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Falta de transparência

Municípios terão direito ao Fundo Amazônia, mas BNDES pode favorecer ONGs específicas

Fundo Amazônia está na mira da CPI das Ongs
Fundo Amazônia, que já recebeu doações de mais de R$ 3,3 bilhões, está na mira da CPI das Ongs (Foto: Antonio Lacerda/Agência Efe)

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Tido como um dos principais meios de projeção internacional do terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Fundo Amazônia, criado há 15 anos, passou por uma recente mudança em suas diretrizes. Questionado pela falta de transparência nos repasses e na destinação de recursos, em sua maioria, para Organizações Não-Governamentais (ONGs), as suspeitas em relação ao fundo têm sido tema de debates constantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, no Senado, que busca investigar também as liberações e a sua utilização pelas entidades, que estariam a serviço de organismos internacionais.

Recentemente, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa) abriu a possibilidade de municípios terem acesso direto aos recursos a partir de editais de chamamento público, além da criação de um valor mínimo de R$ 5 milhões por projeto e um teto de 5% do saldo disponível no fundo. Com R$ 3,3 bilhões já recebidos, o Fundo Amazônia (criado em 2009), foi retomado em janeiro, pelo governo de Lula, após a paralisação durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e vem recebendo promessas de doações milionárias de países da Europa e da América do Norte.

Para o senador Plínio Valério (PSDB-AM), presidente da CPI das ONGs, o fundo precisa passar por uma profunda revisão. “O Fundo Amazônia não contribuiu para a redução da desigualdade na região e requer uma revisão profunda para se tornar verdadeiramente relevante para a população amazônica”, pontuou o parlamentar amazonense.

Por meio do Fundo Amazônia, o Brasil recebe doações, especialmente de outros países, para apoiar iniciativas contra o desmatamento. De acordo com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão dos recursos, o fundo já viabilizou 102 projetos que abrangem desde suporte a ações do governo federal até iniciativas com comunidades tradicionais, indígena e projetos diretos com governos estaduais da região da Amazônia Legal. Dessas iniciativas, 60 já foram concluídas e 42 continuam em andamento.

Municípios poderão acessar recursos do Fundo Amazônia 

Uma das mudanças anunciadas pelo comitê foi a possibilidade de municípios localizados na região da Amazônia acessarem os recursos do fundo. No entanto, na prática, desde a sua criação, o Fundo Amazônia apoia ações nas cidades. A diferença é que antes essas ações deveriam compor os projetos apresentados pelos estados. O governo Lula anunciou essa como a principal alteração feita nas diretrizes do fundo.

João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), destacou a importância dessa descentralização na destinação dos recursos. Segundo ele, os municípios estão “assumindo um protagonismo crescente na busca de ações de controle do desmatamento, regularização fundiária e ordenamento territorial, e passam a contar com a possibilidade de obter recursos para fazer o salto de qualidade na gestão pública, associando-se às ações do governo federal e dos governos estaduais”, afirmou o secretário em matéria publicada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), banco gestor do Fundo Amazônia.

A partir das alterações anunciadas, o fundo deixou também de ser um receptor de propostas ambientais para passar a apresentar iniciativas aos interessados, ou seja, os municípios interessados terão que escolher entre projetos pré-formulados para receber e aplicar os recursos.

“O que a gente vai fazer é abrir um edital modulado, para facilitar a adesão do município em iniciativas preestabelecidas. O Fundo Amazônia vai oferecer novos programas para atrair a adesão de municípios. Temos mais de 700 municípios na Amazônia. Ao atrair essas gestões locais para programas pré-modulados por nós, teremos mais sinergia e um efeito multiplicador bem mais forte do que se nos concentrarmos em ações pontuais”, pontuou Tereza Campello, diretora socioambiental do BNDES, em entrevista ao Portal Reset.

Ela completou dizendo que não interessa ao Fundo ter 700 microprojetos nos 700 municípios da Amazônia. “Isso não vai alterar a realidade da Amazônia. Haverá sucesso se esses 700 municípios atuarem numa determinada direção, não um para cada lado”, disse Campello.

As mudanças apresentadas pelo Cofa, no entanto, foram recebidas com ressalvas por especialistas. Para o administrador e ex- secretário de Clima e Relações Internacionais, Eduardo Lunardelli Novaes, apesar das mudanças, a escolha dos projetos e dos executores segue sendo feita com critérios políticos, e não técnicos, como deveriam ser.

Ele alerta ainda para a utilização dos recursos em projetos que não têm efeitos práticos. “O Fundo Amazônia tem financiado workshops, estudos intermináveis e viagens internacionais ao invés de investir em uma exploração sustentável de madeira, por exemplo”, pontuou Novaes.

Fundo Amazônia deveria ser destinado para ações de regularização fundiária, diz professor 

O Fundo Amazônia foi criado com foco em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. No entanto, com a recente mudança nas diretrizes, o Cofa também incluiu dentre os novos focos prioritários a regularização fundiária. Além disso, deve priorizar ainda os povos e comunidades tradicionais (PCT) e agricultura familiar, florestas públicas; cadastro ambiental rural (CAR); regularização fundiária e ambiental e atividades produtivas sustentáveis.

O caos fundiário é um dos principais problemas da Amazônia. Estudo elaborado pelo professor e engenheiro agrônomo Fabiano José Affonso indica que 55 milhões de hectares (pouco mais de 10% do total), o que equivale ao território do estado de Minas Gerais, estão irregulares na Amazônia. A Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) estima que cerca de 25 milhões envolvem famílias que aguardam a regularização. O estudo do professor Fabiano Affonso, intitulado “Latifúndios na Amazônia”, destaca ainda que somente 8 milhões de hectares receberam título até agora.

Para o estudioso, a questão fundiária é a principal causadora das mazelas da Amazônia. “A incerteza sobre a situação fundiária na Amazônia brasileira tem causado conflitos sociais e dificultado a implantação de projetos de conservação e de desenvolvimento econômico na região. A ausência de regularização acaba criando disputas, partindo de pessoas com documentos falsos, bem como localizações desconhecidas, ocupadas de formas ilegais”, afirma o professor.

A necessidade de ampliar a abrangência do Fundo Amazônia para torná-lo eficaz é destacada pelo senador Plínio Valério. “Atualmente, sua abrangência é limitada, alcançando apenas uma parcela pequena das milhares de pessoas que vivem na Amazônia. O fato é que os recursos desse fundo não têm alcançado os indígenas, caboclos e ribeirinhos, que são os verdadeiros defensores da floresta”, disse o senador.

Para Novaes, é preciso ainda usar o fundo de maneira mais inteligente, aplicando recursos em ordenamento territorial, por exemplo. “Os valores hoje não chegam na ponta, pois o fundo foi feito para não chegar. A começar pelas taxas de administração que ficam com as ONG”, alertou. Ele lembrou ainda a importância de se investir em saneamento básico na Amazônia.

Suspeitas de direcionamento de recursos devem ser apuradas pela CPI das ONGs

A destinação dos recursos do Fundo Amazônia deverá ser uma das próximas linhas de investigação na CPI das ONGs. Segundo o senador Plínio Valério, a gestão dos recursos aponta um possível favorecimento a ONGs escolhidas previamente, sem uma seleção transparente por parte do BNDES. “Queremos que o BNDES dê mais transparência a essa atividade de transação. A gente quer saber como é que esse dinheiro entra, qual é a justificativa e pra onde vai. E porque é que vai sempre para os mesmos”, disse em entrevista à CNN Brasil.

O entendimento do senador é reforçado pela preocupação com a composição do Conselho Orientador do Fundo Amazônia. Para o ex-secretário Eduardo Novaes, “é muito grave que os países doadores façam parte do Conselho e deem pitacos sobre as políticas públicas que iremos adotam em nosso país”. A preocupação diz respeito ao fato de o Conselho ser integrado, por exemplo, pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS), que tem como financiadores a Embaixada da Suíça e do Reino Unido, além da Fundação Ford, Ong com sede nos Estados Unidos que financia progressismo ao redor do mundo.

CPI das ONGs vai propor mais transparência para gestão do Fundo Amazônia  

As mudanças recentes nas diretrizes do Fundo Amazônia, no entanto, não alcançaram questões como a transparência na gestão dos recursos. Valério destaca que é importante buscar mais transparência para o processo. “Para que o Fundo da Amazônia seja benéfico para o Brasil como um todo, é essencial garantir total transparência em sua gestão e demonstrar sua aplicação correta, evitando que seja utilizado meramente para manter a região como um jardim botânico. A CPI já demonstrou que os recursos não estão chegando na ponta, e, portanto, é crucial buscar aprimoramentos para assegurar a fiscalização e o controle adequado dos recursos”, disse o presidente da CPI das ONGs.

De acordo com o senador, a CPI deve entregar, junto do relatório final, uma série de propostas legislativas que promovam mais transparência. “Nosso objetivo é propor medidas legislativas que promovam aperfeiçoamentos no funcionamento do fundo. Queremos direcioná-lo de maneira eficiente para beneficiar diretamente as pessoas que vivem na Amazônia, ao invés de destinar recursos para ONGs sem uma abordagem clara e eficaz de atuação. Hoje o recurso já é doado sabendo para que ONGs vai e como ela irá atuar. Se quiser, nos doe. Mas sabemos como usar os recursos”, explicou o senador.

Lula quer mais dinheiro de países ricos para preservação da Amazônia 

Desde 2009, o Fundo Amazônia já acumulou R$ 3,3 bilhões em doações, sendo 93,8% da Noruega, 5,7% da Alemanha e 0,5% da Petrobras – valor que alcança R$ 5,7 bilhões somando rendimentos financeiros. Neste ano, os Estados Unidos (R$ 2,3 bilhões), o Reino Unido (R$ 490 milhões), a União Europeia (R$ 105 milhões) e a Suíça (R$ 27 milhões) também anunciaram doações. Há ainda a sinalização de interesse da Dinamarca em destinar recursos, mas os valores ainda não foram incorporados ao fundo, segundo o BNDES.

Em julho, Lula disse que vai exigir que os “países mais ricos” cumpram o compromisso de destinar 100 bilhões de dólares por ano para ações climáticas. A cobrança se justifica, segundo ele, pois foram os "países ricos" que mais emitiram gases de efeito estufa na história.

Sem citar quais seriam os países cobrados, Lula conclamou os líderes dos demais países amazônicos para apoiar as cobranças. “Vamos ter de exigir, juntos, que os países ricos cumpram seus compromissos, incluindo a promessa feita em Copenhague [capital da Dinamarca], em 2009, de 100 bilhões de dólares por ano para a ação climática. Afinal, foram eles que emitiram historicamente a maior parte dos gases do efeito estufa. Quem tem as maiores reservas florestais e a maior biodiversidade merece maior representatividade”, disse Lula.

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