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Os senadores que integram a CPI da Covid planejam utilizar o período do recesso parlamentar para avaliar a grande quantidade de documentos que foi coletada pela comissão ao longo de quase três meses de atividade. O total de informações de posse do colegiado corresponde a um terabyte de memória, medida que equivale a um trilhão de bytes, a unidade básica de medidas na informática.
Os documentos de posse da CPI incluem elementos como informações enviadas por órgãos públicos e privados, relatórios de sigilos quebrados e gravações de vídeos e áudios. Os parlamentares, em especial os que fazem oposição ao governo de Jair Bolsonaro, acreditam que os conteúdos podem reforçar as linhas de investigação recentemente estabelecidas pela comissão.
"A quebra de sigilo bancário, fiscal e telemático é uma das prioridades de análise nos próximos dias. Nós vamos dedicar essas duas semanas para isso e não descartamos alguma eventual diligência", declarou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
A CPI não terá reuniões até o próximo dia 3, quando deve receber o empresário Francisco Maximiano, proprietário da Precisa Medicamentos, a empresa suspeita de intermediar a compra supostamente superfaturada da vacina Covaxin. O recesso parlamentar, que envolve Câmara e Senado e começa oficialmente neste sábado (17), está previsto na Constituição e ocorre quando os congressistas conseguem aprovar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que regula os gastos federais para o próximo ano.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), autorizou a prorrogação da CPI por mais 90 dias — o prazo inicial para o término dos trabalhos do colegiado era o dia 7 de agosto. Randolfe, porém, descarta a utilização da totalidade da extensão. O senador acredita em uma prorrogação que fique entre 45 e 60 dias.
Randolfe também declarou que a CPI não terá relatórios parciais, e sim apenas um definitivo, feito por Renan Calheiros (MDB-AL). A hipótese de "sub-relatórios" havia sido colocada em pauta no início dos trabalhos da comissão, como alternativa para evitar que o colegiado ficasse disperso diante dos diferentes temas abordados.
De hospitais no Rio a contratos de logística
As sinalizações dos senadores de oposição — que são maioria na CPI — indicam que temas como tratamento precoce e "lentidão" para a compra de vacinas devem efetivamente ficar em segundo plano na nova etapa da comissão. O foco dos parlamentares deve ser mesmo a investigação sobre denúncias de corrupção que envolvem o Ministério da Saúde e outras suspeitas que envolvem a família Bolsonaro.
Segundo reportagem do jornal O Globo, a CPI analisará irregularidades na gestão de hospitais federais sediados no Rio de Janeiro. A linha de investigação foi aberta após o ex-governador fluminense Wilson Witzel falar à CPI. Na ocasião, Witzel disse que tinha conhecimento de suspeitas e que só poderia detalhá-las em uma reunião secreta com os integrantes da CPI. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente da República, seria responsável pela indicação de alguns dos responsáveis pelas irregularidades.
A apuração sobre os hospitais do Rio poderia conectar a CPI ao advogado Frederick Wassef. Ainda de acordo com O Globo, parlamentares da comissão estudam pedir a quebra dos sigilos de Wassef, que é o defensor de Flávio Bolsonaro e ganhou notoriedade após dar abrigo ao ex-policial Fabrício Queiroz, apontado como operador de um esquema de "rachadinhas" que existiria no gabinete de Flávio quando este era deputado estadual no Rio.
Outro ponto de possível investigação, e que também envolve Flávio Bolsonaro, é a relação entre a empresa VTCLog e o Ministério da Saúde, de acordo com informações da revista Crusoé. A VTCLog foi contratada pela pasta em 2016, quando o ministro era o hoje líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Na ocasião, Barros desmontou um segmento do ministério que fazia as atividades desempenhadas pela VTCLog — armazenamento e distribuição de medicamentos comprados pelo governo. A suspeita que envolve a VTCLog é a realização de contratos superfaturados com o ministério. O senador Randolfe Rodrigues chamou a VTCLog de "personagem novo" a ser abordado pela CPI.
Governistas pressionam CPI por investigação em estados e municípios
Do lado dos parlamentares governistas, a expectativa é que o retorno da CPI simbolize o avanço de investigações sobre governos estaduais e municipais. Para os parlamentares mais alinhados com a gestão Bolsonaro, os principais problemas que o Brasil enfrenta em virtude da pandemia de coronavírus têm como motivo desvios ou equívocos praticados por prefeitos e governadores que receberam verbas do governo federal.
"Com essa prorrogação, eu espero que no segundo momento da CPI aqueles que hoje têm foco só no governo federal tenham interesse de investigar o que aconteceu com o dinheiro no Amazonas, Paraná, Nordeste, Santa Catarina, Brasil afora. Nós temos que parar de dar palco para bandido", disse na quinta-feira (15) o senador Marcos Rogério (DEM-RO), em entrevista coletiva.
À Gazeta do Povo, o senador Luís Carlos Heinze (PP-RS) adiantou que uma estratégia que os governistas tentarão emplacar na CPI é o de buscar a convocação de prefeitos. Isso porque a presença de governadores é contestada pelo Judiciário. A CPI chegou a aprovar a presença de nove governadores, mas nenhuma sessão com eles se concretizou. Após Wilson Lima (PSC), do Amazonas, obter o direito de não comparecer, a comissão deixou de lado a prioridade de trazer os governadores. "Com base nisso, vamos tentar ouvir os municípios", destacou Heinze.
O senador falou também que seu foco durante o recesso será o de aprofundar conhecimentos no campo científico. Ele é um dos principais defensores, na CPI, do tratamento precoce, e buscará ter mais informações sobre este procedimento e também sobre a vacinação. "Vou pegar a parte do tratamento e das vacinas e ficar interagindo", declarou.
Heinze disse que não se focará nos sigilos e outros requerimentos coletados pela CPI por entender que as informações "alimentam narrativas". "Eles [oposição] estão com narrativas para todos os depoentes, mas até agora não conseguiram nada", afirmou.