Provavelmente você já leu alguma reportagem falando sobre o sumiço de abelhas. Quem sabe até já viu aquele filme, uma animação, que trata da vida desses insetos. Mas pode ser que isso não tenha sido suficiente para uma comoção. Pois, para o senador Lasier Martins (Podemos-RS), um caso atípico de mortandade de abelhas no Rio Grande do Sul – foram 500 milhões de insetos mortos em seis meses – acendeu um sinal de alerta, que o levou a propor um projeto para alterar leis e garantir a preservação de animais polinizadores.
Esse assunto pouco usual vem sendo debatido no Congresso Nacional, mais precisamente na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado. E não é papo de xiita ecológico, não. Está totalmente relacionado com o agronegócio, uso de agrotóxicos e até mesmo aumento de produtividade das lavouras, tanto em quantidade quanto em qualidade.
O senador gaúcho quer mudar pontos do Código Florestal e da Política Nacional do Meio Ambiente para incluir em seus princípios a preservação de animais responsáveis pela polinização. Não são apenas as abelhas que se encaixam nessa categoria: também há alguns tipos de aves e morcegos. A proposta ainda prevê incentivo à pesquisa e serviços ambientais destinados à manutenção desses animais, o manejo florestal sustentável e até mesmo a rotulagem correta de agrotóxicos.
Por que as abelhas somem
É verdade que em alguns lugares do mundo abelhas desapareceram misteriosamente. Isso ocorreu mais em regiões do hemisfério norte e não havia casos desses registrados no Brasil. Mas, sim, 500 milhões de abelhas morreram entre outubro de 2018 e março de 2019 no Rio Grande do Sul. O caso foi alvo de investigação do Ministério Público gaúcho e um laudo do Laboratório Nacional Agropecuário (Lanagro) encontrou vestígios de agrotóxicos nos animais.
O agrônomo Breno Magalhães Freitas, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), há décadas vem estudando abelhas. O assunto é complexo: esses insetos que morreram no Rio Grande do Sul são de uma espécie exótica ("importada"), a Apis melífera, que foi introduzida no Brasil justamente para a produção de mel. Em todo mundo, são mais de 20 mil espécies de abelha. Só no Brasil existem cerca de três mil espécies nativas.
Freitas diz que o número de 500 milhões de abelhas assusta, mas ele lembra: o tamanho médio de uma colmeia de criação – chamada de colônia – é de 50 mil insetos.
“Existe uma série de fatores que mostram o que impacta na vida das abelhas. No caso do Rio Grande do Sul, elas tinham sintomas típicos de intoxicação por agrotóxico", diz o agrônomo. "Mas aí vem a questão: como elas foram intoxicadas?” Existem duas possibilidades, explica o professor: as flores foram pulverizadas ou o agrotóxico foi lançado diretamente nas colmeias.
Freitas lembra que no Brasil já há rotulagem em defensivos agrícolas explicando para qual culturas são recomendados e falando sobre o manejo adequado nas lavouras. “Para as abelhas irem a essas flores ou serem afetadas diretamente pelo agrotóxico, onde estavam dispostas as colônias? Apicultor e agricultor precisam conversar, para ambos se beneficiarem. Mas está havendo uma polarização, um ficando contra o outro, e é uma simples questão de diálogo”, diz Freitas.
De olho na conciliação
Aí entra parte da discussão ocorrida na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado, no último 18 de setembro. O pesquisador da Embrapa Decio Luiz Gazzoni lembrou que as abelhas são o grande grupo de polinizadores, mas não os únicos, e que isso não é restrito à agricultura.
Dados da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), órgão vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU), mostram que apesar de 60% das espécies agrícolas cultivadas no mundo não dependerem da polinização, elas podem ser beneficiadas por isso. A produtividade pode aumentar para ao menos 87 culturas em cerca de 35% por causa da ação dos animais polinizadores.
Os agrotóxicos estão entre possíveis causas da mortandade de abelhas. Mas não são os únicos fatores. A redução do habitat natural, simplificação de paisagem, pragas e doença, estresses de movimentação e nutricionais, as mudanças climáticas, manejo inadequado de colmeias e mesmo estreitamento genético e a "disputa" entre abelhas nativas e exóticas influenciam esse processo.
“Precisamos ter um equilíbrio, não quero minimizar o impacto dos pesticidas, mas tem que olhar milimetricamente para não gastar todas as fichas em uma única causa que não é a verdadeira”, pondera o pesquisador. E ele não fica no discurso: apresenta propostas para essa conciliação. Uma delas tem relação com a manutenção e recomposição do habitat, o que engloba a legislação florestal e a criação de corredores ecológicos, além de projetos voltados a educação ambiental em parques, jardins e escolas, por exemplo.
Carlos Ramos Venâncio, coordenador-Geral de Agrotóxicos e Afins do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), que participou também da audiência, lembra que o trabalho de liberação de pesticidas no Brasil é compartilhado entre a pasta, o Ibama e a Anvisa. E defende o nível regulatório brasileiro: nas Américas, só é comparável ao que ocorre nos Estados Unidos e Canadá, em termos de requisitos de estudo e avaliação técnica. Mas admite: as abelhas são mais sensíveis, e estão indicadas como avaliadoras de ricos. “No entendimento do MAPA, quanto mais rápido for o registro, mais rápido os produtores terão a acesso a produtos de menor toxicidade e vão retirar de mercado outros, mais danosos”, avalia.
Parceria de sucesso
Enquanto a conciliação entre as partes não aparece, o Brasil pode olhar para casos de sucesso: são as culturas que dependem, sim, de abelhas para a polinização e em que não há incidentes envolvendo a morte dos insetos durante o cultivo. O professor Breno Magalhães Freitas cita exemplos. No Sul, elas são muito usadas nos cultivos de maçã, ameixa e pêssego. No Nordeste, vão para o melão, melancia e coco.
“No que se usa [a polinização por abelhas de modo] generalizado é maçã e melão, pela quantidade. E são culturas que já usaram muito agrotóxico. Hoje, devido à pressão da sociedade e também pela necessidade de ter abelhas, esse uso é muito reduzido”, diz Freitas. Essas culturas são totalmente dependentes do trabalho do polinizador: sem abelhas, não há frutos. “A abelha é como um insumo para esse produtor. Se não colocar abelhas, não produz nada, não vai pagar os custos de produção”, diz. Grandes empresas e produtores costumam ter suas próprias colônias. Pequenos produtores alugam as colmeias de outros apicultores.
Tom Prado, coordenador do Grupo Técnico de Fitossanidade da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), apresentou o caso da produção de melão da Itaueira Agropecuária na reunião da comissão. Necessitando de abelhas, entre 1999 e 2005, trabalharam apenas com o aluguel de colmeias, porque tinham o desafio de mantê-las bem o ano todo, inclusive na estação mais seca. A partir de 2005, começaram a introduzir colmeias próprias e desde 2015 praticam o que classificam de apicultora racional. Resultado: além de garantir os melões, expandiram o negócio para a comercialização de mel.
O professor Freitas lembra que outras culturas podem se beneficiar das abelhas, até mesmo a soja. Pesquisa conduzida por um aluno de doutorado dele mostrou um incremento de 18% na produtividade e de uma lavoura, apenas com a introdução de abelhas. “Se colocar mais polinizadores, aumenta a produtividade, em quantidade e qualidade. É um crescimento de 10% a 15% de lucro líquido. Mas o produtor só vai perceber se fizer isso. E, no Brasil, ninguém quer correr o risco de inovar. Mas, quando alguém faz e dá resultado, todo mundo corre atrás”, pondera.