O montante de doações de pessoas físicas recebidas por partidos como o Novo vem causando incômodo em siglas tradicionais, que são mais dependentes de recursos públicos para financiar suas atividades. Líderes dessas legendas, sobretudo dos partidos que compõem o Centrão, ameaçam colocar em votação na Câmara dos Deputados um projeto de lei já apelidado de "anti-Novo". A proposta, ainda em discussão, pode limitar as doações feitas por doadores individuais a até dez salários mínimos por pessoa (R$ 9.998 em valores de hoje). Na prática, a proposta sufocaria siglas que vivem sem verba pública.
Em 2016, os partidos foram proibidos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de receber recursos de empresas para financiar suas atividades cotidianas e as campanhas eleitorais. Com a decisão do STF, a maioria dos partidos ficou essencialmente dependente dos recursos públicos do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral – que, em 2018, distribuíram R$ 889 milhões e R$ 1,7 bilhão, respectivamente, para os 35 partidos do país.
Mas o Supremo permitiu que pessoas físicas possam doar individualmente para as legendas. E algumas siglas mais novas e identificadas com a mudança na política vêm conseguindo quantias expressivas por meio de doações individuais.
O Novo é o caso de maior sucesso. O partido defende o fim do financiamento público de campanha e o estatuto do partido proíbe que a sigla receba verba pública. Desse modo, a legenda só pode ser financiado por doações individuais. Criado há apenas quatro anos, o Novo é o segundo partido que mais recebe contribuições de pessoas físicas. Em 2017, arrecadou R$ 8,8 milhões. E, no ano passado, foram R$ 17 milhões recebidos por meio de doações individuais – valor menor apenas que o do PT, com R$ 21,5 milhões (a arrecadação da sigla com repasses de pessoas físicas é alta porque o partido obriga os filiados a doarem parte de seus salários).
Novo colhe sucessos eleitorais e causa ciúmes nos partidos tradicionais
O bom desempenho financeiro do Novo teve reflexos em seu crescimento eleitoral: a sigla elegeu uma bancada de oito deputados federais e um governador (Romeu Zema, de Minas Gerais). Além disso, o candidato à Presidência pelo Novo, o empresário João Amoêdo, ocupou um honroso quarto lugar no primeiro turno, à frente de políticos tradicionais.
Isso despertou ciúmes nos partidos mais tradicionais. A avaliação deles é de que, com o fim das doações empresariais, a maioria das siglas ficou "distante" de parte do bolo que tem alimentado novos candidatos.
"Não é justo ter candidato que ganha bolsa durante um ano para disputar eleição e outro que está limitado ao dinheiro do Fundo Eleitoral no período da disputa", afirma o líder do PL, Wellington Roberto (PB).
Para não ficarem para trás, líderes de partidos do Centrão já articulam um projeto de lei que, na prática, vai dificultar o crescimento de siglas como o Novo. Os partidos do Centrão (bloco político informal composto por DEM, PP, PL, Republicanos e Solidariedade) arrecadaram juntos em 2018, com doações de pessoas físicas, R$ 4,6 milhões a menos do que o Novo sozinho.
Líderes do Centrão começaram a debater três textos preparados pela assessoria jurídica do Solidariedade com o objetivo de refazer as regras para a eleição de 2022. Entre as propostas, está o limite de doações de pessoas físicas a partidos fora do período eleitoral. A maioria defende um teto de dez salários mínimos, mas há outros que querem doações de até R$ 50 mil. Hoje não há limites para as contribuições como pessoa física para os partidos, embora as siglas só possam transferir para campanhas o equivalente a 10% dos rendimentos brutos de cada doador.
Movimentos pela renovação na política também estão no alvo do Centrão
Os líderes do Centrão também querem discutir o fim das "bolsas" para novos políticos. esses deputados querem acabar ou limitar o repasse de recursos de partidos e movimentos políticos que propõem uma "renovação da política" a possíveis candidatos, como ocorreu na última disputa.
Deputados do Centrão vaiam discurso de parlamentar do Novo
Por iniciativa de um grupo de empresários – entre eles, o apresentador de TV Luciano Huck –, o movimento RenovaBr, por exemplo, concedeu bolsas de estudo entre R$ 5 mil e R$ 12 mil mensais em um programa de jovens lideranças para disputar a eleição do ano passado. "Essa é uma distorção que tem de acabar", afirma o presidente do Solidariedade, Paulinho da Força (SP).
Na semana passada, líderes do Centrão reagiram publicamente contra o Novo no plenário da Câmara.
Num discurso feito na tribuna, o líder do Novo, deputado Marcel Van Hattem (RS), criticou o atual modelo baseado na distribuição de recursos públicos por meio do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral. O parlamentar disse que os seus gastos de campanha foram bancados por doações de pessoas físicas e que cada voto conquistado teve um custo final de R$ 2 – ante os R$ 10, em média, no caso dos candidatos que fizeram sua campanha baseados apenas no Fundo Eleitoral.
"E somos nós, os deputados do Novo, os que gastam milhões, os candidatos dos ricos? Pelo contrário. A distorção se dá na divisão do Fundo Partidário também. Eu sei que muitos deputados aqui concordam com isso porque foram eleitos, apesar de o fundo partidário eleitoral ter ido para líderes ou para aqueles que tinham mais acesso ao poder", afirmou o líder do Novo.
O discurso irritou líderes do Centrão e levou parte do plenário a vaiar Van Hattem. "É fácil fazer demagogia quando tem empresário doando milhões", afirmou Paulinho da Força.
Paralelamente à proposta de sufocar o Novo financeiramente, os caciques do Centrão pediram ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que exclua os deputados do partido de relatorias importantes para "diminuir o cartaz" do grupo. Maia ainda não respondeu aos apelos dos aliados.
Especialistas comentam o caso
Na avaliação do cientista político Marco Antonio Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), as contribuições feitas por pessoas físicas têm como principal componente a identificação entre o ideário dos partidos e a ideologia dos doadores. "São grupos ou pessoas que querem ter participação ativa na política e buscam espaço ou querem defender suas propostas", diz Teixeira. "Nos dois extremos, o PT e o Novo se parecem. Os doadores se identificam com as causas e as defesas das bandeiras de cada legenda."
O cientista político observa que, embora os escândalos de corrupção da última década tenham envolvido atividades partidárias, não se deve incorrer num discurso que criminalize as siglas. "Os partidos são cruciais e fundamentais à democracia e têm papel na representação social."
O advogado Henrique Neves, ex-ministro do TSE, diz que deveria haver uma limitação às contribuições, tanto aos partidos quanto diretamente às campanhas, de forma a tornar a participação mais homogênea, independentemente da capacidade financeira do doador. "No quadro atual, as pessoas que auferem altos rendimentos podem doar muito dinheiro e a maioria da população, com baixa renda, não pode realizar doação numericamente significativa", afirmou ele.
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