Apesar do alinhamento ideológico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com o presidente da França, Emannuel Macron, na área ambiental, o petista não deverá encontrar um cenário favorável para que o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia saia do papel durante a sua passagem pela Europa. O tratado será um dos principais pontos do encontro bilateral entre as duas lideranças nesta sexta-feira (23).
O Brasil tem enfrentado dificuldade em costurar um acordo que integre comercialmente os dois blocos. Enquanto Lula defende que o tratado seja consolidado ainda este ano, Macron coloca cada vez mais barreiras na negociação. O petista, porém, aposta na boa relação que tem com o francês para conseguir destravar o acordo.
Lula e Macron têm uma relação amigável antes mesmo do brasileiro se eleger para seu terceiro mandato. O francês foi um dos primeiros presidentes a parabenizar Lula pela sua eleição em 2022. Entusiastas da pauta ambiental, os dois chegaram a se encontrar ainda em maio deste ano, no Japão, durante a cúpula dos G7. Na ocasião, foram discutidos temas como a preservação da Amazônia, a guerra entre Rússia e Ucrânia, cooperação em energia nuclear e o desenvolvimento sustentável. Nesta sexta (23), no entanto, a reunião pode ter um contexto menos amigável.
"Vou almoçar com o Macron e quero discutir a questão do Parlamento francês, que aprovou o endurecimento do acordo Mercosul e União Europeia", disse Lula durante live nesta segunda-feira (19).
Na prática, o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia tem que ser aceito por todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. Há uma semana o Parlamento francês rejeitou a ratificação do acordo, ou seja, não o aprovou internamente no país. Na ocasião, deputados franceses disseram que só vão aceitar o tratado se ele incluir uma cláusula nova que vem sendo discutida no âmbito da União Europeia. Ela aumenta as exigências de preservação ambiental na Amazônia e já foi criticada por Lula.
"A União Europeia não pode ameaçar o Mercosul se o Mercosul não cumprir isso ou aquilo. Olha, se nós somos parceiros estratégicos, você não tem que fazer ameaças, você tem que ajudar. Então, eu vou conversar muito com o presidente da França”, disse Lula durante a live na segunda-feira (19).
Ainda que o ato aprovado pela Assembleia Nacional da França não tenha força de lei, ele é considerado simbólico, tendo em vista que a votação ocorreu logo após o encontro entre a líder do bloco europeu, Ursula von der Leyen, e o presidente Lula. Na ocasião, o acordo foi apresentado como prioridade nas relações entre Brasil e a UE.
O protecionismo da União Europeia
Até o momento, as exigências ambientais impostas pela França são responsáveis pelos principais entraves para que o acordo comercial seja chancelado. Em negociação aprovada pelo Parlamento francês em 2020, os deputados pedem que os agricultores sul-americanos respeitem as mesmas regras ambientais e sanitárias da Europa, além de respeitar os objetivos previstos no Acordo de Paris sobre o clima.
"A carta adicional [cláusula nova do acordo] que a UE enviou ao Mercosul é inaceitável porque pune qualquer país que não cumpra o Acordo de Paris. Nem eles [União Europeia] cumpriram o Acordo de Paris", disse Lula em entrevista coletiva na Itália. O pacto tem o intuito de reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global. O Brasil estabeleceu suas próprias metas de redução de emissões quando assinou o documento e ainda se comprometeu com a eliminação total do desmatamento ilegal até 2030.
“A União Europeia, sem crítica direta ao grupo, a nenhum dos países diretamente, tem um viés muito protecionista. E nós estamos reavaliando o acordo. Esse documento [com demandas da UE] é extremamente duro e difícil, criando uma série de barreiras e possibilidades, inclusive de retaliação, de sanções”, disse o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira.
Para especialistas, no entanto, a narrativa que o governo francês tem adotado é uma desculpa para evitar que o acordo seja fechado. Além disso, enfrentando uma baixa popularidade no seu país, Macron não quer ser o responsável por fechar um acordo que poderia tirar a França e outros países europeus do radar agrícola.
Para o presidente do Agência do Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, o impasse para fechar o acordo sempre partiu da União Europeia e pode levar mais algum tempo para ser concluído. "São 27 países [que integram a UE] com opiniões completamente diferentes e as negociações, além de agradar a todos, precisa ser aprovada por todos, o que dificulta sua conclusão", analisa.
Ainda segundo o especialista, países como a França e a Irlanda se sentem ameaçados pela proposta que pode deixá-las em um ostracismo. "O Brasil é muito competente perante a França no que diz respeito ao agronegócio. Portanto, se você abre o mercado, a França vai ser 'engolida' pelo Brasil. Por isso que ela e Irlanda colocam dificuldades no acordo – Irlanda pela produção de carne e França pelo agronegócio", explica.
Na intenção de se proteger, o bloco europeu cria barreiras ambientais para adiar o fechamento do acordo. Em 2019, sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o texto do acordo chegou a ser finalizado e assinado pelo chefe do Executivo brasileiro, mas não obteve assinaturas do outro lado. À época, a União Europeia impôs uma série de travas sob alegação de que o mandatário brasileiro deveria preservar a Amazônia e adotar medidas para redução climática.
Com posicionamentos antagônicos, o acordo com Bolsonaro não surtiu efeito e ficou congelado desde então. Lula historicamente adota a postura de defensor do clima e das pautas ambientais. Agora se agarra a isso para tentar reverter as negativas da França, mas essa estratégia não tem surtido efeito.
O petista acreditou que conseguiria fechar o acordo entre os blocos ainda neste primeiro semestre, mas deu de cara com novas barreiras criadas pela França. Para Castro, a presença de Lula na França, nesta semana, é vista como mais uma tentativa de mostrar ao bloco o "outro lado" da história.
Acordo é vantajoso para União Europeia e para o Mercosul
O acordo entre os dois blocos vem sendo costurado desde 1999 e é estruturado em três pilares, o do diálogo político, da cooperação e do livre comércio. Apesar do que acreditam alguns países que formam o bloco europeu, a aliança comercial traria vantagens aos dois lados da moeda.
"O Mercosul e a UE representam, somados, PIB de cerca de US$ 20 trilhões, aproximadamente 25% da economia mundial, e mercado de aproximadamente 780 milhões de pessoas. O acordo constituirá uma das maiores áreas de livre comércio do mundo", defendeu o extinto Ministério da Economia, em publicação de 2019.
O tratado visa remover tarifas comerciais de uma série de produtos, o que os deixaria mais baratos para importação e consumo, além de favorecer a exportação de bens para ambos os blocos. O acordo também prevê a redução de barreiras, sejam elas tarifárias ou não, e facilitaria o comércio entre os dois lado.
O presidente da AEB ainda explica que a negociação abriria espaço para que os dois lados "desenvolvam ações para tornar o comércio mais livre e os produtos mais competitivos". Além de criar um mercado com cerca de 800 milhões de consumidores, a adesão mudaria a forma como a União Europeia enxerga as negociações comerciais com o Brasil, isso porque as altas tarifas e taxas dos produtos deixam a concorrência europeia em desvantagem em relação à brasileira.
Além disso, a negociação abria mercado para a importação e exportação de novos produtos entre os dois blocos, bem como o aumento de fluxo de importação e exportação de manufaturados e industrializados. "O Brasil busca aumentar esse fluxo e fazer com que as filiais de empresas europeias que estão no Brasil, industrialmente falando, exportem para todas as outras filiais", explica.
Governo vê com desconfiança o posicionamento da França na costura do acordo
Reservadamente, integrantes do governo Lula admitem que veem com desconfiança o posicionamento da França na costura para que o acordo seja finalizado. A avaliação interna é de que as exigências dos franceses refletem "as preocupações protecionistas de segmentos europeus", principalmente do setor agrícola.
"Defendemos sobretudo não ratificar este acordo comercial. Esse tratado seria o último prego no caixão da agricultura francesa", declarou o deputado Frédéric Falcon durante sessão Assembleia Nacional da França.
Ainda em fevereiro, Emannuel Macron indicou que o acordo comercial só teria seu apoio caso os países latino-americanos se submetam às mesmas normas ambientais que os europeus. O posicionamento do presidente francês ocorreu durante encontro com um grupo de agricultores e pecuaristas.
"Um acordo com os países do continente latino-americano não é possível se eles não respeitarem como nós os acordos de Paris (de combate às mudanças climáticas) e se não tiverem as mesmas exigências ambientais e sanitárias que impomos aos nossos produtores", disse Macron na ocasião.
Apesar disso, os aliados de Lula avaliam que o tratado deve sair do papel até o final deste ano com apoio dos demais países da União Europeia. O petista também tratou do tema durante seu encontro com o presidente da Itália, Sergio Mattarella, nesta quarta-feira (21) durante a passagem por Roma.
Nesta terça-feira (20), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) afirmou que os “ajustes” no acordo Mercosul União Europeia trarão um “ganho importante na geopolítica mundial”. "Com ajustes é um ganho importante para ambos e importante na geopolítica mundial. No momento de conflito, dificuldade política, isso é um gesto que pode fazer diferença na geopolítica mundial, unindo países como o Brasil, líder na América Latina, com a União Europeia”, disse Alckmin.
Em estratégia, governo brasileiro adia reunião com UE para discutir o acordo
Observando novos recuos dos franceses e sem perspectiva do que se esperar do encontro com Macron nesta sexta (23), a reunião presencial entre os blocos para discutir o acordo foi adiada.
O encontro estava marcado para acontecer no final da próxima semana em Buenos Aires, na Argentina. O Brasil pediu mais tempo para pensar na contraproposta feira pela organização europeia.
O Brasil também pode esperar para "dar um gás" nas negociações. Ainda que a atual presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, se mostre favorável ao acordo, o bloco passa por mudanças no próximo semestre. Na segunda parte do ano, a Espanha passa a assumir a presidência do Conselho da União Europeia – o país é um dos maiores entusiastas do acordo na UE e pode facilitar as negociações.
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