O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) realizou nesta sexta-feira (6) sua primeira reunião com todos os 37 ministros. Em seu discurso de abertura do encontro, criticou o governo de Jair Bolsonaro (PL), orientou sua equipe ministerial a "atender bem" deputados e senadores para ter apoio no Congresso e disse que o ministro que "fizer algo errado" será demitido. Lula não explicou exatamente o que considera ser "algo errado", mas disse que, nesse caso, o ministro terá de "responder na Justiça" e não ficar na Esplanada.
Depois do pronunciamento público, a reunião foi fechada para a imprensa. A expectativa era de que Lula, de forma reservada, cobrasse dos ministros unidade no discurso e nas ações. Neste começo de governo, alguns ministros deram declarações que posteriormente foram desautorizadas pelo núcleo mais próximo de Lula.
O que Lula falou sobre o governo Bolsonaro, Congresso e possíveis demissões
No começo do pronunciamento público de Lula aos ministros, o presidente disse que a missão de seu governo é a "unificação". O petista culpou o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de "destruir as políticas públicas" do país e disse que seus ministros terão a missão de reconstruir o Brasil.
Essa tem sido uma estratégia de comunicação deste começo da nova gestão. Lula não quer ser cobrado logo no início de seu governo por eventuais problemas que surgirem. E o discurso de "destruição" do país supostamente promovida por Bolsonaro é uma forma de atribuir a responsabilidade sobre esses problemas ao antecessor.
"Nós estamos de volta com o compromisso de unificar o povo brasileiro e acabar com o ódio. Não acabar com as divergências, mas fazer política de forma civilizada e ao mesmo tempo unificar o país. A gente vai ter que reconstruir esse país", disse Lula na reunião ministerial.
Ao falar sobre o relatório produzido pela equipe de transição, Lula afirmou que diversas políticas públicas foram destruídas e disse que parte das mortes de Covid-19 ocorreu por "ignorância" do governo anterior. O presidente afirmou ainda que as últimas eleições foram "duras", diante do suposto uso de dinheiro da máquina pública para reeleger Bolsonaro.
"Foram as eleições mais difíceis que tivemos, com uma quantidade de dinheiro imensurável na perspectiva de perpetuar um governo autoritário e um governo que é responsável pela morte de grande parte das pessoas que morreram por Covid-19 por desrespeito e por muita ignorância. Temos uma tarefa árdua, mas é uma tarefa nobre de reconstrução desse país", reforçou o petista.
Lula afirmou também que "quem fizer [algo] errado, será convidado a sair". "Se cometer algo grave, vai ter que responder na Justiça. Eu já governei esse país e fiz muitas reuniões nesse lugar. Eu só tenho um compromisso de ser honesto com o povo brasileiro e ser honesto com vocês", disse o presidente.
Neste começo de governo, ao menos dois ministros já são alvo de questionamentos por causa de suas condutas. A ONG Transparência Internacional-Brasil criticou a nomeação de Waldez Góes como ministro da Integração Nacional. A entidade destacou que Góes foi condenado em 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a seis anos de prisão por peculato. Já a ministra do Turismo, Daniela Carneiro, foi alvo de críticas por ter ligação com milicianos. Além disso, há outros casos de ministros dando declarações que não são chanceladas pelo próprio Lula.
Apesar de dizer que vai demitir quem fizer "algo errado", o presidente também sinalizou que irá apoiar seus ministros nos "momentos ruins". "Estejam certos que eu estarei apoiando cada um de vocês nos momentos bons e nos momentos ruins. Não deixarei nenhum de vocês no meio da estrada. Não deixarei nenhum de vocês", disse Lula.
Após atrito entre ministra e Pacheco por causa do aborto, Lula pede boa relação com Congresso
O presidente Lula também deu destaque à importância de um bom relacionamento com congressistas. Disse que seu governo não é formado apenas por nomes técnicos, pois ele precisa de acordos políticos para aprovar medidas no Congresso Nacional. "Muitos de vocês são resultado de acordos políticos. Não adianta a gente ter um governo técnico de Harvard [uma das melhores universidades do mundo] e não ter um voto no Congresso. Nós dependemos do Congresso. E cada ministro precisa ter a grandeza de atender bem cada deputado ou senador que o buscar", completou.
Nesta semana, a ministra da Mulher, Cida Gonçalves, provocou desgaste com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) ao falar sobre aborto – além de ter tratado do tema de forma diferente da que Lula falou durante a campanha eleitoral.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, a ministra disse que qualquer legislação sobre o aborto votada pela atual composição do Congresso teria mais retrocessos que avanços. "Da forma como está colocado hoje pelo Congresso e da forma como está sendo convocado pelo Senado, qualquer discussão sobre aborto, nós vamos perder mais do que nós vamos avançar", afirmou Cida. Ainda de acordo com a ministra da Mulher, "o governo irá avançar com o que for possível sobre o tema". "Se for para retroceder é melhor a gente assegurar o que está garantido em leis", completou.
Após as declarações de Cida Gonçalves, Rodrigo Pacheco rebateu a ministra e disse que nunca houve a "mínima cogitação de retrocesso nas hipóteses legais" referentes a aborto. Em nota, o presidente do Senado considerou a fala da ministra precipitada e um "prejulgamento" do Congresso. "E sobre o aborto não há e nunca houve mínima cogitação de retrocesso nas hipóteses legais. Portanto, é importante o ministério propor suas políticas e ideias e não prejulgar o Congresso", disse Pacheco.
Essa não é a primeira vez que declarações sobre a legalização do aborto causa desgates para Lula. Durante a campanha, o petista chegou a defender que brasileiro possa fazer aborto “sem ter vergonha”. Após as repercussões negativas junto ao eleitorado conservador, Lula usou o seu programa eleitoral para mudar o posicionamento sobre o tema. "Acho que quase todo mundo é contra o aborto. Não só por que nós somos defensores da vida, mas porque deve ser uma coisa muito desagradável e muito dolorosa alguém fazer um aborto", disse Lula na inserção
Lula manda recado ao agronegócio e defende respeito ao meio ambiente
Durante a reunião ministerial, Lula também falou sobre o agronegócio e o meio ambiente. Ao citar o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, o presidente disse que "empresários de verdade" do agronegócio sabem a "necessidade da produção sem precisar ofender ou adentrar a Floresta Amazônica ou qualquer bioma". Lula conta com resistências por parte dos empresários do agronegócio, e Fávaro foi escalado como interlocutor do governo com o setor.
Segundo Lula, esses produtores "de verdade" serão "muito respeitados pelo governo", mas os que agirem fora da lei serão responsabilizados. "Aqueles que quiserem teimar e continuar desrespeitando a lei, invadindo o que não pode ser invadido, usando agrotóxico que não pode ser usado, esse a força da lei imperará sobre eles. E nós vamos exigir que a lei seja cumprida. Porque neste país tudo vale. A única coisa que não vale é o cidadão bandido achar que pode desrespeitar a boa vontade da sociedade brasileira, a nossa Constituição e a nossa legislação", disse.
Presidente quer diminuir divergências entre os ministros
A primeira reunião ministerial também tem o objetivo de alinhar pautas do governo e chamar a atenção de ministros que deram declarações polêmicas nesta primeira semana de governo. Antes do encontro, lideranças do governo indicaram que o recado de Lula seria o de que todos os anúncios e sugestões de políticas precisarão do aval do Palácio do Planalto.
O petista tem defendido que seus ministros precisam dialogar como forma de mostrar unidade, a fim de evitar desgastes no começo do governo. A movimentação de Lula ocorreu depois que diversos ministros se envolveram em polêmicas nesta semana.
Entre eles o ministro da Previdência, Carlos Lupi, que chegou a dizer que pretende discutir a “antirreforma da Previdência”. A reação veio logo em seguida por meio do ministro da Casa Civil, Rui Costa, que negou qualquer tipo de proposta nesse sentido. "Os ministros podem ter opiniões pessoais sobre vários temas. Mas uma opinião, um projeto, uma medida só passa a ser do governo quando legitimada pelo presidente da República", afirmou Rui Costa.
Além de Lupi, outro ministro que teve que recuar de declarações polêmicas foi o do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho. Na quarta-feira (4), Marinho disse em entrevista ao jornal O Globo que a pasta pretendia acabar com a modalidade de saque-aniversário do FGTS. No dia seguinte, no entanto, o ministro afirmou que a manutenção ou não modelo será "objeto de amplo debate junto ao Conselho Curador do FGTS e com as centrais sindicais". "A nossa preocupação é com a proteção dos trabalhadores e trabalhadoras em caso de demissão e com a preservação da sua poupança", afirmou.
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