Confirmando a expectativa de alguns críticos da indicação do presidente Jair Bolsonaro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Kassio Nunes Marques vem adotando, neste início de mandato, uma postura alinhada aos interesses do Palácio do Planalto e contra a Operação Lava Jato.
Nunes Marques tomou posse no STF em 5 de novembro deste ano. Deste então, vem se notabilizando por manifestações que expressam os desejos/anseios do governo federal. Dois casos específicos são ilustrativos: no julgamento relacionado à obrigatoriedade da vacina e o relacionado à reeleição no Congresso Nacional. No caso da vacina, Nunes Marques foi criticado pela militância bolsonarista, mas tem sido elogiado pelas alas militar e política do Palácio do Planalto.
No julgamento que analisava a constitucionalidade do instituto da reeleição para os presidentes da Câmara e do Senado, Nunes Marques adotou uma espécie de voto médio. Marques defendeu que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), teria direito ao benefício; mas que Rodrigo Maia (DEM-RJ), não, pelo fato de que o deputado fluminense já havia sido reeleito na legislatura passada. Ao final do julgamento, os ministros do STF entenderam que a reeleição nas duas Casas feria o artigo 57 da Constituição Federal.
Já no processo relacionado à obrigatoriedade ou não da vacina, Nunes Marques entendeu que a imunização compulsória seria autorizada somente sem constrangimento físico à população e apenas em casos graves do coronavírus. Além disso, para Marques, os estados não têm autonomia para fazer a vacinação à revelia do Ministério da Saúde – uma visão igual à do Palácio do Planalto.
“A obrigatoriedade da vacina, se decidida pelas autoridades competentes nos termos da lei, pode ser sancionada apenas por medidas indiretas de coerção proporcionais e razoáveis. Tais como multas, intervenção de direitos, cujo exercício possa ter alguma ligação com a falta da vacina, sem que haja qualquer tipo de constrangimento físico do cidadão para tomar a vacina”, disse o ministro durante o julgamento.
O próprio presidente da República, em live realizada na quinta-feira última (17), defendeu essa manifestação. “O que o senhor ministro Kassio falou? Que medidas restritivas poderiam ser impostas apenas pelo governo federal. Nada mais justo. Quando se fala em vacinação, em saúde, tem que ter hierarquia”, disse Bolsonaro.
Além disso, Marques já pediu vistas em dois processos de interesse direto do Planalto que estavam em julgamento no plenário virtual do STF: um sobre ações que tentam proibir o presidente de bloquear usuários de suas redes sociais e outro que discute uma ação penal sobre o crime de “rachadinha”.
No caso da “rachadinha”, o STF vai analisar uma ação penal envolvendo o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM). Dependendo da gravidade da pena, isso servirá de jurisprudência para uma eventual manifestação do STF sobre as acusações de “rachadinha” envolvendo o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Nunes Marques votou contra a Lava Jato em processo que beneficia Lula
O ministro Nunes Marques também já se manifestou em um processo da operação Lava Jato e que beneficiou diretamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ratificando o posicionamento garantista que ele já indicara na sabatina no Senado Federal.
Na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, Marques aliou-se aos ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes e foi voto decisivo para rejeitar um recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR), que buscava manter o depoimento do ex-ministro Antônio Palocci em um dos processos contra o ex-presidente. No caso específico, Lula é acusado de receber propina por meio de um imóvel da Odebrecht.
Em sua manifestação, Marques negou que tanto o termo de delação premiada, quanto o depoimento de Palocci, fossem incluídos nos autos corroborando o entendimento de que o ex-juiz Sergio Moro agiu politicamente ao tentar incluir a manifestação de Palocci nos autos da Lava Jato às vésperas das eleições de 2018. Assim, o voto de Nunes consolidou o posicionamento em favor do petista e indica que em outros casos ele tende a alinhar-se a Lewandowski e Mendes.
Apesar dessas manifestações alinhadas ao governo, Marques tem sido alvo de críticas de eleitores de Bolsonaro e de setores da direita. Tanto que, em uma live na quinta-feira (17), o presidente defendeu novamente a sua escolha para o STF classificando como “direita burra”, "fedelhos" e "imbecis" os críticos da indicação.
“Nas mídias sociais, os caras descem a lenha em mim: ‘Olha o teu ministro, que você botou no Supremo, olha o que ele fez’; ‘Não voto mais em você’. Esculhambam a gente. Não sabem o que foi votado. Lógico que a esquerda bate palma para essa direita burra, direita idiota. Bateram palma para vocês. Vocês não sabem, não interpretam, não conseguem saber o que foi votado e descem o cacete”, disse o presidente que ainda complementou.
Sobre a manifestação que beneficiou Lula, Bolsonaro foi incisivo alegando que o caso se tratava de um embargo de declaração – que é um recurso de caráter protelatório cujo mérito dificilmente pode ser modificado. “Foi num embargo de declaração. Procura saber o que é embargo de declaração e, depois, me crítica, ou critica o Kassio. Enquanto não souber o que é isso, não fica me criticando. Não fica agindo como papagaio repetindo o que um idiota escreve, que logicamente não é idiota, que escreve para descascar você”, destacou Bolsonaro.
“Você, fedelho que está me criticando, eu não tenho ascendência sobre o ministro Kassio, eu indiquei para lá por aquilo que eu tenho de afinidade com ele. No momento, nada de errado. Se eu estivesse no lugar dele, eu teria votado nas três coisas da mesma maneira”, complementou.
O fato é que essas manifestações prévias de Kassio Nunes Marques têm agradado tanto ao presidente quanto a integrantes do Palácio do Planalto. Assessores palacianos alegam que o ministro tem entregado exatamente aquilo do que se esperava dele. A única dúvida dentro do Planalto está em pautas de costumes mais polêmicas, cuja forma de votar de Nunes Marques ainda é vista como uma incógnita.
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