O novo texto da reforma da Previdência, apresentado pelo deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) na comissão especial da Câmara, colocou uma pedra sobre um sonho antigo do ministro da Economia, Paulo Guedes. O relator preservou a espinha dorsal do projeto e manteve a previsão de economia de R$ 1 trilhão em dez anos – se consideradas as fontes extras de arrecadação inseridas no texto –, mas excluiu a possibilidade de criação de um novo regime previdenciário baseado no sistema de capitalização.
"O que ele [relator] está dizendo é o seguinte: abortamos a nova Previdência e gostamos mesmo é da velha Previdência. E cedemos ao lobby dos servidores públicos, que eram justamente os privilegiados", disse o ministro nesta sexta-feira (14).
Guedes repetiu por diversas vezes neste ano que precisava da economia de R$ 1 trilhão para lançar o novo regime previdenciário, o que era chamado institucionalmente de “Nova Previdência”. Mas o relator, a pedido dos deputados, excluiu a previsão de criação do novo regime e fez modificações que reduziram a economia com a reforma de R$ 1,2 trilhão para R$ 863,4 bilhões, o que desagradou Guedes.
Os R$ 1,13 trilhão de economia propostos pelo relator só serão alcançados com um aumento de imposto cobrado sobre bancos (o CSLL) e a transferência de recursos do PIS/Pasep que iam para o BNDES.
E só pelo fato de ter excluído a previsão da criação da capitalização, os deputados obrigam o governo a enviar uma nova proposta de emenda à Constituição (PEC) caso queira mesmo criar o regime, que se assemelha a uma "poupança para aposentadoria". Se o relator tivesse mantido a possibilidade de criação, bastaria o governo enviar um projeto de lei complementar definindo as regras sobre como funcionaria esse novo sistema. Um projeto de lei é mais fácil de ser aprovado do que uma PEC.
Capitalização sempre esteve na 'linha de tiro'
Moreira escreveu em seu parecer que a criação do regime de capitalização foi excluída da reforma porque a maioria dos deputados da Casa consideram que “não é o modelo mais adequado para um país cujos trabalhadores têm baixos rendimentos, além de ter elevado custo de transição”. O relator, porém, é favorável à capitalização, mas foi voto vencido nesta questão.
A criação do regime de capitalização é um ponto que gerou discórdia entre os deputados desde quando foi apresentado. Parlamentares de oposição diziam que o novo sistema levaria ao “suicídio” dos idosos, pois os idosos pobres receberiam aposentadorias muito baixas, inferiores ao salário mínimo (o que não é verdade).
Parlamentares de centro se mostravam preocupados com o custo de transição entre o regime previdenciário atual e a capitalização. E os dois lados reclamavam que faltam informações mais precisas sobre o novo regime.
O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), apesar de ser amigo de Guedes, concordou também que o melhor era retirar a capitalização e se concentrar nas mudanças necessárias do atual regime. “Hoje não temos consenso sobre o tema da capitalização. O tema não parece maduro”, disse Maia em coletiva de imprensa na quarta-feira (12).
Ele ressaltou que o tema pode voltar a ser discutido na casa no segundo semestre, via nova PEC. “Falei com o ministro Paulo Guedes e expliquei que podemos retomar a capitalização com uma nova PEC, com mais calma, para explicar no Parlamento e à sociedade o assunto. Deixo claro que não há rejeição à matéria, mas é preciso não pôr em risco uma economia próxima de R$ 1 trilhão [com a reforma do regime atual]”, disse o presidente da Câmara.
O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, também minimizou a derrota e disse que o governo pretende sim voltar ao tema no segundo semestre.
Já Paulo Guedes falou que, com a desidratação da reforma, não haverá lançamento da capitalização. "Eu alertei várias vezes, com R$ 1 trilhão nós conseguimos lançar a nova Previdência, que é o compromisso com as futuras gerações", disse o ministro, que lamentou: "está vencendo a velha Previdência".
As dúvidas que levaram à exclusão da capitalização
A reforma da Previdência continha um artigo que previa que seria instituído, por meio de lei complementar, “um novo regime de previdência social, organizado com base em sistema de capitalização, na modalidade de contribuição definida e de caráter obrigatório a quem aderir”. Ou seja, o texto dava autorização ao governo a criar um novo sistema previdenciário, baseado na capitalização, com regras que seriam definidas em lei complementar.
O problema desde o início foi a falta de informação sobre o novo regime. O texto da reforma dizia apenas que novo regime seria de capitalização, obrigatório a quem vier a aderir, com piso mínimo de um salário mínimo. Não havia nada no texto da reforma, porém, sobre alíquota de contribuição, contribuição patronal, quem poderia optar por esse regime, quem administraria as contas dos trabalhadores, qual seria o rendimento mensal, entre outros.
A equipe econômica dizia que tudo isso seria discutido posteriormente em lei complementar, mas admitia que ideia era criar o regime de capitalização somente para quem ainda entraria no mercado de trabalho. E que não haveria contribuição patronal, somente do trabalhador, com o objetivo de reduzir os custos de contratação e gerar um “choque de empregabilidade”, palavras do ministro Paulo Guedes.
Fato é que a não obrigatoriedade de contribuição patronal desagradou aos deputados. Eles alegavam que sem essa contribuição a poupança previdenciária que o trabalhador acumularia seria muito pequena, como aconteceu no Chile (um dos primeiros países a adotar o modelo de capitalização).
Deputados e governo chegaram a negociar para manter a previsão de criação do regime de capitalização, mas desde que fosse incluída na Constituição a obrigatoriedade do recolhimento patronal. Isso não foi para frente e toda a capitalização acabou sendo excluída do texto.
Por que Paulo Guedes queria a capitalização?
A ideia de criar no Brasil um regime previdenciário baseado no sistema de capitalização é uma obsessão do ministro Paulo Guedes. Ele diz que o atual regime, no modelo de repartição (contribuições atuais bancam aposentadorias atuais), é fadado ao fracasso, um “avião prestes a cair”.
Isso porque, com o envelhecimento da população e aumento da expectativa de vida, temos menos gente trabalhando para bancar os aposentados, que vivem por mais tempo e, consequentemente, recebem o benefício por mais tempo. Esse é o principal motivo para o déficit da Previdência.
“Estamos num sistema (previdenciário) de repartição que quebrou. Faliu. Antes da população envelhecer. Vocês querem trazer seus filhos para isso”, afirmou o ministro durante cerimonia de posse de Robertos Campos Neto como presidente do Banco Central, em março.
Guedes queria então “salvar nossos filhos e netos” desse “avião prestes a cair” e colocá-los no regime de capitalização. Na capitalização, o trabalhador recolhe para uma conta individual, numa espécie de poupança. Funciona de modo semelhante aos atuais regimes de aposentadoria complementar de servidores públicos. Não há mais o pacto entre as gerações.
Em suas falas durante audiências na Câmara, Guedes se mostrava preocupado em manter a economia de R$ 1 trilhão com a reforma, pois essa economia traria o impacto fiscal necessário para lançar o novo regime.
Por diversas vezes ele pediu coragem para os deputados para que mantivessem a economia. E repetiu inúmeras vezes que sem o trilhão não lançaria a capitalização e que com isso o Brasil estaria “condenando nossos filhos e netos”. O ministro não parecia cogitar que a criação do novo regime seria excluída do texto.
"Se a geração atual faz um sacrifício maior [manter economia do R$ 1 trilhão], você pode tirar os encargos e deixar os jovens terem mais emprego. Se não faz, você eventualmente nem lança esse sistema”, afirmou. “São os senhores que vão decidir”, disse, se referindo aos parlamentares, em audiência na Câmara em maio.
Economia foi mantida, mas manobra não agradou Guedes
O relator da reforma da Previdência fez uma manobra para manter a economia de R$ 1 trilhão. Com as mudanças propostas no texto, ele reduziu a previsão de economia com a reforma para R$ 863,4 bilhões em dez anos.
E, para compensar essa desidratação, inseriu no texto um mecanismo para transferir para a Previdência Social recursos do PIS/Pasep que iam para o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), usado pelo BNDES em seus financiamentos, e incluiu outro dispositivo para elevar de 15% para 20% a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrada dos bancos.
Com isso, a expectativa de receita adicional para a Previdência será de R$ 267 bilhões em dez anos. Assim, o impacto da reforma, que tinha caído para R$ 863,4 bilhões, sobe para R$ 1,13 trilhão em uma década.
Guedes disse que isso é fazer reforma tributária junto com a previdenciária, o que considera ruim. E que é uma forma de "colocar a mão no dinheiro dos outros".