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Durante as dez horas de sua sabatina, nesta quarta-feira (13), Flávio Dino, o mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), evitou a todo momento se manifestar sobre casos concretos que irá julgar na Corte. Mas deixou transparecer o que pensa sobre temas polêmicos, sobretudo para defender medidas que tomou no passado recente como ministro da Justiça no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o indicou ao STF.
Ele, por exemplo, disse discordar do voto da ministra Rosa Weber, que irá substituir, a favor da liberação do aborto até a 12ª semana de gestação. Em outro momento, enfatizou que a liberdade de expressão não deve ser absoluta e que defende a regulamentação mais rígida das redes sociais para prevenir crimes cometidos na internet.
Questionado se declarar-se-á impedido para julgar o ex-presidente Jair Bolsonaro, ele não respondeu, mas disse que teve um “almoço normal” com ele quando era governador do Maranhão. De qualquer modo, insistiu que, quando vestir a toga, não deixará suas posições políticas interferirem em suas decisões – recentemente, ele disse que o “bolsonarismo” é pior que crimes como tráfico de drogas e assalto a bancos.
Abaixo, um resumo do que Flávio Dino disse na sabatina, realizada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado:
Aborto
Questionado sobre a legalização do aborto, Dino disse que tem uma “posição pública bastante antiga e reiterada em sucessivas entrevistas”. No passado, ele já declarou ser “filosoficamente, doutrinariamente, contra o aborto” e que a legislação brasileira “não deve ser mexida nesse aspecto” – hoje, o aborto é crime e não é punido quando há risco de morte para a mãe, quando a gravidez é resultado de um estupro e quando o feto não tem cérebro.
Na sabatina, Dino disse que novas mudanças não deveriam ser feitas no Judiciário e que, na ação em julgamento no STF, não poderá votar, pois Rosa Weber já votou.
“Eu não imagino realmente que seja caso de uma decisão judicial sobre isso, e, sim, de um debate no Parlamento. Como o senhor sabe, é claro que esse processo já foi votado pela Ministra Rosa, e, evidentemente, eu não posso, eventualmente, rever o voto que ela proferiu, respeitável, não há dúvida, mas desconforme com aquilo que, particularmente, eu penso”, afirmou, em resposta ao senador Magno Malta (PL-ES).
“Realmente eu sou contrário a que o Poder Judiciário unilateralmente faça essa mudança. Tenho me manifestado no sentido de que a lei, tal como a vigente, sobre alguns casos de aborto legal, casos de estupro, por exemplo, é uma lei suficiente”, afirmou depois ao senador Efraim Filho (União-PB).
Liberdade de expressão
Flávio Dino repetiu na sabatina que a liberdade de expressão não é absoluta. É o entendimento consolidado no Brasil há décadas. Mas vários senadores apontaram limites cada vez mais estreitos impostos pelo STF, sobretudo contra a nova direita, incluindo atos de censura a jornalistas e influenciadores digitais e perseguição de parlamentares conservadores.
Ao se manifestar sobre o tema, Dino primeiro fez menção ao entendimento consensual de juristas, no sentido de que a liberdade de expressão não protege manifestações que configurem crimes contra a honra.
“Ora, se existe um crime de calúnia, difamação, injúria, incitação à prática criminosa, apologia de fato criminoso, racismo, tudo isso está votado pelo Congresso Nacional; então, é claro que há uma fronteira da liberdade de expressão, como o Dr. Gonet disse. A liberdade de expressão não alberga, não protege calúnia; não protege ameaça à vida de crianças; não protege racismo. Foi isso que eu ali disse e aqui reitero”, afirmou, numa resposta ao senador Rogério Marinho (PL-RN).
Ele foi questionado sobre declarações que fez durante reunião, como ministro da Justiça, no início deste ano, com representantes de redes sociais. Esclareceu que, naquele momento, alertava as empresas para consequências que teriam caso não retirassem das plataformas conteúdos de incentivo à violência contra crianças; na época, houve vários ataques a escolas.
Depois, respondendo a um questionamento de Flávio Bolsonaro, que se queixou que parlamentares atualmente têm que “medir as palavras” para falar na tribuna da Câmara e do Senado, mesmo tendo imunidade parlamentar, Dino disse que isso “é o certo”.
“Se nós abrirmos, neste momento, as redes sociais de qualquer um para mostrar, ou mesmo as minhas, nós vamos encontrar as coisas mais abjetas, impronunciáveis, criminosas sendo escritas. Então, o problema não é que medir a palavra esteja errado, como o senhor disse. É o contrário: medir as palavras é o certo. Eu tenho absoluta certeza de que o senhor faz isso em casa, e todos nós devemos fazer na vida pública”, afirmou.
Redes sociais
Nesse momento, Dino também defendeu uma regulação mais rigorosa sobre as redes sociais, bandeira que encampou enquanto ministro da Justiça.
“Se todos os âmbitos da vida humana têm regulação, onde está escrito que só a internet não pode ter? De onde emergiu essa mitificação, a não ser dos interesses eventualmente empresariais, que não interessam ao debate jurídico?”, argumentou.
Depois, lembrou que já existe o Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso, que obriga as redes sociais a remover, por iniciativa própria e sem necessidade de decisão judicial, cenas de nudez não consentidas. Um dos objetivos da proposta de regulamentação é expandir remoção de conteúdos sem intervenção da Justiça, como “ataques” a instituições, especialmente após a invasão e depredação das sedes dos Poderes em 8 de janeiro.
“Considero que é o debate jurídico mais importante do século XXI, porque nós estamos no limiar do perecimento das condições de se realizar eleições com o abuso da inteligência artificial. Todas as senhoras e os senhores sabem disso. E não vai haver regras?”, afirmou.
“Imaginemos a inteligência artificial servindo, como hoje há nas plataformas, à incitação de crimes! Eu vi, Senador - eu vi -, incitação de suicídio de jovens. Eu vi jovens chantageando outros jovens, eu vi meninos chantageando meninas para praticarem atos de vilipêndio sexual. Os seus filhos estão expostos a isso, as crianças e jovens do Brasil estão expostos. Há suicídios sendo transmitidos ao vivo. Isto é ditatorial, tratar disto? Ou é preservar os valores mais sagrados que a civilização humana conseguiu erigir: o da vida, o da integridade física?”
Jair Bolsonaro
Rogério Marinho (PL-RN) e Jorge Seif (PL-SC) perguntaram se ele se declararia impedido de julgar Bolsonaro, investigado em vários inquéritos conduzidos pelo ministro Alexandre de Moraes. Dino não respondeu. Disse apenas que teve um almoço normal com ex-presidente quando ele era governador do Maranhão.
Ele respondia ao senador Magno Malta (PL-ES) que tem adversários políticos, não inimigos pessoais. “Falam ‘ah, o Bolsonaro’, etc. Eu almocei com o Presidente Bolsonaro no Palácio do Planalto. Ele me convidou, e eu almocei com ele. Foi um almoço normal. Então, eu estive em várias reuniões com S. Exa. Era o Presidente da República, e eu governava um estado”, afirmou.
“Vários aqui têm mencionado uma confusão entre adversário político e inimigo pessoal. Eu não sou inimigo pessoal de rigorosamente ninguém. Tanto é, que a bancada federal do Maranhão, todos os partidos políticos, inclusive o seu, todos os parlamentares do seu partido assinaram uma nota em meu apoio. Então, eu não cultivo inimigos pessoais”, disse antes a Malta, referindo-se a políticos do PL que o apoiam no Maranhão.
Drogas
Questionado por senadores sobre outra ação no STF, que pode descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal, Dino se esquivou. Disse apenas que é “contra as drogas” e destacou medidas que tomou no Ministério da Justiça para combater o tráfico.
“Nós vamos, creio eu, chegar a R$ 6 bilhões retirados das facções criminosas somente no que diz respeito ao tráfico de drogas. Aqui eu me refiro a drogas aprendidas, armas; me refiro a bens, apartamentos, veículos de luxo. E é um resultado, a meu ver, muito importante, porque coloca o Brasil alinhado às melhores práticas internacionais, no sentido de que só é possível vencer as organizações criminosas descapitalizando-as e combatendo os canais de lavagem de dinheiro”, disse, em resposta ao senador Sergio Moro (União-PR).