Com o setor público sem capacidade de investimento, o governo de Jair Bolsonaro deu início em 2019 a uma agenda ampla de privatizações e infraestrutura. O objetivo do plano é reduzir o tamanho do Estado por meio da venda de estatais e de concessões públicas, repassando para a iniciativa privada a responsabilidade pelos investimentos necessários ao desenvolvimento e melhorias de aeroportos, portos, ferrovias, rodovias, campos de petróleo, entre outros.
Ao longo de 2019, foram concedidos à iniciativa privada 13 terminais portuários, 12 aeroportos, uma rodovia e uma ferrovia. Também foram feitos três leilões para exploração de petróleo, incluindo o megaleilão conhecido como "cessão onerosa". E foram vendidos mais de R$ 100 bilhões em ativos, como subsidiárias, campos naturais e ações que a União ou suas estatais tinham em outras empresas. A maior parte desses R$ 100 bilhões vai para o caixa das estatais do governo, pois elas eram as donas de grande parte dos ativos.
Segundo dados do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), o governo já conseguiu atrair, em 2019, R$ 442 bilhões em compromissos de investimentos com as concessões na área de infraestrutura para a iniciativa privada. Esse montante será aplicado ao longo do tempo de concessão, que normalmente varia em torno de 30 anos.
Somente com as concessões e permissões (novas e antigas), o governo espera arrecadar R$ 92,6 bilhões em 2019, dinheiro que foi fundamental para o descontingenciamento do orçamento federal. Parte desse dinheiro será dividida com estados e municípios.
Os leilões de aeroportos, portos e ferrovias ficaram concentrados no primeiro semestre e os de petróleo e rodovia no segundo semestre. Já a venda de ativos se acelerou a partir do segundo trimestre. No caso das concessões de infraestrutura, os estudos e editais estavam sendo realizados desde o governo de Michel Temer.
Nenhuma estatal de controle direito do governo foi vendida em 2019. Porém, esse cenário deve começar a mudar a partir do próximo ano, já que está prevista a privatização de cinco estatais de controle direto: ABGF; Casa da Moeda; Ceagesp; Ceasaminas; e Emgea. Outras 12 estatais estão na mira para venda ou liquidação (fechamento) até o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro.
A agenda de infraestrutura e privatizações é comandada pelos ministérios de Infraestrutura e Economia, respectivamente, com o apoio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), ligado à Casa Civil.
Conheça o que de mais importante o governo Bolsonaro fez em 2019 nas privatizações e infraestrutura:
Aeroportos: a concessão de infraestrutura mais bem sucedida
O governo Bolsonaro concedeu à iniciativa privada 12 aeroportos em 2019. O leilão foi realizado em março e foi bastante disputado. Teve ágios (diferença acima do lance mínimo) bem altos: em média, de 986%. Foi o primeiro grande leilão do governo na área de concessão de infraestrutura.
O grupo espanhol Aena Internacional levou os aeroportos do bloco Nordeste (Recife, Maceió, Aracaju, Juazeiro do Norte, João Pessoa e Campina Grande) por R$ 1,9 bilhão. Já a suíça Zurich levou os aeroportos do Sudeste (Vitória e Macaé) por R$ 437 milhões. Por último, o consórcio brasileiro Aeroeste arrematou o bloco Centro-Oeste ao oferecer R$ 40 milhões pelos terminais localizados em Cuiabá, Sinop, Rondonópolis e Alta Floresta, todos em Mato Grosso.
Com isso, a União arrecadou R$ 2,377 bilhões à vista. Mais R$ 1,823 bilhão serão pagos parcelados nas próximas décadas. Os vencedores vão administrar os aeroportos por 30 anos e terão de investir R$ 3,5 bilhões em melhorias.
No leilão, também foi testado pela primeira vez o modelo de licitação em blocos (cada bloco contém mais de um aeroporto). Não foi possível comprar a concessão de um único aeroporto. Os investidores tiveram de levar o bloco inteiro E todos os blocos ofertados tiveram ágio e mais de um interessado.
Cada bloco sempre tem um aeroporto bastante rentável, o chamado puxa-bloco, e outros menos rentáveis. Esse modelo foi escolhido pelo governo para fazer com que a União consiga vender aeroportos pouco atrativos, ou seja, aqueles que têm baixa demanda de passageiros.
Trecho da Ferrovia Norte-Sul é o 1.º a ser concedido em mais de dez anos
O governo realizou o leilão de uma ferrovia em 2019. Trata-se de um trecho de 1.537 quilômetros da ferrovia Norte-Sul. O trecho vai da cidade de Estrela d’Oeste (SP) a Porto Nacional (TO).
A Rumo foi a vencedora da disputa, realizada em março. A empresa pagou à União R$ 2,719 bilhões à vista, um ágio de 100,92%. A companhia terá de investir R$ 2,72 bilhões em melhorias ao longo de 30 anos, tempo que durará a concessão. O período não poderá ser renovado.
A ferrovia Norte-Sul é um ambicioso projeto para ligar o país de ponta a ponta e atender principalmente à demanda por transporte do setor do agronegócio. Mas há 30 anos a obra aguarda sua conclusão. O projeto prevê 4,5 mil quilômetros de trilhos de ponta a ponta do país, mas somente 1.575 quilômetros saíram do papel em três décadas.
O leilão do trecho de 1,5 mil quilômetros da Norte-Sul foi o primeiro realizado pelo governo em mais de dez anos. O último tinha acontecido em 2007 e também foi referente a um trecho da Norte-Sul.
Privatizações de rodovias começaram por Minas e Goiás
Em setembro, o governo realizou o seu primeiro e único leilão de rodovias neste ano. A empresa EcoRodovias foi a vencedora e arrematou as BRs 364 e 365, mais especificamente um trecho de 437 quilômetros que liga as cidades de Uberlândia (MG) e Jataí (GO), sendo 244 quilômetros em Minas e 193 quilômetros em Goiás. O tempo de concessão é de 30 anos.
Para vencer o leilão, a EcoRodovias ofereceu a menor tarifa de pedágio entre as três concorrentes. A tarifa de pedágio a ser cobrada será de R$ 4,69 – um deságio de 33,14% sobre a tarifa máxima que poderia ser cobrada, segundo o edital do leilão. O trecho terá sete praças de pedágio a partir do terceiro ano de concessão. Foi o primeiro leilão de rodovia realizado pelo critério do menor valor da tarifa do pedágio.
A empresa vencedora também se comprometeu a investir R$ 4,5 bilhões no trecho durante o tempo de concessão. Serão R$ 2,06 bilhões para obras de melhorias e R$ 2,51 bilhões para cobrir os custos operacionais necessários para manutenção das rodovias.
O trecho arrematado é considerado essencial para o escoamento da produção agropecuária no chamado Triângulo Mineiro.
Portos: a área campeã de concessões de infraestrutura
A área de portos foi a que mais teve leilões neste primeiro ano de mandato do governo Bolsonaro. Foram concedidos à iniciativa privada 13 terminais portuários. Os leilões foram realizados em março, abril e agosto.
Primeiro foram arrematados quatro terminais: três em Cabedelo (PB) e um em Vitória (ES). O Consórcio Navegantes Logística arrematou a área VIX 30, no Porto de Vitória, por R$ 165 milhões. Já o Consórcio Nordeste levou as três áreas do Porto de Cabedelo (PB) por R$ 54,5 milhões. O arrendamento dos quatro terminais rendeu à União R$ 219,5 milhões em outorga.
O consórcio vencedor dos terminais paraibanos terá de fazer investimentos de R$ 71,5 milhões ao longo do tempo de concessão – que será de 25 anos, exceto para uma área com 35 anos. Já no terminal capixaba são esperados investimentos de R$ 128 milhões ao longo de 25 anos de concessão.
Em abril, mais seis terminais portuários foram leiloados. Todos eles ficam localizados no Pará: cinco em Miramar, no Porto Organizado de Belém, e uma no Porto de Vila do Conde. O governo arrecadou R$ 447,9 milhões com o leilão das seis áreas, sendo que R$ 112 milhões foram pagos à vista e o restante será pago em cinco parcelas anuais.
As áreas foram arrematadas pelos Terminal Químico de Aratu SA Tequimar, pelo Consórcio Latitude, pela Petróleo Sabbá, pelo consórcio Ipiranga Produtos de Petróleo AS, pela Petrobras Distribuidora e pela Petrobras Transportes. As vencedoras se comprometeram a investir R$ 430 milhões nas áreas ao longo do tempo de concessão.
Em agosto, o governo encerrou os leilões na área de portos. Foram arrematadas três áreas: duas em Santos (SP) e uma em Paranaguá (PR). O governo arrecadou R$ 148,5 milhões, sendo R$ 37,125 milhões pagos à vista e o restante em cinco parcelas anuais. O investimento previsto em todas as áreas chega a aproximadamente R$ 420 milhões.
As áreas no Porto de Santos foram levadas pela Hidrovias do Brasil Holding Norte e pela Aba Infra Estrutura e Logística. Já a área no Porto de Paranaguá ficou com a Klabin.
Leilões de petróleo: uma história de fracasso e sucesso
O segundo semestre de 2019 foi marcado pelos leilões de exploração de petróleo e gás natural – em especial, o mais esperado deles: o megaleilão do pré-sal na área conhecida como cessão onerosa. Trata-se de uma área já explorada pelo Petrobras, mas na qual se descobriu um excedente de óleo. O direito de exploração desse excedente é que foi leiloado, após três anos de disputa entre a União e a Petrobras.
O objetivo era arrecadar R$ 106,5 bilhões com as quatro áreas que foram ofertadas. Mas o leilão acabou decepcionando. Só suas áreas foram arrematadas: Itapu e Búzios, na Bacia de Santos, no Rio de Janeiro. As áreas de Sérpia e Atapu ficaram sem interessados. Com isso, a União arrecadou apenas R$ 69,9 bilhões.
O leilão também foi considerado um “fracasso” porque as únicas duas áreas arrematadas foram levadas pela Petrobras, em parceria com um consórcio chinês. Nenhuma empresa estrangeira de outro país participou do certame. Também não houve disputa nem ágio nas duas áreas arrematadas.
Uma das explicações para o “fracasso” do leilão está no regime de partilha. Como se trata de uma área do pré-sal, o leilão precisa ser feito no regime de partilha, em que os valores do bônus de assinatura são fixos e a vencedora é a empresa que oferecer à União a maior participação no volume de petróleo e gás que vierem a ser produzidos. Essa participação é obrigatória, pois, no regime de partilha, a União é a dona do petróleo que é produzido.
Além disso, o direito de preferência da Petrobras e o alto valor do bônus de assinatura afastaram as pretendentes.
O mesmo cenário acabou acontecendo no leilão da 6.ª rodada do pré-sal, no regime de partilha. O leilão teve somente um dos cinco blocos arrematados e rendeu a União apenas R$ 5 bilhões. E, assim como aconteceu na cessão onerosa, foi a Petrobras, em consórcio com chineses, que levou a única área arrematada – a Aram, na Bacia de Santos.
Já a 16.ª rodada de licitações foi considerada um sucesso. Foram leiloadas áreas de exploração de petróleo e gás natural fora da área do pré-sal. Por isso, o leilão pode ser realizado sob o modelo de concessão, em que vence quem oferecer o maior bônus de assinatura à União (preço que se paga para arrematar as áreas). Nesse modelo, a concessionária não precisa compartilhar a produção com a União – apenas pagar impostos como royalties e participações especiais, além do bônus de assinatura.
Foram arrematados 12 dos 36 blocos marítimos ofertados, com ágio médio de 322,74%. A União arrecadou R$ 8,9 bilhões, bem acima dos R$ 2,3 bilhões esperados, mesmo com 24 blocos não tendo sido arrematados. A rodada irá gerar investimentos de, pelo menos, R$ 1,58 bilhão apenas na fase de exploração das áreas, a primeira etapa de concessão. Além da Petrobras, diversas empresas estrangeiras arremataram as áreas.
Meta de privatizações e desinvestimentos foi batida
Do lado dos desinvestimentos e privatizações, o governo já vendeu, direta ou indiretamente, mais de R$ 100 bilhões em ativos (exatamente R$ 100,5 bilhões até o fim de outubro, último dados disponível). O valor engloba vendas realizadas diretamente pelo governo federal e operações realizadas por suas principais estatais: Petrobras, Eletrobras, Caixa, Banco do Brasil e BNDES.
Segundo dados da Secretaria de Desestatização, Desinvestimentos e Mercados do Ministério da Economia, o valor foi obtido por meio da venda de ativos e subsidiárias de estatais, venda de ativos naturais e venda de ações. A meta, que era vender US$ 20 bilhões, foi batida.
Com venda de subsidiárias e ativos de empresas estatais, o governo levantou R$ 51 bilhões. O montante vai para o caixa da estatal que fez a venda. Dentro desse valor, destacam-se as vendas da Belém Bioenergia Brasil (R$ 0,025 bilhão), da BR Distribuidora (R$ 9,6 bilhões), Refinaria de Pasadena (R$ 1,7 bilhão), distribuidoras no Paraguai (R$ 1,5 bilhão), da TAG (R$ 33,5 bilhões) e da Liquigás (R$ 3,7 bilhões), todas pertencentes à Petrobras. A Eletrobras também vendeu alguns lotes de energia.
Já com a venda de ativos naturais, o governo levantou mais R$ 13,2 bilhões. Esses ativos eram todos da Petrobras e incluíam campos de petróleo e gás terrestres. Novamente, o dinheiro foi para o caixa da estatal.
O governo e suas estatais se desfizeram ainda de R$ 36,3 bilhões em ações que tinham em outras empresas privadas e públicas.