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A canetada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para cortar o valor destinado às emendas de comissões parlamentares no Orçamento deste ano – que mesmo não sendo de pagamento obrigatório são cruciais para que deputados e senadores atendam as bases eleitorais – é mais um agravante no clima de tensão que ronda as relações entre Executivo e Legislativo neste início de ano.
O corte de R$ 5,6 bilhões nas emendas não foi bem digerido por boa parte dos deputados, que consideram a decisão de Lula como mais uma quebra de acordo com o Congresso Nacional, conforme explicou o líder do Partido Liberal, Altineu Côrtes (RJ), à Gazeta do Povo.
"Esse foi um orçamento aprovado praticamente por unanimidade, com todos os partidos, inclusive da base do governo, com participação de ministros e técnicos", disse o líder. Segundo Côrtes, caso o veto não seja reavaliado, o governo estará desonrando a palavra, o que seria mais um "absurdo" na relação com o Congresso.
Parlamentares prometem derrubar veto se não houver recomposição dos recursos
A reação à nova mexida nas emendas, tão caras para deputados e senadores, principalmente porque diminui o valor que parlamentares têm para atender as necessidades de prefeitos e governadores em ano de eleições municipais, veio logo após o anúncio da tesourada. Há insatisfação entre parlamentares do Centrão e da oposição.
Na avaliação do líder do PL, Altineu Côrtes, não há o que fazer a não ser derrubar o veto de Lula caso o governo não volte atrás. "Infelizmente esse governo não tem cumprido os acordos com o Congresso Nacional. Isso é uma péssima sinalização, de que está começando o ano muito mal", concluiu Côrtes.
Vice-líder do Governo na Câmara, o deputado José Nelto (PP-GO) é mais um que não esconde a insatisfação com a interferência do presidente da República no Orçamento da União, que é aprovado por deputados e senadores, após muita discussão. "Mais um veto que será derrubado", garantiu o deputado, que também não gostou nada da decisão de Lula de derrubar o calendário fixado pelos parlamentares para o pagamento das chamadas emendas impositivas, de pagamento obrigatório, que "azedou" a relação entre os poderes logo no início de 2024.
O relator da Lei Orçamentária de 2024, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP), citou a justificativa do governo para o corte, de queda na receita e no índice da inflação (IPCA), para reduzir o montante de R$ 16,6 bilhões para R$ 11 bilhões destinados as emendas das comissões permanentes da Câmara e do Senado, e batizadas de RP8.
"Nós temos que achar uma solução para que esses vetos não causem prejuízos ao orçamento", advertiu Motta, que terá uma reunião com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, na próxima semana, para debater o assunto.
Mesmo apostando na possibilidade de achar uma saída para que deputados e senadores não sejam prejudicados pelo corte, o relator admite que, se não encontrarem uma solução, há chance de o veto ser derrubado.
Para o deputado Joaquim Passarinho (PL-PA), mesmo com o Congresso esvaziado devido ao recesso, o clima de descontentamento é grande entre os parlamentares, que deverão se articular na volta aos trabalhos para derrubar o veto do presidente ao valor destinado às emendas de comissão.
Lula justifica corte e diz que "terá prazer" de explicar motivos
Após o anúncio do corte que incomodou o Congresso, Lula disse nesta terça-feira (23) em entrevista para a Rádio Metrópole, da Bahia, que "terá o maior prazer" em explicar aos líderes o porquê do veto.
“Na questão das emendas, é importante a gente lembrar que o ex-presidente [Jair Bolsonaro] não tinha governança deste país. Quem governava era o Congresso Nacional. Ele não tinha sequer a capacidade de discutir orçamento, porque não queria, ou porque não fazia parte da lógica dele. E nós resolvemos restabelecer uma relação democrática com o Congresso Nacional”.
Mas há quem duvide da harmonia dessa relação. Basta lembrar que durante o ano de 2023 não faltaram críticas à articulação política, a cargo do ministro Alexandre Padilha, chefe da Secretaria de Relações Institucionais, ou à ausência de Lula nas negociações.
Fontes ligadas ao Planalto disseram que o corte foi informado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) – que está fora durante o recesso e tem evitado comentar as últimas polêmicas de Brasília –, e garantem que havia uma espécie de acordo, devido ao aumento no valor destinado às emendas de comissões, que em 2023 ficou em R$ 6,9 bilhões.
Vale lembrar que o presidente da Câmara chegou a sugerir, durante a discussão da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano passado, que essas mesmas emendas de comissões passassem a ser impositivas, ou seja, com a obrigatoriedade de pagamento. A mudança, porém, não emplacou durante as negociações do texto.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que a peça orçamentária garante mais recursos para obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segurança pública e saúde, e que "nós temos que agradecer ao Congresso Nacional. Temos a circunstância que nós todos temos que celebrar, de inflação menor, e isso impôs a necessidade de termos alguns vetos". Randolfe acrescentou que ao longo do ano haverá disposição do governo para negociar a recomposição desses recursos.
Retirada de recursos do PAC pode ter sido causa do veto ao aumento das emendas
Na opinião do professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Piauí, Elton Gomes, o veto de R$ 5,6 bilhões no total destinado às emendas de comissão pode ter sido uma resposta à redução feita pelos parlamentares nos valores destinados ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que é uma das maiores apostas de Lula, seja como política de governo ou como estratégia eleitoral para angariar votos a aliados nas eleições deste ano.
Mas o professor lembra que o governo, que precisa cada vez mais de apoio para aprovar projetos de seu interesse, cria nova dificuldade na relação com os parlamentares ao vetar as emendas. Segundo ele, Lula já é o presidente campeão de vetos derrubados nos últimos anos, superando o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), com 16 vetos derrubados total ou parcialmente em 2023, dos 30 analisados pelo Congresso. Se o presidente não se entender com os parlamentares, esse número pode aumentar logo no início do ano legislativo.