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Lava Jato

O que disseram os membros do comitê da ONU que votaram a favor de Moro e contra Lula

Lula campanha
O ex-presidente e pré-candidato Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Ricardo Stuckert/PT)

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A decisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas que considerou que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve seus direitos violados pela Justiça brasileira não foi unânime. Dos 17 membros do órgão que analisou supostas violações ao devido processo legal, dois rebateram de forma contundente as conclusões da maioria de que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na Operação Lava Jato.

A maioria do comitê considerou que quatro artigos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos foram violados no caso em questão: direito à liberdade (artigo 9); julgamento justo perante um tribunal imparcial e independente, e presunção de inocência (artigo 14); proteção da privacidade (artigo 17); e garantia dos direitos políticos (artigo 25).

No documento da decisão, divulgado nesta quinta-feira (28) pelo comitê da ONU, há um anexo que apresenta as razões pelas quais o procurador português José Manuel Santos Pais e a juíza togolesa Kobauyah Tchamdja Kpatcha, membros do comitê, divergiram da decisão final.

Eles discordaram de praticamente todas as acusações de Lula, por exemplo, a de que teria sofrido “privação de liberdade”, em 2016, quando foi submetido a uma condução coercitiva para depor numa sala do aeroporto de Congonhas. Pais e Kpatcha também não acolheram uma parte da denúncia segundo a qual a interceptação telefônica e a divulgação das conversas de Lula, naquele mesmo ano, teriam por objetivo “humilhar e intimidar”.

De modo semelhante, também rechaçaram a acusação de Lula de que Moro teria violado o sigilo entre advogado e cliente ao autorizar o grampo sobre um telefone de Roberto Teixeira, antigo amigo do ex-presidente, sogro e sócio de Cristiano Zanin, que defende o petista. Por fim, ainda divergiram, em parte, sobre a alegada parcialidade de Moro e sobre a “violação de seus direitos políticos” por Lula ter sido impedido de disputar a Presidência em 2018.

Essas, foram, em síntese, as acusações de Lula contra o Estado brasileiro perante a ONU.

O procurador José Pais e a juíza Kobauyah Kpatcha disseram, em primeiro lugar, que a denúncia sequer deveria ter sido admitida, quando foi apresentada, em julho de 2016. Isso porque, nessa época, Lula ainda era investigado e ainda havia inúmeros recursos de sua defesa que seriam julgados pela Justiça brasileira.

“Ao longo do processo penal, [Lula] continuou a utilizar todos os recursos disponíveis para a sua defesa. Estes nunca foram esgotados e se mostraram eficazes, uma vez que os acórdãos de 2021 do Supremo Tribunal Federal acolheram e abordaram os argumentos do autor”, escreveram Pais e Kpatcha, em referência aos julgamentos de março do ano passado, no STF, que anularam as condenações nos casos do triplex de Guarujá e do sítio de Atibaia, por incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba e suspeição de Sergio Moro.

Condução coercitiva

Em relação à condução coercitiva de Lula, o procurador português e sua colega togolesa no comitê levaram em consideração alguns fatos praticamente ignorados pelos outros 15 membros na decisão que condenou o Brasil. Nesse ponto, a defesa de Lula alegou que a medida foi abusiva porque Moro não havia o intimado previamente para depor, como exigia a lei.

Pais e Kpatcha reconheceram que o petista foi levado pela Polícia Federal e ficou “detido” por seis horas, mas também avaliaram que Lula não estaria disposto a depor.

“Apesar das alegações do autor [Lula] de que não queria obstruir a Justiça, as circunstâncias da época parecem indicar o contrário. De fato, o autor e sua esposa foram chamados para depor [no caso, pelo Ministério Público de São Paulo, que também investigava o caso do triplex] e ele impetrou um habeas corpus [na Justiça estadual] argumentando que o ato investigativo geraria grande risco de protestos e conflitos. Os protestos aconteceram de fato nos arredores do tribunal [Fórum da Barra Funda, em fevereiro de 2016]”, pontuaram.

Nesse episódio, anterior à condução coercitiva de março de 2016, Lula conseguiu cancelar um interrogatório que daria à Justiça paulista. Na época, grupos a favor e contra ele entraram em confronto na porta do tribunal, jogando objetos como ovos e frutas uns nos outros. Uma mulher acabou ferida com uma pedrada na cabeça.

Pais e Kpatcha, em seguida, fizeram menção a um plano de Lula, descoberto depois numa interceptação telefônica, para frustrar uma ordem de busca e apreensão.

“Uma ligação interceptada mostrava que o autor tinha conhecimento de busca e apreensão programada e contemplava ‘reunir alguns parlamentares para surpreendê-los’. Portanto, foram tomadas medidas para evitar riscos à integridade moral e física do autor e dos agentes de segurança”, concluíram eles sobre a condução coercitiva.

No processo, o Brasil alegou que, na época, a medida era constitucional e que só foi derrubada depois pelo STF, entre 2017 e 2018. Os dois membros do comitê vencidos consideraram que a condução não foi “arbitrária nem desproporcional”.

Interceptações telefônicas

Em relação aos grampos de Lula e Roberto Teixeira, Pais e Kpatcha disseram, inicialmente, que, se de um lado, o Estado deve reconhecer a importância de proteger a confidencialidade das comunicações, “em particular aquelas entre advogado e cliente”, “também precisam tomar medidas eficazes para a prevenção e investigação de infrações penais, em particular atos de corrupção”.

Eles registraram que a medida foi solicitada pelo Ministério Público Federal e deferidas de forma fundamentada e de acordo com a lei vigente. “Decisões judiciais posteriores inclusive estenderam e ampliaram a medida de interceptação”, anotaram.

Os dois lembraram que o número do escritório de advocacia interceptado estava em nome da LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda., pertencente a Lula, e que, após saber que se tratava de um telefone usado pela defesa de Lula, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) proibiu o uso das gravações e mandou destruí-las.

“Não há registros de conversas gravadas de outros advogados além do Sr. Teixeira nem conversas com conteúdo relacionado ao direito de defesa. O telefone de Teixeira foi interceptado porque ele estava sendo investigado por crimes de lavagem de dinheiro e não estava listado como advogado de defesa do autor”, afirmaram.

Em relação à interceptação e divulgação da conversa entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff, o procurador e a juíza disseram que foi ato “motivado e realizado para a defesa do interesse público”, lembrando que, na época, março de 2016, ela pretendia nomeá-lo como chefe da Casa Civil, numa tentativa de blindá-lo com o foro privilegiado no STF.

Suspeição de Sergio Moro

Contra a maioria que considerou Moro parcial, o procurador José Pais e a juíza Kobauyah Kpatcha destacaram que a maioria das decisões do ex-juiz na Lava Jato, 95,2%, foram mantidas em tribunais superiores. Lembraram que, no caso do tríplex, a pena inicial fixada por Moro, de nove anos de prisão, foi elevada pelo TRF-4, para 12 anos. No caso do sítio de Atibaia, a condenação veio da juíza Gabriela Hardt e a pena na segunda instância, chegou a mais 12 anos.

“Sucessivas decisões judiciais confirmaram, portanto, as condenações do autor. O Supremo Tribunal Federal declarou ainda, em abril de 2018, que não havia impedimento à prisão do autor, apesar de seu recurso ainda estar pendente. Assim, um mandado de prisão foi expedido e o autor foi preso para cumprir sua pena”, lembraram os membros divergentes do comitê.

Eles deixaram claro que, na época, a jurisprudência do STF permitia a prisão em segunda instância, entendimento firmado ainda em 2016 e que só foi derrubado pela Corte em 2019, quando Lula foi então solto. “O autor foi preso legalmente, em abril de 2018, conforme legislação e jurisprudência aplicáveis à época.”

Quanto ao julgamento dos habeas corpus no STF, em 2021, que derrubaram a competência de Curitiba e declararam a suspeição de Moro, Pais e Kpatcha observaram que, nas duas ações, “em vez de apenas analisar a questão da detenção ilegal, ambas as decisões foram muito além de seu escopo”.

“A segunda decisão [suspeição] é particularmente ilustrativa do que pode ser entendido como um acerto de contas político, referindo, nomeadamente, que o juiz Moro tornou-se ministro da Justiça um ano e meio após a primeira condenação do autor, concluindo-se, portanto, que se beneficiou diretamente dessa condenação e prisão. A decisão também deixou de mencionar que o juiz Moro renunciou ao governo, em abril de 2020, quando o diretor-geral da Polícia Federal foi afastado do cargo pelo presidente [Jair] Bolsonaro, na tentativa de dificultar investigações criminais sobre familiares do próprio presidente”, ponderaram.

Em seguida, ambos reforçaram a crítica ao STF, sugerindo que os ministros teriam julgado politicamente o habeas corpus de Lula.

“O Comitê [de Direitos Humanos da ONU] tem repetidamente referido que os juízes devem ser isentos de influência indevida do Presidente, do Legislativo ou do Executivo. No entanto, os ministros do Supremo Tribunal Federal do Estado-Parte [Brasil] são todos indicados pelo presidente da República (4 foram indicados pela presidente Dilma, 3 pelo presidente Lula e 2 pelo presidente Bolsonaro), o que pode explicar a votação dos ministros nas decisões de 2021.”

No final, eles dizem temer “o efeito desanimador que a presente decisão terá na luta contra corrupção”.

Ficha Limpa contra Lula

No último ponto de seus votos, o procurador Pais e a juíza Kpatcha se opuseram à conclusão do comitê de que Lula teria sofrido “danos irreparáveis” por ter sido retirado da disputa presidencial em 2018. A decisão foi tomada pela maioria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com o voto vencido do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no STF – ele votou a favor de liberar a candidatura, seguindo uma recomendação do próprio comitê da ONU, na época.

O português e a togolesa defenderam a aplicação da Lei da Ficha Limpa, lembrando que ela foi fruto de iniciativa popular, aprovada com ampla maioria no Congresso em 2010, sancionada pelo próprio Lula e declarada constitucional pelo STF em 2012, muito antes da Lava Jato.

“Em nossa opinião, impedir o autor de concorrer à presidência era legal, objetivo e razoável. O autor havia sido condenado em julho de 2017 por corrupção e lavagem de dinheiro, confirmado em apelação em janeiro de 2018. Permitir que ele fosse candidato em tais circunstâncias seria incompreensível para qualquer observador razoável”, escreveram.

Nesta quinta, ao comentar a decisão da ONU, que requereu do Brasil uma reparação a Lula em seis meses – sem especificar exatamente como – o ex-presidente petista disse que “o ideal seria se pudesse tirar Bolsonaro e me colocar para presidir o país”. Logo depois, relativizou: “Mas no final de mandato eu também não quero, isso vai ficar pro povo”, disse, em referência à eleição presidencial de outubro, durante um ato de apoio da Rede Sustentabilidade à sua candidatura. No Twitter, Lula escreveu: "a decisão da ONU lavou a minha alma".

O que diz Sergio Moro

Após a divulgação da decisão do comitê da ONU, Moro afirmou que "Lula nunca foi perseguido" pela Justiça. "O ex-presidente Lula foi condenado por nove magistrados, eu em primeira instância, três no tribunal em Porto Alegre e cinco no STJ", afirmou Moro a jornalistas, em Campinas.

O ex-juiz também divulgou uma nota à imprensa. Leia a seguir na íntegra:

"Após conhecer o teor do relatório de um Comitê da ONU e não dos órgãos centrais das Nações Unidas, pode-se perceber que suas conclusões foram extraídas da decisão do Supremo Tribunal Federal do ano passado, da 2ª turma da Corte, que anulou as condenações do ex-Presidente Lula.

Considero a decisão do STF um grande erro judiciário e que infelizmente influenciou indevidamente o Comitê da ONU. De todo modo, nem mesmo o Comitê nega a corrupção na Petrobras ou afirma a inocência de Lula. Vale destacar que a condenação do ex-presidente Lula foi referendada por três instâncias do Judiciário e passou pelo crivo de nove magistrados.

Também é possível constatar, no relatório do Comitê da ONU, robustos votos vencidos que não deixam dúvidas de que a minha atuação foi legítima na aplicação da lei, no combate à corrupção e que não houve qualquer tipo de perseguição política."

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