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Políticos e entidades representativas de juízes e procuradores, e de combate à corrupção reagiram à fala do líder do governo Bolsonaro na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), que defendeu a construção de uma nova Constituição para o Brasil para conter juízes e procuradores.
Segundo Barros, a Constituição atual torna o país ingovernável, além de fomentar um ativismo político do Poder Judiciário. “Eu defendo uma nova Assembleia Nacional Constituinte. Acho que devemos fazer um plebiscito como fez o Chile para que possamos refazer a Carta Magna e escrever muitas vezes nela a palavra deveres, porque nossa Carta só tem direitos. É preciso que o cidadão tenha deveres com a nação”, disse.
Para o presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu, a fala de Barros foi autoritária. “Quando você vem com esse discurso de querer amordaçar aqueles que integram o Judiciário e o Ministério Público, é um discurso sintomático, característico do autoritarismo daqueles que não aceitam a ideia da separação dos poderes, a própria essência democrática, as instituições independentes”, disse Livianu. O procurador ressaltou, ainda, que Barros é alvo de investigações de corrupção.
“Essa declaração do líder do governo tem uma leitura, para mim, de um desejo de retorno ao tempo do absolutismo em que o Judiciário e o Legislativo não tinham independência, e que não havia possibilidade de cada um cumprir seu papel de maneira independente”, afirmou Livianu.
Para o presidente do Instituto, é sintomático que essa fala ocorra em um momento de ataques do Legislativo ao combate à corrupção. “É importante que se observe essa reação no momento em que percebemos que no Congresso Nacional uma lei que é o principal instrumento de proteção ao patrimônio público — que é a Lei de Improbidade Administrativa — é alvo de um ataque covarde por parte de um substitutivo apresentado por um deputado que não foi colocado sobre a mesa com transparência, circulou clandestinamente, sem publicização”, destaca.
Para Livianu, não é o momento de se falar em nova Constituição para o país. “Acho perigosíssimo, poderíamos ter truculências, oportunismos e retrocessos, especialmente nos direitos sociais”, opina.
O presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Eduardo André Brandão, disse que a declaração de Barros vai na contramão dos anseios sociais. “Dizer que a Constituição não serve e precisa ser feita outra por causa dessas apurações, dessas operações, é uma ligação que não tem nada a ver. É uma declaração na contramão do que a sociedade espera e busca”, disse.
“Uma nova Constituição é coisa muito séria, você traz uma instabilidade. A gente entende que não é necessária uma nova Constituição, muito menos por esse motivo. A transparência que a população cobra dos órgãos de controle e de todas as atividades públicas não seria um erro da nossa sociedade. Pelo contrário, é um acerto dos últimos anos, da evolução do cuidado com o dinheiro público”, disse Brandão.
A Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) afirmou ver com preocupação as declarações do líder do governo na Câmara, “que atacam a Constituição Federal, o Poder Judiciário e os direitos e garantias que fundamentam o Estado de Direito”.
“O intento de conduzir medidas fora do estabelecido pela Constituição denota a intenção de cercear a autonomia e a independência dos membros do Judiciário para a fiscalização e a aplicação da lei. Em momentos de crise, os princípios fundamentais da República devem ser preservados, como a pluralidade política, a separação harmônica entre os poderes e as prerrogativas dos integrantes do sistema de Justiça. Não há solução para crises fora da ordem constitucional”, disse a entidade.
A Frentas é formada por entidades como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Associação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (AMPDFT), Associação Nacional do Ministério Público Militar (ANMPM) e Associação dos Magistrados do Distrito Federal e Territórios (AMAGIS-DF).
Última barreira para proteger cofres públicos
O procurador aposentado e ex-integrante da Lava Jato, Carlos Fernando Lima, também criticou a fala do líder do governo na Câmara. “Na promulgação da Constituição de 1988, o deputado federal Ulysses Guimarães enfatizou que o espírito da então nova Constituição era a de ‘não roubar, não deixar roubar, e colocar na cadeia quem roube’. Talvez seja esse o incômodo do deputado Ricardo Barros, pois a polícia, o ministério público e o Judiciário, especialmente no primeiro grau, são as últimas barreiras protegendo os cofres públicos da corrupção sistêmica da nossa política”, disse.
Segundo Lima, o problema do Brasil é a “incapacidade de limparmos a política brasileira desses que roubam, deixam roubar e impedem que os ladrões fiquem na cadeia”.
O ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, Sergio Moro, criticou as falas do líder do governo na Câmara. Moro se manifestou pelo Twitter, afirmando que o que dificultou a governabilidade no Brasil foi a corrupção e a irresponsabilidade fiscal. “O que dificultou a governabilidade do Brasil nos últimos anos foi a corrupção desenfreada e a irresponsabilidade fiscal, não a Constituição de 1988 nem a Justiça ou o MP”, rebateu Moro.
Repercussão política sobre proposta de nova Constituição
O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) também condenou a fala de Barros. Para o senador, propor a elaboração de uma nova Constituição no Brasil "sem nenhum fato histórico significativo é querer provocar uma ruptura".
"E isso é particularmente grave em um momento em que as instituições já estão frágeis e o país profundamente dividido", completou o senador.
"Uma nova constituição exige, por assim dizer, um momento constitucional, um sentimento coletivo acerca de uma mudança de paradigma, a superação de antigas coisas e a reformulação de novas", disse Dias. "Querer decidir nesse momento sobre o futuro da nação é loucura", finalizou.
No Twitter, o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) afirmou que a afirmação de Barros “demonstra uma ignorância política e histórica”. “A Constituição Federal de 1988 gerou a estabilidade político-institucional que nos permitiu passar por dois impeachments, crise econômicas e políticas, sem ruptura institucional. O Chile fez ontem o que fizemos em 1988. A Constituição do Chile é da Ditadura de Pinochet, a nossa é da Democracia”, defendeu.
O deputado Fábio Trad (PSD-MS) também se posicionou contra a redação de uma nova Carta Magna. “Ricardo Barros, líder do governo, quer uma outra Constituição. Sou contra. O exemplo do Chile não nos serve. Lá, evoluíram da ditadura para a democracia. E aqui? Será que querem o contrário ? Sou contra. Viva a Constituição cidadã de 1988!”, escreveu.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também rebateu a declaração de Barros. "A situação do Chile é completamente diferente da do Brasil. Aqui, o marco final do nosso processo de redemocratização foi a aprovação da nossa Constituição em 1988. No Chile, deixaram está ferida aberta até hoje", disse, em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP), via Twitter, escreveu que é preciso parar de culpar a democracia e colocar em prática a Constituição que o país tem. "É absurda a fala do líder do governo pedindo uma nova Constituição, pois, segundo ele, o Brasil se tornou ingovernável. É comum que governos autoritários, incapazes de reconhecer sua incapacidade, culpem a democracia. O que precisamos é colocar a nossa Constituição em prática!"
Barros diz que Legislativo se sente acuado
Para Ricardo Barros, é importante escrever uma nova Constituição para reequilibrar os poderes e conter o ativismo de órgãos de controle. “Quando eu falo em reformar a Constituição, eu penso também em equilibrar os poderes. O poder fiscalizador ficou muito maior do que os demais e numa situação incompreensível de inimputabilidade. Juízes, promotores, fiscais da Receita, agentes do Tribunal de Contas da União, da Controladoria-Geral da União provocam enormes danos com acusações infundadas e nada respondem por isso”, criticou o vice-líder do governo.
Segundo o parlamentar, o Poder Legislativo se sente acuado por órgãos de controle. “O Legislativo se sente acuado, muitas vezes, por quase uma chantagem que lhe é imposta, por uma intimidação que lhe é imposta por órgãos de controle, por um ativismo político visível que atinge a todos aqueles que assumem posição de protagonismo, que coloca todos sob acusações”, disse Barros, que é um crítico ferrenho à operação Lava Jato. A declaração do líder do governo ocorreu no evento “Um dia pela democracia”, organizado pela Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).