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Ao completar no último sábado (28) o primeiro dos dois anos de mandato à frente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso voltou a fazer declarações que têm dado um verniz teórico ao que os críticos da Corte chamam de ativismo judicial – embora ele próprio rechace o uso do termo para explicar o protagonismo do STF nos últimos anos.
Em entrevista à CNN Brasil, ele comparou pedidos de impeachment de ministros do STF à expulsão de jogadores pelo time rival. A metáfora futebolística remete à palestra que proferiu em 5 de julho de 2023, em Porto Alegre, para presidentes dos tribunais de justiça de todo o país. Na ocasião, ele afirmou que, desde a Constituição de 1988, o Judiciário “vive um vertiginoso processo de ascensão institucional”, no qual já se configurou como um “poder político na vida brasileira”.
O perfil de Barroso como ideólogo do “novo Judiciário” se consagrou quando deixou clara a mensagem de que o poder sofreu “mudança na natureza, no papel, na visibilidade e nas expectativas da sociedade”. Para analistas, a fala reflete o pensamento da maioria do STF, a exemplo do “papel moderador” apontado pelo ministro Dias Toffoli no fim de 2021.
Para o cientista político Ismael Almeida, a narrativa de Barroso para tentar dar uma nova função ao STF faz sentido se considerar que o papel de tribunal político não encontra respaldo da Constituição. “Essa pregação tenta então justificar por meio de teses jurídicas algo que foge à previsão legal”, resumiu.
Para jurista, tese de Barroso sobre poder político do Judiciário flerta com ditadura
Para o advogado André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão, ao criticar o impeachment, Barroso definiu ministros como jogadores, que “não só apitam a partida, mas também jogam e fazem regras”. “Essa Corte militante nos impõe jogo desconhecido, baseado na vontade subjetiva de cada um deles e não na Constituição”, criticou.
O Judiciário tem papel crescente na política, com muitos atribuindo isso à personalidade dos juízes, como a de Alexandre de Moraes, do STF. Mas o presidente da Corte assegura que a polêmica atuação reflete “sentimento coletivo”, no qual indivíduos são agentes de interesses majoritários, com tolerância a excessos em nome da eficiência da instituição.
“O império da vontade e da subjetividade, imposto pela força, é a melhor descrição para regimes ditatoriais”, frisa André Marsiglia. O cientista político e professor da Universidade de Brasília, Paulo Kramer, reforça a impressão, destacando que a autoproclamada “vanguarda iluminista” do STF ampliou o poder sem voto, capaz de anular representantes eleitos pelo povo.
Para Kramer, o atual impasse, “que ameaça o regime representativo no país”, tem uma chance de ser superado mediante mudanças regimentais para impedir que o presidente do Senado barre os pedidos de impeachment de ministros do STF apoiados pela maioria dos senadores, além da fixação de mandato para os juízes de tribunais superiores.
Procurado pela Gazeta do Povo para comentar essas análises sobre a sua atuação, Barroso informou por meio de sua assessoria que não se pronunciaria. Em outras ocasiões, porém, ele já disse que as decisões do STF não configuram ativismo judicial.
“Muitos temas que, em outros países, são questões para a discricionariedade do Congresso, no Brasil, foram trazidos para o Direito, para a razão pública da interpretação constitucional pelo Supremo ou pelo Judiciário em geral. Essa é a principal explicação para esse protagonismo do STF”, afirmou em uma entrevista em agosto ao canal Um Brasil. “Desse modo, o Supremo e o Judiciário têm muita visibilidade — e, às vezes, algum protagonismo, mas sem ativismo. Nós cumprimos a Constituição e a legislação”, concluiu.
Deputada vê declarações de Barroso como afronta às leis e razão para impeachment
Na tribuna, no começo do mês, a líder da minoria na Câmara, deputada Bia Kicis (PL-DF), denunciou outra entrevista de Barroso, na qual ele classificava o Judiciário como poder político, o que contraria o princípio republicano. “São tempos sombrios, nos quais inexiste separação de poderes, com o presidente do STF evocando sem constrangimento algo que é papel dos representantes eleitos do Executivo e do Legislativo”, discursou.
Segundo ela, as declarações de Barroso servem para justificar abusos de boa parte dos ministros, mas também são motivo para um pedido de impeachment dele. “Já vimos - nos casos do marco temporal, das drogas e do aborto - ministros legislando. Além disso, sentimos deles a perseguição aos conservadores, tidos como adversários”, destacou.
Durante discurso no Congresso, na celebração do primeiro aniversário do 8 de janeiro de 2023, Barroso acenou, sem sucesso, para uma eventual conciliação entre os poderes, dizendo que “episódios dramáticos definem o caráter de uma nação”.
“Ódio, mentiras e golpismo nunca mais. Que liberais, progressistas e conservadores se unam em torno dos denominadores comuns na Constituição”, destacou.
Barroso falhou ao esboçar discurso de conciliação nacional
Em seu discurso de posse na presidência do STF, em setembro de 2023, Barroso também esboçou um discurso pacificador, sem qualquer resultado concreto. “Estamos no mesmo barco e precisamos trabalhar para evitar tempestades e conduzi-lo a porto seguro. Caso contrário, o naufrágio é de todos”, sublinhou, prometendo a “volta da normalidade institucional”.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada na segunda-feira (30), o presidente do STF disse que espera concluir o mandato deixando como legado “a total recivilização do país”. Para isso, admite ser necessário encerrar os inquéritos chefiados por Alexandre de Moraes, como o do 8 de janeiro, das milícias digitais e das fake news.
Segundo o presidente do STF, a expectativa é de que após as eleições o Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, “tenha condições de definir o que quer arquivar ou denunciar”. “Gostaria que os inquéritos terminassem tão breve quanto possível. Agora, é preciso lembrar que demoraram porque fatos foram acontecendo. E o Supremo desempenhou papel decisivo de enfrentar o radicalismo da extrema-direita”, disse.
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Há 11 anos no STF, Barroso coleciona declarações polêmicas contra a direita
Barroso chegou ao STF em 26 de junho de 2013, indicado pela então presidente, Dilma Rousseff (PT). Em 11 anos no tribunal, teve atuação marcada pelo julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635659, com repercussão geral, que discute se o porte de maconha para consumo próprio pode ou não ser considerado crime. Barroso foi a favor do porte não ser considerado crime. Ele também levou à deliberação ações relacionadas à chamada “pauta verde”, da qual é apoiador e foi relator da Ação Penal (AP) 470, no julgamento do Mensalão – esquema de corrupção para compra de apoio de parlamentares no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nesse caso, Barroso era a favor da Operação Lava Jato.
O ministro do STF esteve envolvido em diversas polêmicas ao longo de sua atuação na Corte. Em novembro de 2022, reagiu a um manifestante que o seguia em Nova York questionando sobre a segurança das urnas eletrônicas, dizendo: “Perdeu, mané, não amola”. Meses depois, foi abordado em Miami por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que o vaiaram. Barroso não reagiu.
Naquele ano, Barroso acusou as Forças Armadas de serem orientadas para desacreditar o processo eleitoral, gerando reação do então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que classificou a declaração como uma “ofensa grave”.
Bolsonaro chamou Barroso de criminoso por interferir na votação do voto impresso
Durante uma entrevista, em agosto de 2022, Bolsonaro acusou Barroso de ser “criminoso” por ter se reunido, em 2021, com líderes partidários durante a tramitação da PEC do Voto Impresso, proposta apoiada pelo ex-presidente. Na época, o ministro também presidia o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Levamos ao plenário, vencemos, mas não atingimos os 308 votos. Perdemos. Foi uma interferência direta do Barroso no Congresso para impedir a aprovação do voto impresso, uma interferência política, um crime previsto na Constituição. Barroso é um criminoso”, afirmou Bolsonaro.
Em 2023, durante discurso em evento da União Nacional dos Estudantes (UNE), ele foi vaiado por manifestantes ligados à enfermagem. Em resposta, afirmou: “Derrotamos o bolsonarismo para permitir a democracia”. Isso gerou críticas, incluindo do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Barroso esclareceu que suas críticas se dirigiam a extremistas, não aos eleitores conservadores.
Presidência de Barroso é marcada por pautas polêmicas, como a liberação da maconha
O primeiro ano de Barroso como presidente do STF foi marcado por pautas sociais e econômicas de grande impacto. Entre os temas, destacam-se a descriminalização do porte de maconha até 40 gramas, a correção do FGTS, a revisão da vida toda do INSS e questões ambientais, como o combate às queimadas na Amazônia e no Pantanal.
Sob sua gestão, o STF descriminalizou, em 26 de junho, o porte de maconha, o que gerou fortes reações no Congresso. O porte da droga para uso pessoal constitui agora ilícito administrativo e não mais penal. O plenário da Corte decidiu em agosto rejeitar de vez a possibilidade de segurados pedirem revisão da “vida toda” do INSS.
Barroso foi derrotado na correção do FGTS, pois o tribunal optou pelo IPCA em vez da Caderneta de Poupança, como ele defendia. O sistema atual de correção, o da taxa referencial (TR) mais 3%, será mantido quando for mais vantajoso para o trabalhador. Em relação às queimadas, a Corte exigiu, por meio do ministro Flávio Dino, que a União apresentasse plano de combate.
Pelas atuais regras, ele pode ficar no tribunal até março de 2033, aos 75 anos. Mas ele já manifestou o desejo de antecipar sua aposentadoria após exercer a presidência.