A Câmara dos Deputados aprovou na noite de terça-feira (24) um acordo que permite a utilização do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de foguetes e satélites com tecnologias dos Estados Unidos. O acordo foi assinado em Washington no dia 18 de fevereiro deste ano, mas, para ter validade, precisava passar pelo Congresso brasileiro.
A parceria entre os dois países no campo aeroespacial era negociada desde o começo da década passada e avançou durante o governo Temer. Na última quarta-feira (3), quase sete meses depois da assinatura do acordo pelo governo Bolsonaro, a Câmara aprovou regime de urgência para votar a pauta.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional e favorito para assumir a vaga de embaixador do Brasil nos EUA, comemorou a decisão da Câmara sobre o acordo. "Nosso compromisso é com a celeridade para sua aprovação, pois ele é importantíssimo para os maranhenses e brasileiros", disse pelo Twitter.
O ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes, já definiu a base de Alcântara como um "elefante branco". Com a parceria com os EUA, o governo espera torná-la rentável economicamente.
Os termos do acordo começaram a ser negociados por membros do governo Bolsonaro antes da posse. A maior exigência do atual governo foi de que a parceria não impusesse restrições para o desenvolvimento espacial do Brasil. Em 2000, durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso, o Congresso rejeitou um acordo semelhante por receio de que as demandas dos americanos engessassem o programa espacial brasileiro.
Uma outra versão do acordo foi apresentada pelo deputado Waldir Pires em 2001 na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara. À época, o então deputado Jair Bolsonaro votou contra o acordo: "Louvo a competência do deputado Waldir Pires, mas por outras razões que, no momento, preservo-me de citar, voto contrariamente ao projeto", disse Bolsonaro.
Em 2003, no governo Lula, o Brasil firmou uma parceria com a Ucrânia para a criação da empresa ACS (Alcântara Cyclone Space). A promessa era de que o Brasil lançasse ao espaço seu primeiro foguete a partir de Alcântara. O projeto custou R$ 483,9 milhões, e a promessa nunca foi cumprida.
O que é o acordo?
O acordo de salvaguardas tecnológicas (AST) é um pacto de proteção mútua de dados tecnológicos para evitar uso ou cópia não autorizada de tecnologias. A assinatura de um acordo do tipo para qualquer parceria no campo aeroespacial obedece a uma praxe internacional.
No AST assinado em fevereiro entre Estados Unidos e Brasil, os EUA autorizam o Brasil a lançar foguetes e espaçonaves com componentes tecnológicos americanos a partir do Centro de Lançamento de Alcântara. Em troca, o Brasil se compromete a proteger dados das tecnologias americanas usadas.
Os possíveis benefícios do acordo
O governo considera o acordo de salvaguardas com os EUA a única oportunidade de tornar o Brasil relevante no setor aeroespacial e desenvolver seu potencial tecnológico na área. Uma estimativa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações indica que o Brasil deixou de ganhar R$ 15 bilhões nas últimas duas décadas por não ter feito o acordo.
Segundo o ministério, o acordo ajudará a trazer um grande incremento no Programa Espacial Brasileiro. Além disso, deverá atrair investimentos para a região, gerando empregos, alavancando o turismo e o setor de serviços e trazendo desenvolvimento econômico. O governo ainda não deu detalhes sobre como promoveria esse desenvolvimento.
Para que o Brasil possa tirar proveito do potencial de Alcântara, segundo o governo, a parceria com os EUA é imprescindível, porque 80% dos satélites e objetos espaciais do mundo têm algum componente norte-americano. O Ministério considera que, sem o acordo, "o Brasil ficará praticamente fora do mercado de lançamentos espaciais".
Soberania nacional
Alcântara tem posição geográfica privilegiada, a pouco mais de dois graus ao sul da linha do Equador. Um lançamento realizado próximo ao Equador demanda menos energia para as manobras, o que significa economia em combustível.
Por conta disso, alguns críticos do acordo levantam a suspeita de que os Estados Unidos teriam interesse em aproveitar a parceria para exercer domínio sobre a base. Especula-se que o acordo poderia ameaçar a soberania nacional sobre Alcântara.
Em resposta às críticas, o governo lembra que se trata meramente de um acordo de salvaguardas tecnológicas, ou seja, destinado a garantir que um país proteja as propriedades tecnológicas do outro.
Os termos do acordo não permitem ao governo norte-americano determinar o lançamento de foguetes e espaçonaves a partir do território brasileiro. O que ele possibilita é que o governo brasileiro autorize lançamentos de foguetes e espaçonaves com componentes norte-americanos a partir do Brasil.
Por outro lado, para que algumas das tecnologias cheguem ao Brasil sem riscos para a propriedade tecnológica, será necessária a presença de profissionais licenciados pelo governo norte-americano em Alcântara. Para o governo, isso também não põe em risco a soberania nacional.
"De uma forma mais simplista, podemos comparar esta operação com o gerenciamento de um hotel onde o cliente recebe uma chave de um quarto que passa a ser uma área restrita na qual ele tem a proteção de seus bens pessoais", diz o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Poucos anos atrás, um documento vazado do governo norte-americano deu um motivo para a preocupação em relação às intenções dos Estados Unidos numa parceria aeroespacial com o Brasil. Em 2011, o WikiLeaks revelou que o governo norte-americano era contrário a que o Brasil desenvolvesse um foguete sozinho.
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