Não havia dúvidas de que as ações ambientais seriam diferentes no governo do presidente Jair Bolsonaro. Mas, em tempos em que a economia é a grande preocupação, poucos apostariam que o meio ambiente seria assunto por trás da instabilidade política enfrentada pelo presidente. O debate na área foi marcado por uma escalada da animosidade entre integrantes do próprio governo e organizações da sociedade civil. A situação de queimadas e desmatamento da Amazônia coroou uma crise que chegou até o exterior.
Antes mesmo de ser eleito presidente, Bolsonaro colecionava declarações polêmicas sobre a política ambiental. Durante a montagem de seu governo, antes da posse, até a existência do Ministério do Meio Ambiente ficou na berlinda – ele cogitou fundir a pasta com a da Agricultura, mas mudou de ideia devido a pressões.
O ministro escolhido para o cargo, Ricardo Salles, também ficou nos holofotes. Sua gestão começou com o discurso de priorizar o “meio ambiente urbano”, passou pela promessa de acabar com a "indústria das multas ambientais" e chegou a questionamentos sobre dados do próprio governo sobre queimadas e desmatamentos na Amazônia.
Veja como foi o primeiro ano do governo Bolsonaro no meio ambiente:
Queimadas: tendência era de alta, mas ação do governo conteve focos
O debate ambiental no país alcançou outro patamar em 2019 por causa do aumento no número de focos de queimadas na região da Amazônia Legal, principalmente os registrados em agosto. O episódio chamou a atenção do mundo todo para as escolhas que estavam sendo feitas pela equipe de Jair Bolsonaro, expondo efeitos do contingenciamento de verbas e respingando nas relações comerciais do país.
Em agosto, foram registrados 30.901 focos de calor no bioma Amazônia, um indicativo usado pelos órgãos ambientais para estimar o número de pontos de queimada de fato. Esse número não é o mais alto da série histórica para o mês – o pico ocorreu em 2005, durante o governo Lula, quando foram registradas 63.764 ocorrências. Mas o número veio na esteira de declarações do governo consideradas permissivas para a prática de crimes ambientais, por relativizar as punições.
Considerando os dados disponíveis até o dia 15 de dezembro, o bioma Amazônia registrou 88.256 focos de calor este ano. É um número superior ao registrado em todo o ano de 2018 (68.345), mas inferior ao de 2017 (107.439).
Apesar da tendência de alta, o governo conseguiu reverter o número de queimadas após uma força-tarefa (a Operação Verde Brasil), iniciada a partir da publicação de um decreto de Garantia de Lei e Ordem (GLO), em que órgãos ambientais atuaram em conjunto com forças policiais para reprimir crimes ambientais. Só no primeiro mês da operação, foram aplicados 112 termos de infração, com R$ 36,3 milhões em multas ambientais.
A Operação Verde Brasil veio após uma manifestação contundente do mercado financeiro: uma carta assinada por 230 fundos de investidores internacionais, que se diziam consternados com a situação da região amazônica no Brasil e na Bolívia. Juntos, esses fundos administram valores superiores ao PIB da China – estão sob sua gestão cerca de US$ 16,3 trilhões, enquanto a economia chinesa em 2018 alcançou um produto interno bruto de US$ 13,2 trilhões.
Governo questiona dados de desmatamento do próprio governo
O presidente Jair Bolsonaro atacou com regularidade os dados sobre desmatamento da Amazônia e sobrou até mesmo para órgãos ligados ao governo, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
A situação azedou mais após o Inpe divulgar medições do sistema Deter (Detecção de Desmatamento em Tempo Real), que apontaram um avanço fora da curva nos casos de desflorestamento em junho e julho, na comparação com os mesmos meses de 2018.
Bolsonaro e ministros da sua equipe, como o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e o ministro Ricardo Salles questionaram muito os dados e sua divulgação. O professor Alexandre Galvão Patriota, livre-docente do Departamento de Estatística do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP), afirmou que os questionamentos do governo aos dados sobre o desmatamento da Amazônia "faziam sentido".
A confusão culminou com a demissão do diretor do Inpe, Ricardo Galvão, que bateu de frente com Bolsonaro. A demissão causou forte reação no meio científico, no Brasil e no exterior. Por fim, Galvão apareceu na lista de cientistas do ano da revista Nature.
Fundo Amazônia sob risco de acabar
A existência do Fundo Amazônia foi alvo de muito questionamento ao longo de 2019. Criado em 2008 com objetivo de apoiar iniciativas que combatam o desmatamento na região amazônica, o fundo esteve na mira do ministro do Meio Ambiente, que desconfiava da atuação das ONGs que receberam verbas para desenvolver seus projetos.
O ministro questionou a governança do fundo, que é gerido pelo BNDES, e sugeriu outros usos para os recursos. O governo também chegou a extinguir o Conselho Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), composto por integrantes dos governos federal e estaduais e da sociedade civil.
O clima de animosidade levou Noruega e Alemanha, as duas grandes doadoras do fundo, a suspenderem novos repasses de verba. O governo prometeu apresentar uma nova modelagem para o funcionamento do fundo – da seleção de projetos à gestão do dinheiro. Apesar de Salles ter repetido as principais diretrizes que norteiam a nova proposta, o governo não chegou a formalizar a reformulação deste fundo, que pode deixar de existir, inclusive, caso a tramitação da PEC dos Fundos avance no Congresso.
Legalização do garimpo e mineração em terras indígenas
Promessa de campanha, Jair Bolsonaro falou várias vezes ao longo de 2019 em legalizar o garimpo no Brasil e a mineração em terras indígenas.
Bolsonaro também declarou ser contrário às novas demarcações de reservas para índios e disse que não haverá nem um milímetro de novas áreas indígenas em seu governo.
A questão indígena ganhou força em julho, com a morte de um líder no território Wajãpi, no Amapá. Na época, duas propostas de emenda constitucionais que estavam esquecidas no Congresso começaram a tramitar – elas previam a possibilidade de liberação de atividades agropecuárias nas reservas. O governo chegou a anunciar que apresentaria proposta relacionada ao garimpo, mas não o fez.
Novo foco no meio ambiente: combate à indústria da multa ambiental
Ainda quando era deputado, Jair Bolsonaro recebeu uma multa ambiental por pescar em uma área de reserva, no litoral do Rio de Janeiro. O fiscal que aplicou a sanção foi exonerado do cargo em 2019, já durante o governo de Bolsonaro.
O caso se tornou um dos exemplos daquilo que Bolsonaro classifica de “indústria da multa ambiental”. O presidente chegou a falar em “fazer uma limpa no Ibama e no ICMBio” durante uma feira rural no interior de São Paulo.
Se isso não ocorreu, uma das ações dos cem primeiros dias de governo de Bolsonaro foi a assinatura de um decreto para acabar com a “farra das multas ambientais”, tornando a cobrança mais ágil e convertendo as multas em ações de recuperação e preservação do meio ambiente.
Na prática, em 2019 houve uma redução drástica no número de autuações ambientais aplicadas no Brasil.
Foco no meio ambiente urbano
Um argumento muito repetido pelo ministro Ricardo Salles ao longo deste ano é o de que 80% da população do Brasil vive em cidades. Por isso, o foco da pasta tem de ser o “meio ambiente urbano”, já que a maioria da população enfrenta os desafios de conviver com lixo, falta de saneamento e problema de poluição.
Por isso, logo no início de sua gestão, ele lançou o programa Lixão Zero, que faz parte da segunda fase da Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana, classificada como prioridade do ministério. A primeira foi o lançamento do programa Lixo no Mar.
Na área do meio ambiente urbano, o governo também enviou ao Congresso um projeto de lei para mudar o marco legal do saneamento e para facilitar a entrada de empresas privadas no serviço de abastecimento de água e coleta e tratamento de lixo. O novo marco legal do saneamento já foi aprovado na Câmara e deve ser votado no Senado em 2020.
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