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Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro.
Manifestantes invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto, no dia 8 de janeiro.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O foco do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em imputar às autoridades do Distrito Federal parte relevante da culpa pela invasão e depredação das sedes dos três poderes, no dia 8 de janeiro, tem como origem um relatório de inteligência da Polícia Federal (PF) encaminhado a ele na noite do mesmo dia. O documento, encaminhado ao gabinete de Moraes pelo novo diretor-geral da PF, Andrei Passos Rodrigues, descreve como as forças policiais locais teriam sido omissas na proteção dos edifícios, mesmo cientes do risco de vandalismo.

Ao longo de 20 páginas, a Diretoria de Inteligência da PF identificou convites que circularam nas redes sociais, nos dias anteriores, para chamar manifestantes para o protesto. Também constatou que era de conhecimento público a chegada de dezenas de ônibus à capital federal para engrossar a manifestação. O documento também descreve de que modo o baixo efetivo policial mobilizado no dia foi incapaz de conter a tomada das sedes dos três poderes.

“As informações acerca da vinda de manifestantes para Brasília/DF já eram de conhecimento das forças de segurança do Distrito Federal. Ademais, todo o trajeto do acampamento do Quartel-General do Exército foi acompanhado pelas mesmas forças, as quais não empregaram barreiras policiais suficientes para conter os manifestantes, permitindo que acessassem o gramado da Esplanada dos Ministérios e a praça dos Três Poderes”, diz o ofício enviado por Andrei Rodrigues ao juiz Airton Vieira, auxiliar de Moraes, às 23h23 do dia 8.

Neste resumo, o diretor-geral da PF enfatiza a suposta omissão das autoridades locais, que então passou a constituir a principal base jurídica usada por Alexandre de Moraes para afastar do cargo o governador Ibaneis Rocha na madrugada do dia 9 e, posteriormente, determinar a prisão do ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal Anderson Torres e do ex-comandante da Polícia Militar Fábio Augusto Vieira.

“Essas informações indicam a possibilidade de uma eventual omissão das autoridades públicas que tinham o dever legal de agir e eventualmente se omitiram, mesmo diante das informações que alertavam para os fatos vindouros, bem como das imagens que mostraram o manifestantes se deslocando do QG-Ex [quartel-general do Exército] para a Praça dos Três Poderes, permitindo que tamanho dano tomasse forma”, diz ainda Andrei Passos Rodrigues no documento.

“As manifestações antidemocráticas alcançaram amplos níveis de violência, gerando severos danos aos bens e instituições públicas, tudo em virtude da omissão do Sistema de Segurança notadamente da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito Federal e do Comando da Polícia Militar do Distrito Federal, que não dotaram as medidas necessárias para a contenção de criminosos”, completa o diretor-geral da PF.

No mesmo ofício, ele pediu a prisão de Anderson Torres e Fábio Vieira – o que foi acatado por Moraes, que não consultou nem comunicou a Procuradoria-Geral da República (PGR), que pediu a abertura do inquérito.

O relatório de inteligência relata ainda que os manifestantes chegaram a Brasília no dia 6, “oportunidade em que o aumento do fluxo de veículos e pessoas naquele acampamento foi identificado e alertado pelas forças de segurança pública locais e federais”. O documento anexa mensagens em redes sociais em que ativistas disponibilizam “ônibus gratuito”, saindo de Campinas (SP), com “tudo pago”: “água, café, almoço, jantar, local com banheiros”. “Lá ficará acampado no Planalto [...] Por favor, nos ajudem a conseguir patriotas”, diz o texto, seguido do slogan do ex-presidente Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, em letras maiúsculas e rodeado de figurinhas com a bandeira nacional. A mensagem dá nome e telefone dos responsáveis: Leandro Lourenço e Rafael “Avante Brasil”.

O relatório de inteligência prossegue registrando que forças de segurança locais e federais, além da imprensa, passaram a reportar a chegada dos ônibus em direção à Praça dos Cristais, onde estava montado o acampamento, em frente do quartel-general do Exército.

“No dia 08/01/2023, os manifestantes se deslocaram do QG-Ex [quartel-general do Exército] em direção à Praça dos Três Poderes, o que também foi difundido pelos órgãos de segurança pública locais e federais. Neste momento já eram estimados cerca de quatro mil acampados naquele local”, conta o relatório, anexando imagens de câmeras de segurança.

Relatório da PF isenta forças de segurança do governo Lula, do Congresso e do STF

Outro ponto crucial para as decisões de Moraes foi a informação do relatório da PF havia barreiras "insuficientes" para impedir a passagem de pedestres para dentro da Esplanada dos Ministérios. Em seguida, relata-se outro problema grave: “os registros de imagens mostram a PMDF escoltando os manifestantes em direção à Cúpula dos Três Poderes”.

“A última barreira localizada no caminho da Praça dos Três Poderes, composta por policiais convencionais [não de controle de distúrbio civil] foi facilmente rompida pelos manifestantes, que chegavam ao local”, informa o relatório, anexando figuras que mostram os manifestantes descendo a pista que leva às sedes do Supremo e do Palácio do Planalto.

“Depois disso, houve tomada do gramado dos Ministérios e da área da Praça dos Três Poderes. Houve tentativa de resistência pela Força Nacional de Segurança Pública e pelas Polícias Legislativas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados”, registra o documento – este trecho do relatório isenta os órgãos de segurança internos do Congresso e os policiais sob comando do governo federal, a Força Nacional.

Na parte final, o relatório diz que “o dano ao patrimônio material e imaterial da República Federativa do Brasil é imensurável” e que, por tratar-se de um crime “multitudinário” (praticado por uma multidão), “sua responsabilização envolve tempo e esforço investigativo para a identificação e individualização das condutas das pessoas que cometeram os crimes”.

Mais uma vez, o relatório da PF ressalta “a possibilidade de uma eventual omissão das autoridades públicas que tinham o dever legal de agir e eventualmente se omitiram, mesmo diante das informações que alertavam para os fatos vindouros, bem como das imagens que mostraram os manifestantes se deslocando do QG-Ex [quartel-general do Exército] para a Praça dos Três Poderes, permitindo que tamanho dano tomasse forma”. O texto conclui afirmando que “imagens divulgadas nesta data mostram erro de avaliação patente por parte da PMDF e da SSP/DF para com os fatos que ocorriam”.

O documento da PF ainda reproduz reportagens mostrando policiais do Distrito Federal escoltando a marcha em direção à Praça dos Três Poderes e que houve o registro de PMs tirando fotos de si mesmos enquanto manifestantes invadiam o Congresso.

Responsável pelo relatório, o delegado Thiago Severo de Rezende ainda listou os possíveis delitos cometidos no caso: abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, dano ao patrimônio da União e organização criminosa.

Como se defendem quem foi responsabilizado pela Polícia Federal

No inquérito aberto no STF, Ibaneis Rocha (governador afastado do Distrito Federal), Anderson Torres (ex-secretário de Segurança Pública) e Fábio Augusto Vieira (ex-comandante da PM-DF) tentaram, cada um a seu modo, se isentar da responsabilidade pelas falhas na segurança.

Em sua defesa, apresentada ao STF, Ibaneis Rocha alegou que se valeu de informações prestadas por agentes públicos. De início, relatou que, no dia 8, às 13h23, antes das invasões, o secretário interino de Segurança, Fernando Oliveira, lhe relatou que a inteligência estava monitorando o ato e não havia qualquer “informe de agressividade” e que o clima estava “tranquilo e ameno” – as expressões foram verbalizadas pelo próprio secretário em áudios de WhatsApp com transcrições anexadas ao processo.

“Tão somente às 15h39, quando tomou conhecimento da real situação de terrorismo que assombrava a Praça dos Três Poderes, o Chefe do Executivo, de maneira energética, ordenou ao Secretário de Segurança: ‘Coloca tudo na rua [todo o contingente policial]. Tira esses vagabundos do Congresso e prenda o máximo possível’”, afirmou a defesa, reproduzindo as mensagens enviadas mais tarde por Ibaneis a Fernando Oliveira.

O governador afastado ainda anexou à defesa um documento informando que fiscais tentaram desmobilizar o acampamento em frente do quartel do Exército, retirando de lá ambulantes. A operação teria sido frustrada por determinação do próprio Exército. Por fim, ainda juntou à investigação um protocolo de ações integradas, montado pela Secretaria de Segurança, para dividir as tarefas de proteção. “O Peticionante, na condição de Governador do Distrito Federal, confiou na sua execução, ainda com mais razão quando obteve informações de que tudo transcorria de maneira absolutamente tranquila e pacífica”, afirmou a defesa de Ibaneis.

No único depoimento que prestou até o momento, realizado em 14 de janeiro, dia que se entregou à prisão, Anderson Torres se defendeu falando de seu passado profissional. “Eu quero só dizer que eu sou profissional da segurança pública há 23 anos, sempre fiz meu trabalho com profissionalismo, nunca fui filiado a partido, ocupei posição política em razão do resultado do meu trabalho e, realmente, essa prisão e essa acusação me pegaram muito de surpresa”, afirmou. Disse ainda que não tem nada a ver com as invasões e que o episódio representou para ele “um tiro de canhão no meu peito”.

“Eu jamais daria condições de isso ocorrer, eu sou profissional, sou técnico e jamais faria isso. O maior projeto de Segurança Pública do Distrito Federal é de minha responsabilidade”, acrescentou, em referência a um programa que teria reduzido índices de homicídios e que teria o credenciado para ocupar o Ministério da Justiça posteriormente, no governo Bolsonaro. Neste cargo, relatou ter visitado todos os ministros do STF, inclusive Alexandre de Moraes, para tentar "acalmar" o que descreveu como “um momento delicado entre os Poderes”.

Numa referência implícita ao esquema de segurança, afirmou: “Do jeito que eu saí, o que eu deixei assinado, eu deixei tranquilo, porque nem se caísse uma bomba em Brasília teria ocorrido o que ocorreu. Eu saio todo dia de casa às 7 da manhã e chego meia-noite. Desculpe o desabafo, mas sendo acusado de terrorismo, golpe de Estado?! Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?! Eu não sei... Essa guerra que se criou no país, essa confusão entre os Poderes, essa guerra ideológica, eu não pertenço a isso, eu sou um cidadão equilibrado e essa conta eu não devo”.

Depois, Anderson Torres repetiu que visitou cada um dos ministros do STF, inclusive nas casas de vários deles, “para buscar o equilíbrio”. “O Ministério de Justiça e Segurança Pública foi o primeiro Ministério a entregar os relatórios da transição. Eu jamais questionei resultado de Eleição, não tem uma manifestação minha nesse sentido [...] Eu honrei o cargo de Ministro da Justiça. Não tem um brasileiro no Brasil que não tenha ouvido um monte de loucuras após a Eleição, e eu sempre no equilíbrio”, disse Anderson Torres.

Ex-comandante da PM, o coronel Fábio Augusto Vieira disse em seu primeiro depoimento, no dia 11, após sua prisão, que no dia 8 esteve presente na Esplanada dos Ministérios e realizou a operação “de acordo com as informações que tínhamos recebido”. Disse que informações da área de inteligência e de outros órgãos de segurança apontavam para um ato pacífico. “Não houve da nossa parte facilitação para que os atos ocorressem”, acrescentou, rebatendo uma das principais suspeitas levantadas contra a PM-DF.

Num segundo depoimento à PF, Fábio Vieira reafirmou que as informações de inteligência que recebeu indicavam um ato pacífico. Por isso, considerou que o efetivo empregado, inicialmente de 440 homens, era suficiente. Com as invasões, a corporação acabou empregando um total de 2.600 policiais para dispersar os invasores e desocupar os edifícios. O coronel disse ainda ter notado falta de efetivo de outros órgãos de segurança, como as polícias do Congresso e do STF. Ele relatou que, desde o ano passado, a PM foi impossibilitada de desmontar o acampamento em frente ao QG do Exército, por determinação do próprio Exército, que tem controle sobre a área. “Apesar de ser uma área pública, aquela área é administrada por militares, e assim precisava de autorização do Exército”, disse.

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