A política externa do primeiro ano do governo do presidente Jair Bolsonaro foi marcada pelo pragmatismo, que prevaleceu sobre a ideologia – embora a visão mais ideológica não tenha deixado de permear várias ações do Itamaraty em 2019. A postura do Brasil diante do mundo contrariou inclusive algumas posições de Bolsonaro de antes de ele tomar posse. Mas o país e o presidente não deixaram de marcar posição mais à direita na cena internacional.
O esforço de promover a abertura econômica do Brasil já teve alguns resultados concretos, como o acordo de livre comércio entre União Europeia e Mercosul e um aprofundamento na parceria comercial com a China – país que chegou a ser criticado por Bolsonaro em 2018 por querer "comprar o Brasil".
A forte afinidade ideológica e as boas relações com o governo dos Estados Unidos, por outro lado, ainda não tiveram muitos efeitos práticos, e o Brasil não deixou de negociar com notórios adversários da política externa norte-americana, como chineses e árabes.
Entre os países vizinhos, o governo Bolsonaro ganhou alguns aliados, mas perdeu um forte parceiro: o presidente argentino Mauricio Macri, que foi derrotado pelo kirchnerista Alberto Fernández em sua tentativa de reeleição .
Por fim, o governo precisou enfrentar uma saia-justa internacional por causa das queimadas na Amazônia, que tiveram grande repercussão no mundo.
Veja o que de mais importante o governo Bolsonaro fez na política externa em 2019:
Vitória da política externa: o acordo do Mercosul com a União Europeia
O grande destaque da política externa no primeiro ano do governo Bolsonaro foi a conclusão das negociações para o acordo de comércio entre e o Mercosul e a União Europeia, no fim de junho, em Bruxelas (Bélgica).
O acordo prevê que mais de 90% dos produtos exportados por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai para o bloco europeu sejam isentados de impostos em até dez anos. O mesmo vale para os produtos exportados pela União Europeia para o Mercosul, mas o período para que os europeus eliminem as tarifas é de 15 anos.
A entrada de produtos europeus no Brasil será facilitada de forma considerável. Bens como roupas, calçados, alimentos e bebidas terão tarifa de importação zero.
As empresas brasileiras, por sua vez, ganharão em competitividade com a eliminação de tarifas para a exportação de produtos como etanol, açúcar, carnes, café e cachaça.
O Ministério da Economia prevê que o acordo gere um incremento, em 15 anos, de US$ 87,5 bilhões no PIB brasileiro. Juntos, o bloco sul-americano e a União Europeia respondem por 25% do PIB (Produto Interno Bruto) do mundo.
Para entrar em vigor, os termos do tratado ainda precisam ser aprovados pelo parlamento europeu e pelos congressos dos quatro países do Mercosul.
Depois da grande repercussão internacional das queimadas na Amazônia (veja abaixo), alguns políticos europeus sugeriram que o acordo de comércio poderia estar ameaçado se a crise ambiental no Brasil persistisse.
Queimadas na Amazônia: grande desafio da política externa
O presidente Bolsonaro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, o chanceler Ernesto Araújo e vários embaixadores do Brasil ao redor do mundo enfrentaram uma saia-justa internacional no segundo semestre por causa da repercussão midiática das queimadas na Amazônia.
Em agosto e setembro, com a publicação de notícias sobre o aumento da destruição na floresta amazônica por causa das políticas ambientais do governo Bolsonaro, autoridades, celebridades e meios de comunicação de todo o mundo manifestaram preocupação com a situação ambiental no Brasil.
A soberania do Brasil sobre a Amazônia entrou em discussão, especialmente depois que o presidente da França, Emmanuel Macron, sugeriu que seria conveniente dar à floresta amazônica um status internacional. O tema foi pivô de uma briga pública entre Macron e Bolsonaro.
Até o Vaticano foi envolvido na história, por causa do temor de membros do governo de que o Sínodo da Amazônia, realizado em outubro, acabasse promovendo na opinião pública a ideia da internacionalização da Amazônia.
A tônica da resposta governamental a essa crise foi comparar os números atuais com os de governos passados, reprovar a ingerência de outros países no assunto e acusar a imprensa internacional de fazer uma cobertura enviesada sobre as queimadas.
O ministro Ricardo Salles e embaixadores do Brasil como Luís Fernando Serra (Paris) e Nestor Forster (Washington) deram diversas entrevistas a meios jornalísticos esclarecendo a situação.
Em seu primeiro discurso numa Assembleia Geral da ONU, em Nova York, Bolsonaro atribuiu a polêmica sobre as queimadas da Amazônia a informações equivocadas da mídia. "Não deixem de conhecer o Brasil. Ele é muito diferente daquele estampado em muitos jornais e televisões", afirmou. O presidente ressaltou que "61% do nosso território é preservado" e que sua política de tolerância zero contra a criminalidade engloba os crimes ambientais.
Brics: parceria com a China se intensifica
O Brasil presidiu o Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) em 2019 e sediou, em Brasília, a 11ª cúpula anual do grupo, em novembro. Acordos comerciais entre brasileiros e chineses foram o grande destaque das reuniões.
Bolsonaro contrariou o próprio discurso eleitoral contrário aos chineses e intensificou as relações do Brasil com a China em 2019. O líder brasileiro teve três reuniões com Xi Jinping, presidente da China – mesmo número de encontros que teve com Donald Trump, dos Estados Unidos, considerado grande aliado político do brasileiro e adversário dos chineses.
No setor agrícola, o Brasil conseguiu a assinatura de protocolos sanitários que vão possibilitar a exportação de carnes de mais frigoríficos e de frutas frescas para a China. Na Cúpula do Brics, os países firmaram outros acordos em áreas como agricultura, economia, saúde e infraestrutura.
Durante a Cúpula do Brics, o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que os governos de Brasil e China estão cogitando estabelecer um acordo de livre comércio.
Ao contrário dos Estados Unidos e de alguns países da Europa e da Oceania, que têm sinalizado restrições à atuação da empresa chinesa Huawei na implementação de suas redes 5G, o governo Bolsonaro parece aberto à ideia de que a companhia da China lidere a implantação do sistema no Brasil.
Empresas chinesas também deverão ter participação importante nos leilões de concessão e privatização que o governo brasileiro promoverá nos próximos anos, principalmente na área de infraestrutura.
Parceria com EUA fica mais no campo das ideias
O fortalecimento dos laços entre Brasil e Estados Unidos foi menor do que o esperado, ao menos em termos de resultados concretos. Por enquanto, foram poucos os efeitos práticos dos encontros entre os presidentes e das manifestações de apreço mútuo entre os governos.
O Brasil foi designado aliado extra-Otan dos Estados Unidos, o que torna o país um comprador preferencial de equipamentos militares dos americanos e abre caminho para maior cooperação no campo da defesa entre as duas nações.
Além disso, os Estados Unidos manifestaram, em março, apoio à candidatura brasileira para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Em outubro, uma reportagem da agência Bloomberg sugeriu que o apoio prometido não seria ratificado pelo governo norte-americano. O Itamaraty e o próprio presidente dos EUA, Donald Trump, desmentiram a matéria.
A confusão se deu depois que o secretário de estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, afirmou em uma mensagem a que a Bloomberg teve acesso que só apoiaria, àquela época, as candidaturas da Romênia e da Argentina para a OCDE. Alguns interpretaram isso como uma indicação de que o Brasil teria sido desprestigiado pelos norte-americanos.
O Itamaraty esclareceu que Argentina e Romênia foram priorizados porque já tinham firmado acordos antes do Brasil. Em resposta à polêmica, Pompeo foi enfático: "Apoiamos com entusiasmo a entrada do Brasil nesta instituição, e os Estados Unidos farão um grande esforço para apoiar o acesso do Brasil".
Os governos de Brasil e Estados Unidos também sinalizaram que conversam sobre a possibilidade de um acordo de livre comércio. Ainda não há previsão de quando isso poderia ser levado a cabo.
No campo dos direitos humanos, os dois países lideram a Aliança Internacional para a Liberdade Religiosa, um novo órgão que promete lutar contra a intolerância religiosa em âmbito global. Países como Colômbia e Polônia e algumas nações do Oriente Médio também participam do grupo.
Eduardo Bolsonaro embaixador nos EUA: a política externa familiar fica no quase
O deputado federal Eduardo Bolsonaro recebeu a indicação de seu pai, o presidente da República, para o cargo de embaixador do Brasil Nos Estados Unidos, em Washington. O nome de Eduardo chegou a receber dos americanos o "agrément", isto é, a manifestação de assentimento dada por um país para que um diplomata estrangeiro atue em seu território.
Em outubro, depois de um racha dentro do PSL que o levou a assumir a liderança do partido na Câmara, Eduardo subiu à tribuna para avisar que havia desistido da indicação à embaixada. Ele disse que não lhe faltaria legitimidade para assumir o cargo de embaixador, mas que resolveu permanecer no Brasil para "defender os princípios conservadores" que ajudaram a eleger o pai.
Em novembro, os Estados Unidos aprovaram a indicação de Nestor Forster para o cargo de embaixador do Brasil em Washington. Agora, falta a Forster passar pelo crivo do Senado brasileiro para assumir o posto.
Forster era, no início do governo, o nome mais cotado para a embaixada nos Estados Unidos, mas perdeu o favoritismo em julho, quando Eduardo Bolsonaro despontou como provável dono da vaga.
Vizinhança: Argentina elege opositor, mas Uruguai e Bolívia têm guinada à direita
O kirchnerista Alberto Fernández, opositor de Jair Bolsonaro, foi eleito em outubro presidente da Argentina. Derrotou o ex-presidente Mauricio Macri, uma das figuras mais próximas do Brasil na política externa durante 2019, principalmente por suas políticas econômicas liberais e por sua forte sintonia com o Brasil nas decisões do Mercosul.
Os países do bloco ainda não chegaram a um acordo sobre a redução na Tarifa Externa Comum (TEC) – a taxa padronizada pelo Mercosul para a importação de produtos de outros países. A mudança na TEC é um grande desejo da equipe econômica do Brasil. Mas, com a posse de Alberto Fernández, isso poderá ser mais difícil de ocorrer.
Fernández é um desafeto de Bolsonaro e visitou o ex-presidente Lula na prisão, em julho. Enquanto chama o petista de "querido amigo" e considera sua prisão "uma mácula ao Estado de Direito", já disse que Bolsonaro é "racista", "misógino" e "a favor da tortura".
O novo presidente da Argentina fala em revisar o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, considerado uma das grandes vitórias do atual governo brasileiro na política externa.
Se, por um lado, o Brasil perdeu um parceiro na Argentina, ganhou potenciais aliados na Bolívia e no Uruguai.
Com a renúncia do ex-presidente boliviano Evo Morales, a direita assumiu o poder provisório na Bolívia, com a presidente Jeanine Añez. O líder dos protestos que levaram à queda de Morales, Luis Camacho, é chamado de “Bolsonaro boliviano” por causa de suas posições políticas, e é considerado o favorito para vencer as eleições convocadas para abril de 2020.
No Uruguai, o grupo político esquerdista de Pepe Mujica e Tabaré Vázquez, atual presidente do país, perdeu as eleições para o direitista Lacalle Pou, um defensor de maior abertura econômica.
Venezuela: pressão contra Maduro fracassa, mas Operação Acolhida é um êxito
Em 23 de janeiro, o governo brasileiro passou a reconhecer Juan Guaidó como presidente da Venezuela, assim que o líder da oposição a Nicolás Maduro se declarou presidente interino do país.
Semanas antes, no dia 4 de janeiro, o Brasil já havia assinado uma declaração de não reconhecimento do segundo mandato de Maduro emitida pelo Grupo de Lima, que congrega países latino-americanos que buscam uma solução para a crise da Venezuela.
Mas, quase um ano depois desses acontecimentos, a falta de poder político efetivo de Guaidó esvaziou a repercussão das decisões tomadas no início de 2019.
Uma fala do chanceler peruano, Gustavo Meza-Cuadra, resume o problema: “Preocupa que a reiteração de nossas posições possa terminar banalizando-as, e contribua para transmitir a impressão de normalização de uma crise que continua se agravando”, afirmou em Brasília, durante reunião do Grupo de Lima em novembro.
Embora as investidas brasileiras para acelerar a queda de Maduro possam ser consideradas, por enquanto, um fracasso da política externa, a ajuda humanitária oferecida a refugiados venezuelanos é um êxito do governo atual, que expandiu e melhorou a Operação Acolhida, iniciada no governo Temer.
A interiorização de venezuelanos – isto é, o esforço de enviar a outros estados os imigrantes que chegam a Roraima pela fronteira com a Venezuela – tem sido acelerada. Nos últimos meses, segundo dados do Ministério da Defesa, 3 mil venezuelanos estão sendo interiorizados, em média, por mês. Antes, a média era de cerca de 500 interiorizações mensais.
Brasil vai defender valores da família no Conselho de Direitos Humanos da ONU
O Brasil se elegeu membro do Conselho de Direitos Humanos (CDH) da ONU por mais quatro anos para uma das duas vagas que estavam disponíveis para América Latina e Caribe. A outra ficou com a Venezuela.
Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a intenção do governo neste novo mandato é sanar uma tendência recente de "reducionismo da ideia de direitos humanos a pautas minoritárias".
O Brasil adotará uma postura favorável aos valores da família e defenderá bandeiras mais tradicionais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, deixando de lado o foco excessivo em direitos das minorias que têm dominado a atuação do país no CDH nos últimos anos.
Oriente Médio: embaixada em Jerusalém não é criada, e Hezbollah ainda não é chamado de terrorista
No começo de 2019, especulava-se que a política externa do governo Bolsonaro fosse seguir o que fez Donald Trump em 2017 ao declarar Jerusalém como capital de Israel. A consequência dessa declaração seria transferir a embaixada do país em Israel de Tel Aviv para Jerusalém. Esse movimento, contudo, encontra forte oposição das nações árabes, que consideram que Jerusalém é a capital da Palestina; o reconhecimento da cidade como capital de Israel é visto por eles como um endosso á ocupação israelense dos territórios palestinos.
A transferência da embaixada, que chegou a ser anunciada por Eduardo Bolsonaro, não se concretizou. Mas a criação de um escritório de negócios do Brasil com Israel, em Jerusalém, anunciada em março, criou mal-estar no mundo árabe.
O governo brasileiro, por meio do Itamaraty, agiu rápido para evitar uma crise, e a relação entre brasileiros e árabes, ao menos no âmbito comercial, parece não ter sido afetada de forma relevante. O Itamaraty mandou missões para países árabes logo depois da visita de Bolsonaro a Israel, em março, com o objetivo de apaziguar as relações diplomáticas. O resultado dessas missões foi um convite para que Bolsonaro visitasse países do Golfo Pérsico. A visita foi feita em outubro, durante o tour asiático de Bolsonaro.
Outra especulação que não se confirmou foi a classificação do grupo libanês Hezbollah como terrorista por parte do governo brasileiro.
No meio do ano, Argentina e Paraguai adotaram essa classificação para o Hezbollah, juntando-se a Estados Unidos, Canadá e Reino Unido. Esperava-se que o Brasil, sob Bolsonaro, fosse acompanhar esses países. Mas isso ainda não aconteceu.
Triângulo Mineiro investe na prospecção de talentos para impulsionar polo de inovação
Investimentos no Vale do Lítio estimulam economia da região mais pobre de Minas Gerais
Conheça o município paranaense que impulsiona a produção de mel no Brasil
Decisões de Toffoli sobre Odebrecht duram meses sem previsão de julgamento no STF