Além de políticos, a CPI da Covid tem ouvido diversos depoimentos de empresários suspeitos de envolvimento em corrupção durante a pandemia. No fim de agosto, por exemplo, Roberto Pereira Ramos Júnior depôs aos senadores. Ele é diretor do FIB Bank, empresa suspeita de ter emitido uma carta de fiança irregular para a Precisa Medicamentos poder fechar o contrato de venda da vacina indiana Covaxin ao Ministério da Saúde.
Casos como esse trazem à tona, mais uma vez, como a corrupção no setor privado pode respingar na vida pública. Na história recente do país, o esquema de desvios bilionários revelado pela Operação Lava Jato – que teve a participação de gigantes da construção civil como Odebrecht, OAS e Camargo Côrrea – é o exemplo mais célebre dessa realidade. Mas o potencial de danos sociais da corrupção no mundo corporativo vai muito além desses casos emblemáticos com grande repercussão midiática.
Uma pesquisa de 2020 da consultoria internacional PwC mostrou que as fraudes e crimes econômicos atingiram 46% das empresas brasileiras entre 2018 e 2019. Os casos mais comuns foram de suborno e corrupção ou de fraudes contábeis.
Melillo Dinis, advogado especialista em combate à corrupção e diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), explica que os subornos em empresas podem envolver, por exemplo, a concessão de bônus indevidos a funcionários em troca de favores ou a destinação de recursos ilícitos por meio de violação da contabilidade da empresa. E isso pode ocorrer em uma relação interna ou com o poder público.
Já a fraude contábil, segundo o especialista, envolve “dar um ar de legalidade a uma operação ilícita ou a uma troca de favores com o objetivo de ludibriar os sócios da empresa, inclusive os acionistas”.
Outra prática comum dentro de empresas brasileiras, conforme identificou a pesquisa da PwC, é o roubo de ativos. “Por exemplo, o funcionário ou dirigente da empresa que enriquece ilicitamente retirando o dinheiro da própria empresa por mecanismos obscuros ou obtusos”, explica Dinis.
Em 2018, uma pesquisa global da consultoria Ernst & Young apontou que 96% dos executivos brasileiros acreditam que práticas de suborno e corrupção ocorrem em seus negócios. A taxa brasileira foi a mais alta entre os 55 países que participaram do estudo.
Lei Anticorrupção Empresarial ajuda, mas impacto deve demorar
Segundo os especialistas, uma contribuição importante para combater a corrupção no setor privado veio por meio da Lei Anticorrupção Empresarial, que vigora no Brasil desde 2014. “Nós temos, a partir da lei, um conjunto de novidades, como a ideia dos sistemas de integridade ou ‘compliance’. Foi uma revolução. Esse tema não existia no Brasil, do ponto de vista das empresas”, afirma Melillo Dinis.
O compliance, por si só, não reduz a corrupção, ressalta o especialista. Mas “cria um caldo de cultura, de atitudes e de sistemas que ajudam a combater a corrupção dentro das empresas”.
A evolução dos departamentos de compliance nas empresas nos últimos anos também é vista como positiva pelo procurador de Justiça Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Segundo ele, essa tendência representa “a assimilação progressiva dos valores da ética e integridade no mundo empresarial”. “Essa absorção é lenta e gradual, pois estamos falando de uma mudança de cultura que acontece ao longo das gerações”, diz.
No entanto, segundo ele, muitas empresas ainda usam “programas de prateleira” para fazer marketing dizendo ao mercado que têm compliance. “O desafio é inocular compliance no DNA das ações da organização, e isso precisa vir do topo da organização”, afirma Livianu.
Dinis avalia que o Brasil foi capaz de elaborar uma legislação superior à de países como Estados Unidos e Inglaterra, que costumam ser usados como referência. “Na América Latina, é o primeiro país que faz uma legislação com esse grau de importância”, afirma. “Ela consegue abarcar o fenômeno da corrupção empresarial de uma maneira mais objetiva e estabelece uma relação de controle inclusive nas relações de negócio internacionais, entre as multinacionais”, acrescenta.
Uma avaliação mais conclusiva sobre o impacto da lei, contudo, deve demorar. “Vai levar uma geração, talvez duas, para a gente avaliar concretamente”, afirma Dinis.
Gravidade dos casos não justifica generalizações sobre empresários, diz especialista
A gravidade de alguns casos de corrupção praticados por altos executivos de empresas não pode ser um motivo para fazer generalizações sobre o comportamento ético de empresários, pondera Melillo Dinis.
“Para mim, a premissa de que você pode atribuir a grupos sociais um pouco mais ou um pouco menos de consciência [no combate à corrupção] é furada. Medir sentimento de justiça e integridade é algo absolutamente impossível”, afirma ele.
Uma abordagem mais honesta, segundo o especialista, é correlacionar a dimensão dos recursos financeiros com a propensão a atos corruptos. “Onde houver muito fluxo de dinheiro, você pode ir atrás, que tem algum tipo de operação que levará a uma relação de corrupção.”
A pandemia é um exemplo disso, observa ele, por causa da quantidade de dinheiro que foi colocada à disposição para o enfrentamento da Covid-19. E, no ramo da contratação pública, o setor de infraestrutura é, historicamente, um dos que mais atraem corrupção. “Nos projetos de infraestrutura, o Brasil tem uma longa tradição de uma relação promíscua entre a indústria da construção civil e o poder público”, destaca o especialista.
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