são esperados R$ 35 bilhões de receita extras em 2024.
Especialistas veem marco fiscal confuso e risco à credibilidade
Para o analista financeiro VanDyck Silveira, “foi uma péssima ideia” do governo e de parlamentares de alterar regras de crescimento de despesas reais no caso de a meta fiscal não ser atingida.
“O arcabouço fiscal nem sequer foi testado e já se ouve pelos corredores do Congresso e do Planalto articulações para alterá-lo. Se isso ocorrer, teremos consequências sérias como o descrédito da política econômica, aumento do risco fiscal e do custo da dívida pública, além de uma impossibilidade de redução de taxa de juros na quantidade e rapidez necessárias para reativar a economia”, disse.
O economista, professor e deputado estadual Claudio Branchieri (Podemos-RS) alerta que a controvérsia nasceu ainda na tramitação do arcabouço, quando se discutia o “mínimo bloqueável de 0,6%”.
“Os tais 0,6% são o crescimento mínimo da despesa em termos reais. Não há mínimo bloqueável, mas há máximo bloqueável, que são os 25% da despesa discricionária”, sublinhou. Para ele, Haddad está fazendo interpretação enviesada do arcabouço.
“O ponto é que o arcabouço não traz unidade em suas regras de despesa. Uma pode entrar em conflito com outra, e não está claro qual delas deve ser preponderante, em caso de divergência”, observou.
O parlamentar explica que Haddad considera preponderante o crescimento da despesa e, por esse motivo, não vê necessidade de contingenciar além de R$ 23 bilhões em 2024. “Ocorre, contudo, que para cumprir a regra de primário, é preciso contingenciar mais, ameaçando as outras regras”, disse.
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