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No G20, Lula vai ecoar discurso ambientalista e por reforma em lideranças globais| Foto: Ricardo Stuckert/PR

O Brasil assume, pela primeira vez, a presidência rotativa do G20 para o próximo ano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará à frente do bloco e deve repetir discursos sobre algumas de suas pautas recorrentes - meio ambiente, combate à desigualdade e reforma de lideranças globais. Tais esforços, porém, podem não surtir efeitos concretos, de acordo com analistas ouvidos pela reportagem.

Para o cientista político e diretor de Projetos do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, Marcelo Suano, Lula tem apresentado contradições ao tentar promover sua imagem ao resto do mundo. Enquanto faz apelos pela região amazônica e busca se posicionar como um líder ambientalista, o petista não se opõe à exploração de petróleo da foz do Rio Amazônia, por exemplo. O tema foi um dos que gerou desconforto entre os países amazônicos durante a cúpula no Pará. No evento, a Cúpula da Amazônia, as nações que compartilham o bioma sequer chegaram a um consenso sobre o "desmatamento zero".

“Enquanto Marina Silva [ministra do Meio Ambiente] e líderes ambientalistas são contra essa exploração na Amazônia, Lula e alguns aliados se posicionam a favor ao dizer que precisa explorar. [Segundo ele], se nós não explorarmos, outro país o fará”, afirma o especialista.

Suano relembra também que o petista propôs um financiamento para a Argentina com o intuito de terminar o gasoduto Néstor Kircher na região de Vaca Muerta. A obra utiliza a extração de gás natural por meio do método de fracking, considerada uma das mais poluentes do mundo.

“Ele [Lula] vive essa contradição porque ele sabe dessa lógica e dessa necessidade, mas ele criou a imagem que ele é o grande protetor do meio ambiente e tem se vendido assim para o mundo”, pontua.

Nicholas Borges, consultor de análise política da BMJ Consultores Associados, explica que tal contradição também vem da alta dependência que o Brasil tem do petróleo. Nesse contexto, o Lula acaba comprando discussões ambiciosas, mas que não vão ter consenso, já que “grande parte da representação da economia brasileira ou da participação da Petrobras, também a nível internacional, diz respeito à exploração do petróleo”.

O petista viajou para a Índia nesta quinta-feira (7), onde irá participar da 18ª Cúpula do G20, em Nova Délhi. No encontro, o Brasil recebe do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que esteve na presidência rotativa, o título de presidente do bloco.

Formado pelas 20 maiores economia do mundo, o G20 é um órgão com menor potencial efetivo do que o G7, o grupo formado por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Borges explica que o G20 se trata de um espaço em que os países discutem medidas políticas e econômicas, mas que muitas vezes esses debates têm apenas caráter sugestivo.

“Os debates do G20 não necessariamente se convertem em políticas públicas a nível global. Na verdade, esse é o momento para eles [países que integram o bloco] debaterem preocupações centrais para o desenvolvimento da economia e da política internacional em si”, explica o consultor de análise política.

Lula mira discurso ambiental, mas não há consenso  

Se tais questões não são consenso nem dentro do governo Lula, elas encontram ainda mais percalços no G20. Composto por 19 países (Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, República da Coreia, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos) e a União Europeia, os países que compõem o bloco enfrentam uma série de divergência políticas e ideológicas.

Dentro do G20, Borges pontua que o petista vai mirar em discussões ambientais com a intenção de "marcar posição" como uma liderança sobre o tema. “A pauta ambiental é algo importante porque o G20 também reúne alguns países da União Europeia, então seria um espaço propício para o presidente Lula reafirmar o compromisso do Brasil com o tema”, analisa.

Na visão do especialista, essa estratégia pode ter como finalidade destravar as negociações entre o Mercosul e a União Europeia. Os dois blocos negociam, há mais de 20 ano, um acordo de livre comércio. Em 2019, sob gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o acordo demonstrou um grande avanço, mas está estagnado desde então.

Neste ano, o bloco europeu fez uma série de novas exigências, em grande parte envolvendo a preocupação ambiental com as políticas climáticas sul-americanas, para que o acordo fosse finalmente ratificado. Para Lula, as cobranças são “inaceitáveis”.

Nos últimos meses, uma das estratégias de Lula foi reativar a OTCA (Organização dos Tratados de Cooperação da Amazônia) e sediar a Cúpula da Amazônia com todos os países que formam o bioma.

Nesse encontro, que aconteceu no Pará, em julho, líderes dos oito países que compõem a Amazônia e outros convidados tiveram discussões sobre a coordenação da região. O evento, no entanto, escancarou rachaduras entre esses países e preferências contraditórias do mandatário brasileiro.

“A gente viu que no discurso é tudo lindo, ‘vamos utilizar a pauta de desenvolvimento ambiental das mudanças climáticas’, mas foi possível perceber que não existe consenso sobre isso”, afirma o especialista.

EUA e G7 observam com cautela aproximação do Brasil com Rússia e China

Enquanto a União Europeia cobra o Brasil e demais países sul-americanos pela preservação ambiental, Estados Unidos e os países do G7 observam com cautela os últimos movimentos que o Brasil tem feito em direção à Rússia e à China. Nações do Ocidente também cobram uma postura mais incisiva de Lula sobre a guerra da Ucrânia.

Desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022, a Rússia tem sido isolada pelos países do Ocidente. Sofrendo uma série de sanções do resto do mundo, Vladimir Putin se aliou ao autocrata chinês, Xi Jiping. O presidente da China foi um dos poucos do mundo que declarou apoio ao russo no contexto da guerra.

Um claro opositor dos Estados Unidos e das tradicionais governanças globais, a China tem buscado “financiar” países emergentes e em desenvolvimento com o intuito de angariar cada vez mais aliados na “guerra fria 2.0” que enfrenta contra os EUA. Estratégia essa que, nos últimos anos, prendeu ainda mais os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em sua teia de investimentos.

Atualmente, a China é a principal parceira econômica desses países e tem se aproximado cada vez mais de outras nações que não compram o discurso do G7. Desde que novos países foram anunciados como novos membros dos Brics, o G20 passou a ser composto, em tese, de dois blocos antagônicos.

Nesse contexto, Lula chega à presidência do G20 encontrando um bloco rachado e marcado por diferenças, o que pode dificultar seu desejo por grandes reformas envolvendo lideranças globais.

Contexto geopolítico pode dificultar discurso de Lula por uma reforma das lideranças globais

Ainda que os Brics deem declarações de que não querem se opor ao Ocidente, a recente mudança anunciada pelo bloco não corresponde a esse discurso. Sem esclarecer os critérios de escolha dos países que vão passar a integrá-lo no próximo ano, ficou claro que a grande maioria compartilha um discurso que se opõe ao dos Estados Unidos.

Para Marcelo Suano, o atual contexto geopolítico deixa os países-membros do G20 em uma situação desconfortável. "Como que o Brasil vai definir uma pauta de reforma no sistema financeiro mundial em um contexto de crise internacional e de guerra?", analisa.

O especialista ainda pontua que a guerra da Ucrânia deve ser outro ponto delicado do encontro deste final de semana. Enquanto Lula tem se esquivado de fazer crítica à Rússia pelo conflito e já chegou a afirmar que a Ucrânia também seria responsável pelo conflito, os países do G7 e da União Europeia criticam o petista por tal postura.

"O Brasil não quer tratar da guerra neste momento e por isso ele tem falado só de meio ambiente e de questões de desenvolvimento. Ele não quer tratar da guerra da Ucrânia, porque ele é definido, dentro da realidade que temos no G20, como pró-Rússia", analisa Suano.

Após a viagem para participar do G20, Lula vai para Cuba, onde participa da Cúpula G77 e, em seguida, vai para os Estados Unidos para a Assembleia Geral da ONU. Nesta última, o petista tem um encontro com o presidente Joe Biden.

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