O Aliança pelo Brasil, novo partido de Jair Bolsonaro, realizou a sua convenção de lançamento, nesta quinta-feira (21), com um forte discurso religioso e de oposição a movimentos de esquerda. O evento ocorreu em um hotel de luxo, em Brasília, a poucos metros do Palácio da Alvorada, residência do presidente da República.
A advogada Karina Kufa, que será uma das dirigentes do novo partido, apresentou oficialmente o programa do Aliança pelo Brasil. O documento que orienta o pensamento político-ideológico da legenda é dividido em cinco tópicos: 1) Respeito a Deus e à religião; 2) Respeito à memória, à identidade e à cultura do povo brasileiro; 3) Defesa da vida, da legítima defesa, da família e da infância; 4) Garantia da ordem, da representação política e da segurança; e 5) Defesa do livre mercado, da propriedade privada e do trabalho (leia abaixo na íntegra).
A ideologia do Aliança pelo Brasil aborda temas como a defesa dos valores religiosos, da "família tradicional" e do porte de armas. Um dos trechos do programa – bastante aplaudido pelos presentes – fala que a “laicidade do Estado jamais significou ateísmo obrigatório”.
Em outro trecho, o programa aborda o combate a ideologias como nazismo, socialismo, comunismo e "globalismo". Esta última tem sido atacada por grupos de direita nos últimos anos, e é definida como uma ação para retirar a soberania dos países.
O Aliança também incluiu no seu programa a realização de auditorias periódicas, externas e independentes nas contas do partido. As finanças do PSL, sigla pela qual Bolsonaro se elegeu em 2018, estiveram entre os principais pontos de tensão entre bolsonaristas e membros alinhados ao presidente do partido, o deputado Luciano Bivar (PE). Os parlamentares próximos de Bolsonaro se queixavam de uma suposta "caixa-preta" na gestão da legenda.
O programa do Aliança cita ainda a proibição da presença no partido de condenados em segunda instância por crimes hediondos e delitos como corrupção e violência doméstica. Apesar da colocação, um dos dirigentes do partido será o advogado Admar Gonzaga, que é acusado de agredir a ex-mulher. Gonzaga é ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e assessora juridicamente o presidente Bolsonaro.
Segundo Bolsonaro, a legenda nasce com o objetivo de ser um partido de direita "pura", sem os vícios de outras siglas do mesmo campo ideológico. Com isso, o presidente tenta dificultar o avanço de possíveis concorrentes do campo da direita, como o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que têm se movimentado para disputar as eleições presidenciais de 2022.
Bolsonaro no comando do novo partido, Flávio em segundo e deputados de fora
A convenção confirmou que Jair Bolsonaro será o presidente do Aliança Pelo Brasil e Flávio ocupará a primeira vice-presidência. Entre os outros integrantes da comissão executiva está Jair Renan, o filho mais novo de Bolsonaro, que ainda não havia iniciado a vida pública.
Karina Kufa será a tesoureira do partido, e Gonzaga o secretário-geral. Os demais membros da executiva são: Luiz Belmonte, segundo vice-presidente; Antonio Gomes, primeiro secretário-adjunto; Marcelo Costa, segundo-tesoureiro; Joel Novaes da Fonseca, Sérgio Rocha Cordeiro, Tércio Arnon, Miguel Grilo, Carlos Eduardo Guimarães, Lígia Oliveira e Stefanie Araújo.
Com exceção de Bolsonaro e Flávio, nenhum dos outros componentes da executiva exerce mandato federal. Parte disso se deve ao fato de que os deputados federais que pretendem migrar do PSL para o Aliança deverão ainda passar por uma batalha judicial para poderem trocar de partido sem terem seus mandatos ameaçados.
Nenhum ministro ingressou no Aliança – segundo Bolsonaro, isso foi uma decisão tomada para que não haja "mistura" entre partido e governo. À revista Época, a deputada Alê Silva (MG), que está no PSL e quer ir ao Aliança, disse que não prosseguirá para o novo partido se o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, seguir o mesmo rumo. Silva diz que Antônio, que é deputado federal licenciado, a ameaçou de morte.
O Aliança pelo Brasil seguirá ainda uma tendência dos outros partidos e manterá núcleos específicos para as mulheres e para a juventude. Haverá ainda um segmento chamado "Aliança Inclusiva", voltado às pessoas com deficiência.
Convenção teve auditório lotado e público do lado externo
O auditório do hotel Royal Tulip, que abrigou o evento, não comportou a totalidade dos militantes que foram à convenção. Parte dos apoiadores de Bolsonaro teve que ficar em uma área externa, onde um palco foi montado para receber o presidente no término do evento. A área externa foi também onde trabalhou a quase totalidade dos jornalistas que cobriram a cerimônia. Apenas 17 profissionais, escolhidos pelo partido, puderam assistir a convenção de dentro do auditório.
A maior parte da bancada do PSL que vai migrar para o novo partido de Bolsonaro esteve na convenção. Também compareceram deputados de outros partidos, como Otoni de Paula (PSC-RJ) e Paula Belmonte (Cidadania-DF). Ambos negaram que pretendem, ao menos no momento atual, migrar para o Aliança. O marido de Belmonte foi escolhido para ser o segundo vice-presidente da legenda. Ele também é suplente do senador Izalci Lucas (PSDB-DF).
Personalidades de fora do mundo político também estiveram presentes, como o empresário Luciano Hang – que foi muito celebrado pelos manifestantes – e o locutor Cuiabanno Lima. Ao lado de Lima, Bolsonaro emitiu o que chamou de "grito de guerra" do partido: "ihuu", a mesma interjeição que fez quando disse que o governador João Doria foi contemplado com verbas do BNDES durante o governo do PT.
Bolsonaro aproveitou parte do discurso para atacar Wilson Witzel. Disse que o governador está utilizando a polícia do Rio para perseguir sua família, numa menção ao episódio que relacionaria o presidente ao assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol). “Minha vida virou um inferno após a vitória de Witzel”, afirmou o presidente, que disse ainda que o triunfo eleitoral do governador se deve ao apoio que ele recebeu de Flávio Bolsonaro, eleito senador também no ano passado.
Bolsonaro falou que deveria ter fundado um partido ainda em 2018, para disputar as eleições, e disse que se isso tivesse ocorrido a sigla nova teria conquistado "uma bancada de 100 parlamentares e um senador por estado". Ele também declarou que, "em parte", o problema que teve com o PSL se deu por conta de disputas pelo comando de diretórios regionais. Bolsonaro ingressou no PSL em março do ano passado, quando ainda era pré-candidato a presidente. Na ocasião, o PSL era um dos menores partidos do país.
Euforia com novo partido de Bolsonaro pode não dar em nada (no curto prazo)
Quando o evento estava próximo do fim, militantes que estavam na área externa entoaram o grito "queremos assinar!". As assinaturas são necessárias para que o Aliança pelo Brasil se torne um partido político efetivo. É preciso apresentar mais de 500 mil, e todas devem ser referendadas pela Justiça Eleitoral.
Para que o Aliança possa disputar as eleições do ano que vem, a formalização precisa ocorrer até abril – o que, se ocorrer, será diferente da média habitual das legendas nacionais. Antes da convenção, Bolsonaro disse à imprensa que reconhecia a dificuldade e que já trabalhava com o cenário de que o partido não estivesse apto para a disputa municipal.