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Ministro Kassio Nunes Marques (centro) pode decidir sobre bloqueio do X em ação do partido Novo.
Ministro Kassio Nunes Marques (centro) pode decidir sobre bloqueio do X em ação do partido Novo.| Foto: Fellipe Sampaio/STF

O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF), tem o poder de, sozinho, reativar o funcionamento da rede social X em todo o país. Está na mesa do magistrado uma ação do Partido Novo que busca suspender a decisão do ministro Alexandre de Moraes, confirmada nesta semana pela Primeira Turma da Corte, que bloqueou o funcionamento da plataforma por tempo indeterminado.  

A ação do Novo foi protocolada no início da tarde da última segunda-feira (2) e foi encaminhada a Nunes Marques por sorteio. Até o momento, como relator, ele não despachou no processo. A ação inclui um pedido de liminar – decisão que pode ser tomada de forma individual pelo relator, “em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave” a algum preceito fundamental. 

O Novo argumenta que as decisões de Moraes e da Primeira Turma violam o direito fundamental à liberdade de expressão e de opinião, a garantia fundamental do devido processo legal, além dos princípios democrático, da proporcionalidade, e da lisura das eleições, todos contemplados pela Constituição de 1988. 

Apesar do poder de reativar o X, uma decisão nesse sentido é vista como improvável por especialistas consultados pela reportagem. É mais provável, segundo eles, que Nunes Marques leve a decisão para o plenário do STF, formado por todos os 11 ministros da Corte. A decisão de suspender o X, até o momento, teve a anuência de cinco integrantes do tribunal, que compõem a Primeira Turma: Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e Luiz Fux – este último concordou com a medida, mas fez ressalvas. Fux afirmou que ela não poderia atingir pessoas de forma indiscriminada, já que não fazem parte do processo envolvendo o X.

Os pedidos do Novo na ação contra o bloqueio do X

A ação do Novo pede não apenas a reativação da rede social, mas também o desbloqueio das contas da Starlink, empresa ligada ao dono do X, Elon Musk, que fornece conexão à internet por satélite. Moraes entendeu que, por pertencer ao mesmo grupo econômico, a companhia deveria também arcar com multas que somam R$ 18,3 milhões à rede social por descumprimento de decisões judiciais que ordenaram a suspensão de perfis. 

Há também um pedido para derrubar a multa diária de R$ 50 mil imposta a todo e qualquer usuário que acessar o X no Brasil, por meio de VPN (“virtual private network”) - tecnologia de segurança que impede a localização do dispositivo. Os especialistas consideram que há mais probabilidade de reversão dessas últimas duas decisões.

O fim da multa para quem acessar a plataforma também foi pedida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), numa ação à parte, também encaminhada para Nunes Marques, por ser o relator da ação do Novo. 

Mesmo concedendo liminar, decisão de Nunes Marques terá que ser aprovada pelo plenário

Uma decisão liminar monocrática de Nunes Marques sobre qualquer um dos pedidos, embora possível, é vista como improvável, já que bateria de frente com a deliberação de outros cinco ministros do STF. A submissão dos pedidos ao plenário, por outro lado, agradaria a ala dos ministros que não participaram da decisão da Primeira Turma e que ficaram contrariados com a decisão de Moraes de limitar a análise do caso a esse colegiado.  

Ficaram de fora da deliberação, até o momento, o próprio Kassio Nunes Marques, André Mendonça, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Edson Fachin. A principal expectativa é que os dois primeiros, indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), abram divergências em relação à suspensão do X, ao bloqueio das contas da Starlink, e à multa para quem acessar a rede social. 

O tipo de ação proposta pelo Novo e pela OAB – a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) –, ao contrário de petições criminais comuns (como a que levou à suspensão do X), é julgada de forma colegiada no plenário. A decisão sobre ela depende de uma maioria de ao menos 6 votos dentre os 11 ministros da Corte.  

Mesmo uma decisão liminar monocrática de Nunes Marques teria também de ser avaliada pelo plenário. O pedido de desbloqueio das contas da Starlink é o que tem maior possibilidade de que ser acatado, na opinião dos juristas consultados. Eles afirmam ainda que há razões jurídicas para que o relator conceda essa liminar.   

Para o advogado Solano de Camargo, doutor em Direito Internacional Privado, especialista em Direito Digital e professor da Universidade de São Paulo (USP), a ADPF é uma medida “muito poderosa” no sistema processual brasileiro. “Uma vez aceita a competência do Supremo para apreciar o processo, o relator passa a ter o poder de decidir sobre a suspensão de todas as medidas, sejam elas administrativas ou judiciais, que correspondam ao objeto do preceito fundamental que estaria sendo violado”, diz.  

Se Nunes Marques optar por acatar os pedidos integralmente e conceder uma liminar, a decisão de Moraes sobre a suspensão do X no Brasil é derrubada até que o plenário se posicione. Assim, as contas da Starlink serão desbloqueadas e as multas por uso de VPN também não poderão mais ser aplicadas.

Tendência é de que Nunes Marques acate apenas parte dos pedidos na ação do Novo 

Atender ao pedido de liminar para suspender a decisão de Moraes e da Primeira Turma é a opção mais difícil. Qualquer ministro, incluindo Nunes Marques, se incomoda com a possibilidade de ter uma decisão sua derrubada por outro numa ação diferente. Mais ainda se a decisão já tiver sido referendada por outros quatro, como é o caso do X. 

A professora de Direito Constitucional Vera Chemim cita, como exemplo, a Súmula 606 do STF, que impede que a apresentação de novo habeas corpus – ação voltada para garantia da liberdade de alguém preso ou prestes a ser – a algum colegiado da Corte para derrubar decisão já proferida por um dos ministros. A súmula é um resumo de um entendimento majoritário sobre determinado tema, resultante de uma série de decisões sobre casos semelhantes.  

Chemin diz que a súmula não se aplica às ADPFs. “Acho difícil, do ponto de vista constitucional, [que o relator] venha a cometer a loucura de argumentar sobre essa súmula, pois se trata de processos diferentes. Se fosse a mesma coisa, no mesmo processo, eu ainda admitiria a posição de adotar a súmula”, diz. 

A possibilidade de decidir sozinho, por meio da chamada decisão monocrática, sobre a concessão de liminar no processo é respaldada pela lei que regulamenta a tramitação das ADPFs. Ao tratar do processo e do julgamento dessas ações, a Lei 9.882/1999, diz que em caso de extrema urgência ou perigo de lesão grave a preceito fundamental, o relator da ação pode conceder a liminar. Ela tem validade imediata, mas deve ser apreciada pelo plenário.  

Para Chemim, a questão do X é urgente e relevante. “Essa medida remete à proteção de um direito suscetível de grave dano e de incerta reparação. Isso significa que nós temos milhões de pessoas que estão sendo prejudicadas com essa decisão do Moraes, do ponto de vista econômico”, explica a jurista.  

Para Solano de Camargo, o posicionamento liberal demonstrado pelo ministro Nunes Marques indica que ele deve conceder, pelo menos em partes, a liminar requerida na ADPF do Novo.

“Existe uma possibilidade concreta, do ponto de vista jurídico, processual, e do direito internacional, assim como grande parte dos entendimentos, que a decisão foi exagerada e desproporcional. Portanto, existem razões jurídicas para suspender a eficácia dessa decisão. Sendo assim, é possível que ele reavalie alguns dos pontos”, afirma o advogado.  

Questionado sobre os trechos sobre os quais o ministro Nunes Marques deve decidir monocraticamente, Camargo mencionou que desbloqueio das contas da Starlink tem grande possibilidade de ser atendida. Outra ação da própria empresa com esse objetivo, mas de um tipo diferente – mandado de segurança – foi rejeitada pelo ministro Cristiano Zanin. 

A advogada Vera Chemim tem entendimento semelhante. “Se optar por ser mais diplomático, ele pode decidir somente pela suspensão do bloqueio das contas da Starlink e submeter a questão do bloqueio do X ao plenário. Neste caso, ele argumentaria, por exemplo, que embora haja um acionista comum às duas empresas, isso não permite o bloqueio das contas da empresa não diretamente envolvida”, explicou.

 

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