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Na busca para contrabalançar a influência que ONGs vinculadas a iniciativas internacionais utilizam para frear o desenvolvimento econômico e social do Brasil, instituições em defesa do liberalismo, da democracia, do livre mercado e da liberdade de expressão têm atuado para articular e estruturar a ação da direita brasileira.
Elementos do cenário político atual que engloba o ativismo do Judiciário, proliferação de notícias falsas, restrições à liberdade de expressão e a inegilibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) criaram condições para o surgimento de uma nova geração de think tanks e institutos de direita, como a Iniciativa Dex, formada por profissionais liberais e a Academia Brasileira de Política Conservadora, vinculada ao Partido Liberal.
Desde a década de 1980, o surgimento e as atividades dessas iniciativas estava essencialmente vinculado a momentos de embate político. Institutos como o Liberal e o de Estudos Empresariais, precursores desses grupos, foram criados nos anos de 1980, na época do movimento Diretas Já.
Na primeira década do ano 2000, escândalos como o Mensalão eram o pano de fundo sobre o qual foram constituídos o Instituto Milenium e o Mises Brasil. A década seguinte viu o alcance e a visibilidade dos think tanks de direita como o Movimento Brasil Livre ou o Ranking dos Políticos aumentar grandemente seguindo as manifestações massivas que tomaram as ruas do país.
Atualmente, uma nova safra de iniciativas, como o Dex e a Academia Brasileira de Política Conservadora iniciaram suas atividades. O cientista político e professor do Ibmec Adriano Cerqueira explica que no Brasil, para os liberais e conservadores, é clara e nítida a necessidade de atuação dos think tanks, em razão da ausência de uma presença partidária forte que reúna a toda a direita, a exemplo do que o PT faz com a esquerda.
“Como partido, o PT consegue organizar bem os seus eventos, encontros e disseminar suas ideias de uma forma bastante competente. A direita é mais pluralizada e pulverizada também. Nesse sentido, ela precisa muito dessas instituições”. Cerqueira afirma que liberais e conservadores ainda se valem da organização de congressos e de eventos em todo o país. “Eles estão também, aos poucos, procurando organizar a participação da direita”.
Organizar a sociedade civil para influenciar na política e nos rumos do país
Cerqueira explica que, em todo o mundo, os think tanks funcionam como instituições de pesquisa, que agregam estudiosos, pessoas que têm influência junto aos meios de comunicação, às universidades e à classe política. “Basicamente eles são criados para organizar um conjunto de ideias visando a promoção de alguma doutrina política, de algum pensamento político específico”, afirma.
Por essa razão, eles acabam unindo pessoas que desejam, de algum modo, discutir aspectos da política contemporânea, com o objetivo de promover a disseminação dos valores e das ideias que defendem. Ou seja, são um modo da sociedade civil se organizar e de influenciar seus próprios rumos segundo determinados princípios, valores e parâmetros.
Assim, diante de uma derrota eleitoral da direita, na pessoa do ex-presidente Jair Bolsonaro no ano passado, e da volta da esquerda petista à presidência do Brasil, iniciativas liberais e conservadoras que buscam organizar os cidadãos alinhados a seu pensamento e valores ganham força entre os descontentes com a atual situação política.
Novíssima geração de think tanks de direita
Fundamentado na base liberal-conservadora, a Iniciativa Dex é uma das principais novidades no cenário dos novos think tanks. Englobando advogados, médicos, policiais e militares da reserva, ele surgiu desse grupo de profissionais liberais não ligados à política tradicional que se organizaram para valorizar e promover o pensamento brasileiro de direita me meio a uma enxurrada de propaganda e informações falsas, promovida por organizações nacionais e internacionais no Brasil.
O objetivo do instituto é organizar de forma estratégica o pensamento e as ações de conservadores em todo o país, a fim de contrabalançar a atual campanha de desinformação e de desconstrução social que tem sido encampada pela esquerda progressista.
Nesse sentido, o Dex se propõe a estruturar respostas e ações para a parcela da sociedade que percebe a profunda inversão de valores vigente nos dias de hoje. Italo Avena, diretor do DEX, cita a “novíssima ordem mundial” como responsável por muitas das questões que têm mobilizado e levado instituições de direita agirem de forma mais coesa e organizada.
“É uma corrente de poder que tem atuado para desconstruir a civilização ocidental milenar, sob a égide do progressismo, do globalismo e da guerra híbrida. E esse ataque é direcionado para a inversão e desconstrução dos valores que são as bases da civilização ocidental”, afirma ele.
O think tank Iniciativa Dex vem sendo estruturado desde o ano passado e foi lançado oficialmente no final de novembro. Ele possui núcleos em 22 Estados e é financiado pelos próprios associados. Suas atividades são focadas na produção e difusão de ideias de direita por meio de estudos, artigos e aulas on line e presenciais e na organização de indivíduos e grupos para ações políticas.
No caso da Academia Brasileira de Política Conservadora, iniciativa do Partido Liberal, a ideia é fomentar e disseminar os princípios do conservadorismo e liberalismo no país.
A iniciativa vai oferecer uma plataforma educativa e formativa de vídeos com temas essenciais ao conservadorismo, como a defesa das liberdades, da democracia, família, propriedade privada e religião.
Ligada ao Partido Liberal, a pecualiaridade da Academia Brasileira de Política Conservadoran é que não está voltada para líderes políticos ou militantes, mas para o cidadão comum. A iniciativa é vinculada ao Instituto Álvaro Valle, fundação do Partido Liberal.
O evento de lançamento foi realizado em Natal e contou com nomes de peso da direita brasileira, como o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, o presidente de honra da legenda, Jair Bolsonaro, e o presidente do partido no Rio Grande do Norte, senador Rogério Marinho.
Circunstâncias urgem respostas
Não é a primeira vez que as circunstâncias impelem a organização da direita no Brasil. Após a virada do milênio e a chegada de novos paradigmas mundiais como a globalização e a internet, por exemplo, os anos 2000 também foram palco para o surgimento de diversas think tanks.
No Brasil, o escândalo do Mensalão no primeiro governo Lula foi um ponto crucial para que a organização da direita. Fundado em 2005, o Instituto Millenium é um dos que alcançou maior relevo no cenário nacional e seu prestígio se mantém até os dias atuais. A iniciativa, de cunho liberal, foi protagonizada pela economista Patrícia Carlos de Andrade.
Com o objetivo de promover valores e princípios para a garantia de uma sociedade livre, com liberdade individual, economia de mercado, democracia representativa e Estado de Direito, hoje, o Millenium vislumbra a construção de coalizões estratégicas entre as lideranças brasileiras como uma solução viável para atingir seus objetivos.
“Observamos no Brasil diversas posturas circunstanciais, especialmente no cenário político, onde autoridades e figuras jurídicas frequentemente são guiadas por conveniências, grupos e lealdades tribais. Diferentemente, o Instituto Millenium mantém o foco no futuro, defendendo a liberdade e os mercados, assim como o estado de direito, independentemente das circunstâncias”, disse o CEO do Instituto, Diogo Costa.
Segundo Costa, o Millenium se destaca no cenário dos think tanks no Brasil por sua capacidade de conectar o universo político ao das ideias, discutindo políticas públicas e integrando soluções liberais às ações governamentais.
“Enxergamos a necessidade de estabelecer novas convergências no Brasil, superando a polarização. Isso requer um olhar voltado para o futuro, através de uma agenda liberal renovada. Nossa missão é formar uma nova convergência de lideranças em torno de uma agenda de sociedade aberta e de liberdade no país. Os pilares dessa agenda incluem agilidade institucional, tecnologias emergentes, futuro das cidades, mobilidade social, crescimento econômico e progresso ambiental”, afirma.
Manifestações, impeachment e a volta da direita à presidência
Outro caso recente que demonstra a dimensão que as práticas de institutos como o DEX e o Milenium podem alcançar, é o do Movimento Brasil Livre. A partir de 2013, cresceram as manifestações de rua no Brasil, contrárias ao primeiro governo Dilma e à realização de grandes eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos - ainda que, no início, as reivindicações se resumissem a passagens de ônibus mais baratas.
Conhecidas como Movimento Passe Livre, as manifestações chamaram a atenção de institutos e de ONGs liberais, como a Estudantes pela Liberdade (EPL), a versão brasileira da organização internacional Students for Liberty. Impossibilitados de participar das manifestações pela EPL, em razão de diretrizes do seu estatuto, os integrantes da ONG acabaram por criar o Movimento Brasil Livre (MBL).
Alinhado ao ideário libertário da EPL, o MBL logo se viu protagonista em várias das manifestações que ocorreram nos anos posteriores, ao lado do movimento Vem Pra Rua, que se popularizou nas demonstrações públicas a favor do impeachment de Dilma em 2016. O avanço da operação Lava Jato e o desvelamento de esquemas de corrupção petistas contribuíam para o aumento da insatisfação com a esquerda naquele momento.
Foi nesse cenário que a figura de Jair Bolsonaro, eleito presidente em 2018, ganhou popularidade. À época, Bolsonaro contou com o apoio do MBL e do Vem pra Rua, entre tantas outras alas da direita que se uniram em torno de sua candidatura. No entanto, ao longo da gestão, ambos os movimentos se tornaram contrários ao presidente e ao bolsonarismo, ao ponto de apoiar pedidos de impeachment contra o então presidente.
Hoje, o MBL segue mais fraco, mas com previsão de se tornar um partido político para as eleições de 2026. Um de seus fundadores, Kim Kataguiri, se elegeu deputado federal em 2022 e exerce seu mandato na Câmara dos Deputados representando o Estado de São Paulo pelo partido União.
Ranking dos Políticos influencia ações parlamentares
Em 2011 surgiu outra iniciativa impactaria de forma significativa a política brasileira: o Ranking dos Políticos. Desde seu lançamento, o portal da instituição atualiza constantemente a avaliação de senadores e deputados federais em exercício, classificando-os de acordo com os critérios de combate aos privilégios, aos desperdícios e à corrupção no poder público.
O objetivo do Ranking é conferir maior eficiência ao Estado brasileiro por meio de políticas públicas relacionadas à liberdade econômica, desburocratização e tratamento isonômico entre os agentes econômicos, sem privilegiar partidos ou pessoas, mas com o foco na avaliação objetiva de suas ações.
Um dos principais critérios utilizados no levantamento é o corte de privilégios, que incluem a cota parlamentar e a verba indenizatória utilizadas nos gabinetes de deputados e senadores. O índice compara o valor gasto pelo político, no período total do mandato, com a média de gastos dos demais parlamentares no mesmo período.
A influência do Ranking se tornou tão significativa que políticos e partidos publicam as avaliações de seus parlamentares em exercício, como prova de idoneidade e de cumprimento de suas funções perante seu eleitorado.
Mudanças políticas no país fadcilitam surgimento de novos think tanks
A ação dos think tanks de direita nas mudanças políticas dos últimos traz em seu âmago o exemplo de instituições criadas no século passado. Cerqueira afirma que quando ocorre a organização ou reorganização de algum Estado, a tendência é que os movimentos e partidos políticos também divulguem seu modo de pensar e de organizar suas ações por meio de instituições civis.
"Os think tanks se tornaram muito populares no século XX, quando o termo se tornou popular. Ainda hoje é muito pensado e falado porque se tornou um conceito", explica o professor.
O Brasil também passou por uma grande mudança desde a eleição de Bolsonaro em 2018. Lançada ao poder em parte por anos de fracasso das políticas do Partido dos Trabalhadores, a direita agora tenta se estruturar de forma mais robusta para recuperar o espaço perdido com a chegada ao poder de Lula em 2023.
Um dos precursores dos think tanks brasileiros, o Instituto de Estudos Empresariais (IEE), foi fundado em 1984 durante a redemocratização e o movimento Diretas Já.
Hoje, o IEE segue atuante e conta com mais de 230 representantes em sua busca por incentivar e preparar novas lideranças com base nos princípios da liberdade, responsabilidade individual, respeito à propriedade privada e Estado de Direito. Ao longo de sua existência, inspirou a criação de diversos pares, como os Institutos de Formação de Líderes (IFLs) e o Instituto Líderes do Amanhã.
Contemporâneo e parceiro do IEE, o Instituto Liberal (IL), foi responsável por publicar pela primeira vez no Brasil ícones do liberalismo econômico, como os integrantes da Escola Austríaca de Economia Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, o francês Frédéric Bastiat e a russo-americana Ayn Rand. Ele também divulgou o trabalho de pensadores nacionais, como Alberto Oliva e Ricardo Vélez-Rodríguez.
Personalidades clássicas da história do liberalismo nacional com grande influência política, como Meira Penna, José Guilherme Merquior e Roberto Campos, participaram diretamente das atividades e reflexões do IL, marcando sua trajetória na defesa dos valores liberais no Brasil.
O progressismo também se articula por meio de ONGs
Mas não é somente a direita que se articula por meio de instituições da sociedade civil. A esquerda e o progressismo também se utilizam de ONGs e institutos de estudo e pesquisa para difundir suas ideias e articular suas ações.
Atualmente, a CPI das ONGs no Senado Federal tem demonstrado como algumas dessas organizações, sob a suposta bandeira do ambientalismo, têm travado a execução projetos chave para o desenvolvimento da Região Norte e do Brasil como um todo.
Segundo descobertas feitas por meio de dados obtidos em relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a atuação de Organizações Não-Governamentais (ONGs) no Brasil tem sido financiada por entidades internacionais há anos, embora seus reais interesses, muitas vezes, permaneçam ocultos.
A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), por exemplo, afirma estar investindo, pelo menos R$ 635 milhões no Brasil desde 2014, com previsão de estender suas atividades até 2030. Agora, com a CPI, os parlamentares da oposição querem descobrir se as ações financiadas com essas e outras verbas estrangeiras contrariam os interesses do Brasil.
Até o momento, achados da CPI indicam que a Usaid teria praticado ações e tentativas de interferência no governo brasileiro, especialmente na Amazônia. Mas a natureza dessa interferência ainda está sendo investigada.