A crise causada pela pandemia do coronavírus atingiu em cheio os mais diversos setores da economia e derrubou as projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) deste ano: a expectativa do governo é de uma queda de 4,70%, a maior desde 1901. O número pode ficar ainda pior, pois os casos de Covid-19 continuam aumentando e as medidas de isolamento social ficam cada vez mais duras. Mas, mesmo em meio a esse cenário desolador, é preciso pensar em uma estratégia de recuperação da economia para tornar a inevitável recessão a mais curta possível.
O Ministério da Economia acredita que a partir de agosto já será possível dar início ao plano de retomada, caso não seja necessário prorrogar as medidas de isolamento social. Mas não se trata de nenhum programa novo: a equipe econômica quer retomar a agenda pró-mercado, que inclui reformas estruturantes, novos marcos legais, privatizações, concessões e medidas de desburocratização e acesso ao crédito (veja lista completa ao fim desta matéria).
A pasta também afirma que será preciso pensar em programas permanentes para redução do desemprego e da pobreza, que vão aumentar no pós-pandemia. As soluções para essas questões, contudo, ainda então em fase de elaboração pelo governo, enquanto a agenda pró-mercado já está em grande parte em tramitação no Congresso.
Ainda assim, mesmo com a agenda pró-mercado sendo implementada junto às medidas para combate ao desemprego e à pobreza, o processo de recuperação será um pouco longo. A previsão é que ele comece no segundo semestre e se estenda por todo o ano de 2021.
Essa é a estimativa da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia. Nas contas da secretaria, a recomposição do PIB nos valores pré-crise do coronavírus, ou seja, para o mesmo patamar de dezembro de 2019 acontecerá somente em 2022.
Reformas voltarão à pauta no segundo semestre
Para os técnicos da pasta, não há outro caminho senão a agenda pró-mercado. Eles explicam que o ministério teve que virar a chave nesse momento de pandemia para desenhar medidas de socorro às empresas e aos trabalhadores, mas que logo depois o governo voltará com a agenda ancorada, principalmente, nas reformas.
“A prioridade [do Ministério da Economia] agora é tomar medidas para a pandemia, mas as reformas, que são a nossa chave para o país crescer de forma sustentável, voltam com força total logo depois que a pandemia passar”, afirmou o número dois da pasta, o secretário-executivo Marcelo Guaranys, em uma entrevista coletiva. “Elas [as reformas estruturantes] não foram largadas, nem esquecidas. Elas estão suspensas para a gente retornar logo depois”, completou.
“Ou nós vamos fazer as reformas pró-mercado que o nosso país precisa, ou não vamos continuar sendo um país de renda média. Se nós queremos ir pro caminho da prosperidade, existe o custo a ser pago. É o custo das reformas", afirmou, também em coletiva, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida.
A SPE afirma que a situação do país no pós-pandemia será bastante desafiadora, pois as contas públicas estarão ainda mais deficitárias, a relação dívida/PIB se aproximará de 90%, o desemprego subirá, a produção e a renda cairão, as empresas ficarão mais endividadas e o número de estabelecimentos comerciais que vão ir à falência aumentará.
"Nesse sentido, a agenda de reformas que visa a consolidação fiscal, a manutenção do teto de gastos, e o aumento da produtividade da economia serão ainda mais urgentes para evitar que essa crise transitória tenha efeitos permanentes sobre a economia", diz a SPE.
O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, defendeu ainda acelerar as privatizações e as concessões em 2021 para ajudar o país a sair da crise. "Precisaremos fazer todo o esforço para aumentar o investimento, e esse investimento tem que ser pelo capital privado. Não podemos mais atrasar essa agenda."
A retomada pelo investimento privado, contudo, não é unanimidade dentro do governo. O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e a ala militar vislumbram um plano de retomada baseado em obras públicas de infraestrutura. Eles até chegaram a anunciar o programa, que foi batizado de Pró-Brasil e não teve o aval do Ministério da Economia.
“A retomada não é repetir os erros de governos passados, que justamente tentando essa saída através só de obras públicas cavaram um enorme buraco e quebraram o Brasil. Não vamos caminhar cavando mais fundo para ver se saímos do buraco. Ninguém consegue sair do buraco cavando mais fundo no próprio buraco", disse Guedes a jornalistas.
“Levantar o PIB apenas com investimentos públicos é querer se levantar pelo suspensório ou pelo cinto. Não dá”, relembrou o ministro em outra ocasião. “O setor privado será o motor do crescimento. O setor público fez isso nos últimos 30 anos e o final está sendo melancólico”, cravou.
Coube ao presidente Jair Bolsonaro jogar água na fogueira e dizer que quem manda na economia é o ministro Paulo Guedes – em quase todos os casos. “O Paulo Guedes é dono de 99% da pauta”, disse o presidente.
A Secretaria de Política Econômica também ressalta que será necessário pensar em políticas públicas sem atrelá-las ao aumento de despesa. "A precária situação fiscal demandará melhora nas políticas públicas sem o aumento da despesa pública, preservar o teto de gastos é fundamental para garantir a retomada econômica."
O que dizem os economistas sobre o plano do governo
O professor e doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB) Roberto Ellery vê como correta a estratégia do governo de retomar a agenda pró-mercado após o controle do coronavírus.
Ele diz que o objetivo do Ministério da Economia é mudar a lógica – que perdurou por anos – de que o investimento público é quem puxa o crescimento. “A leitura da área militar [do governo] é uma volta do PAC [Plano de Aceleração do Crescimento], dos planos nacionais de desenvolvimento, do governo financiando e coordenando os esforços de recuperação. Eu acho que seria um erro”, afirma o professor, especialista em finanças públicas.
Ellery afirma que a retomada tem que ser em cima de investimento privado, mas, para isso, é preciso atualizar as normas e regulações para convencer o setor privado a investir no país. Ele cita como exemplo remodelar a lei de licitações, os marcos legais dos diversos setores da economia e as licenças exigidas para construção de empreendimentos.
Para o economista Cláudio Considera, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) e ex-titular da antiga Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), a agenda traçada pelo Ministério da Economia não será suficiente.
“A gente vinha com essa agenda antes e os dados mostram que a economia vinha andando de lado. O PIB vinha crescendo abaixo do esperado. Neste ano, mesmo antes da crise, dados do monitor do PIB da FGV mostravam que íamos continuar crescendo 0,8% a 1%. O PIB agora [com o coronavírus] vai levar um tombo", disse à Gazeta do Povo.
Em março – quando houve "meio mês" de distanciamento social –, o Indicador de Atividade Econômica da FGV caiu 5,6% em relação a fevereiro. No primeiro trimestre do ano, a queda foi de 1,4% em relação aos últimos três meses de 2019. "Em abril, maio e junho também não teremos desempenho bom”, avalia o pesquisador.
Considera diz que as privatizações e concessões de ativos à iniciativa privada demoram para sair e trazer resultado, apesar de serem duas pautas que podem ser tocadas em paralelo, junto com a aprovação de novos marcos legais. Ele só alerta que o governo precisa ficar atento ao fazer as privatizações, pois o preço dos ativos tende a estar baixo.
Para Considera, o melhor caminho para o governo é investir em obras públicas para puxar a retomada da economia no curto prazo, já que as pessoas não vão tomar dinheiro para aumentar o consumo. “A demanda que você consegue estimular é a do governo. Não é que o governo vai criar empresas e interferir na economia. Ele vai comprar obras, como saneamento e construção civil. O setor privado fará as obras, contratado pelo setor público”, defende.
O economista-chefe do Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também defende a retomada por meio de um programa de obras pago pelo Estado e executado pela iniciativa privada. “Qual o melhor gasto do governo numa situação de recessão? É obra, você contrata empresas privadas para fazer uma obra. Essa empresa vai contratar pessoas para trabalhar nessa obra. Essa mesma empresa vai comprar asfalto de fornecedores, cimento. É um programa emergencial que recupera empresas e empregos ao mesmo tempo”, resume.
Gonçalves defende, ainda, a implementação de uma agenda que aumente a produtividade do setor produtivo e que garanta emprego e renda para o futuro. “Por exemplo, incorporação de nova tecnologias no processo de produção, que é investimento em bens de capital mais produtivos. O governo poderia lançar linhas de crédito”, sugere.
O economista Raul Velloso, consultor econômico e ex-secretário de Assuntos Econômicos do extinto Ministério do Planejamento, acredita que é prematuro falar em plano de retomada da economia sem sabermos ao certo o tamanho e a duração da pandemia.
“Temos que entender primeiro as mudanças que vão ocorrer nos próximos dois, três meses. Elas vão ter um impacto muito grande, vão afetar a economia por até um, dois anos”, afirma.
Mas ele diz que será inevitável o governo atacar em três frentes. A primeira é o combate à dívida pública. “Ninguém sabe direito o que vai acontecer no Brasil e no mundo com as dívidas públicas. Elas vão subir muito nesse período. Que tipo de mudança que isso pode se ocasionar no que já estava se fazendo? Como países vão olhar para frente?”, indaga Velloso.
A segunda frente é o passivo atuarial dos regimes previdenciários dos municípios e estados, uma bomba-relógio que já explodiu em muitas regiões do país. Por fim, uma revisão da regra do teto dos gastos (que limita o crescimento da despesa à inflação).
“O teto de gastos, em princípio, voltaria a operar no início do ano que vem e significaria praticamente zerar investimentos públicos. Essa questão tem que ser repensada. Não dá para ter investimento zerado em 2021”, argumenta.
A equipe econômica é totalmente contra mexer no teto de gastos. Para os técnicos, o teto é a âncora fiscal, ou seja, a garantia que o país não vai sair do trilho e voltar a gastar desenfreadamente.
O plano do governo
O projeto do governo para retomada da economia, segundo informações apuradas pela Gazeta do Povo, é similar ao de antes da pandemia. A pasta quer focar as suas ações em três grandes áreas, todas baseadas numa agenda pró-mercado:
- Programa de concessões e investimentos privados
- Reformas estruturantes
- Venda de ativos da União
No Congresso, o governo vai lutar para aprovar uma ampla gama de propostas:
- PEC do Pacto Federativo
- PEC dos Fundos Públicos
- PEC Emergencial
- Reforma administrativa
- Reforma tributária
- Reforma administrativa
- Nova Lei do Gás
- Autonomia do Banco Central
- Privatização da Eletrobras
- Nova lei de Recuperação Judicial
- Simplificação de Legislação de Câmbio
- PL do Governo Digital
- Nova lei de Finanças Públicas
- Nova lei de Concessões
- Plano de Equilíbrio Fiscal (Plano Mansueto, arquivado pelo Senado)
- Novo marco legal do setor elétrico
- Novo marco legal do saneamento
- Novo marco legal das ferrovias
- Novo marco legal do petróleo (fim do regime de partilha)
Estão no radar, ainda, medidas de:
- Simplificação, desburocratização e desregulamentação, dando continuidade à agenda iniciada pela Lei da Liberdade Econômica
- Redução de encargos trabalhistas para estimular as contratações
- Abertura da economia
- Estímulo ao mercado de crédito
- Combate à pobreza
- Combate ao desemprego
- Retomada e criação de empresas
Esta reportagem é a quarta da série "Retratos da economia", que aborda os efeitos da crise do coronavírus sobre a economia brasileira. Leia também os textos sobre os impactos do coronavírus na indústria e no setor automotivo e a entrevista com o presidente da Volkswagen do Brasil.
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