A troca inesperada no comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública foi interpretada dentro do Palácio do Planalto como uma forma do presidente Jair Bolsonaro amenizar a crise com as diversas forças policiais pelo país. A categoria vem se afastando do atual governo e já coloca em xeque o apoio à reeleição do presidente no ano que vem. O presidente viu então na escolha de Anderson Torres como novo ministro da Justiça no lugar de André Mendonça, que voltou para a Advocacia-Geral da União (AGU), uma forma de fazer um aceno à Polícia Federal.
Delegado da PF, Torres ocupava desde 2019 o cargo de secretário de Segurança Pública do Distrito Federal. Anteriormente, havia sido diretor de assuntos legislativos da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), cumprindo papel de articulação entre os policiais federais e parlamentares no Congresso Nacional. Além disso, o novo ministro é amigo do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente.
Torres já havia tido seu nome cotado para assumir um cargo no governo Bolsonaro ao menos outras duas vezes. A primeira ocorreu na saída do ex-ministro Sergio Moro, quando o então secretário de Segurança Pública do DF chegou a afirmar que a pasta não tinha articulação com os secretários estaduais. Posteriormente, ele teve seu nome ventilado para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, mas a indicação não foi confirmada.
A repercussão do nome de Anderson Torres como novo ministro da Justiça e Segurança foi imediata, principalmente entre as entidades policiais. Presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), Marcos Camargo, afirmou que foi pego de surpresa e defendeu que as políticas que vinham sendo articuladas na pasta sejam mantidas.
“A gente, como boa parte da sociedade, foi pego de surpresa pela mudança, existia uma série de tratativas com o ministro anterior e pautas estruturantes que estavam sendo articuladas. A primeira coisa que a gente espera do novo ministro é que seja dada continuidade aos projetos estruturantes”, defendeu Camargo.
Cobrança por independência da Polícia Federal será maior
O presidente da APCF cobrou que Anderson Torres garanta a independência total da Polícia Federal em relação a Bolsonaro. Além disso, reforçou o desejo de que a ciência seja priorizada como ferramenta de enfrentamento à violência e ao crime. “Ele deve buscar a garantia que a PF possa atuar de forma republicana e isenta, como uma polícia de Estado”, disse Camargo.
A cobrança por parte dos peritos criminais federais também foi repetida por outras instituições de policiais federais. Os pares de Torres demostraram o incômodo que a atitude do seu antecessor, André Mendonça, causou na PF, ao abrir investigações contra pessoas que criticaram Bolsonaro de maneira pacífica e dentro da lei.
“A expectativa é que o Dr. Anderson, por todo o conhecimento que ele tem da PF, saiba que a entidade é um órgão de Estado. Ele sabe quais são os nossos limites e como interpretamos movimentos de intervenção e de uso político do órgão”, argumentou Edvandir Felix de Paiva, presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF).
Recentemente foi tornado público que o agora ex-ministro da Justiça André Mendonça havia solicitado que a Polícia Federal abrisse um inquérito contra sociólogo e professor Tiago Costa Rodrigues por causa da instalação de dois outdoors críticos ao governo de Jair Bolsonaro em Palmas, no Tocantins.
A Corregedoria Regional da PF e o Ministério Público Federal no estado tinham arquivado o caso e comunicaram a decisão ao ministro da Justiça no final de outubro de 2020. Em dezembro, porém, Mendonça requisitou a abertura do inquérito ao diretor-geral da PF, imputando ao professor e ao dono da empresa de outdoor crime contra a honra do presidente.
“As requisições do MJ (Ministério da Justiça) para apurar crimes eleitorais a gente até consegue entender, mas quando foi requisitado para apurar manifestação de pensamento isso incomodou. Crime eleitoral é crime eleitoral e manifestação de pensamento é manifestação de pensamento. A polícia é para uma atuação republicana. Algo que coloca em dúvida a atuação da PF sempre nos incomoda”, argumentou Edvandir.
Nos bastidores, representantes da PF sinalizaram para Anderson Torres que qualquer atuação de uso político da corporação irá tumultuar sua gestão à frente do ministério.
Movimentação de governadores acendeu alerta no Planalto
Outro fator político que vinha sendo notado pelo Palácio do Planalto em relação aos policiais federais veio de um dos principais adversários de Jair Bolsonaro, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Na semana passada, o tucano, que tem pretensões de concorrer à Presidência no ano que vem, incluiu a Polícia Federal de São Paulo na campanha de vacinação contra a Covid-19. Pelos menos outros dois governadores fizeram o mesmo em seus estados, como na Bahia e em Minas Gerais.
Para o deputado e delegado da PF Felício Laterça (PSL-RJ), a chegada de Anderson Torres no Ministério da Justiça pode ser interpretado como um gesto de boa vontade com a corporação. “Pode ser, de fato, um aceno para as forças policiais em razão das perdas de direitos recentes que se estendeu a toda categoria policial. Então acredito que pode sim ser um gesto do presidente Bolsonaro”, disse.
Questionado se o novo ministro da Justiça teria capacidade de gerir a crise do governo com as demais forças policiais, o deputado do PSL defendeu que o currículo de Torres o capacita para isso. “Como secretário, ele deu varias sinalizações da capacidade de comandar as demais forças. A Secretaria de Segurança Pública do DF é bem complexa, lida com a Polícia Civil, com Corpo de Bombeiros, PM e até o Detran. Ele deu clara demonstração da sua capacidade de comandar as várias polícias”, completou.
Bancada da bala discorda da escolha de novo ministro da Justiça
Uma das maiores frentes dentro do Congresso Nacional, a Frente Nacional da Segurança Pública – chamada de bancada da bala – reagiu contra a indicação de Anderson Torres para o Ministério da Justiça. Em nota, os integrantes argumentaram que o novo ministro é pautado pela “atuação parcial”.
Segundo o deputado Capitão Augusto (PL-SP), presidente da bancada, o grupo não foi consultado sobre a troca no comando da pasta. De acordo com o parlamentar Capitão Derrite (PP-SP), há um “descontentamento” entre os deputados.
“Todos os deputados vão defender suas instituições. Nós PMs, por exemplo, iríamos defender que o novo ministro fosse um coronel da PM”, argumenta Derrite, que descarta que a escolha de Torres foi um aceno para todos os policiais.
“Recaí sobre ele uma grande responsabilidade, pois agora nós temos um policial lá. E por muitas vezes esse governo esqueceu as forças policiais. Eu acho que essa indicação foi 100% política, não houve aceno nenhum, tendo em vista que as demais forças policiais são absurdamente superiores à Polícia Federal. Mas, da minha parte, posso dizer que irei apoiá-lo em todas as pautas que sejam relevantes para a segurança”, completou o parlamentar.
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