Nem o mais otimista integrante da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (PSL) sonhou que a reforma da Previdência passaria incólume pelo Congresso. A desidratação começou já na Comissão Especial da Câmara dos Deputados e terminou com a aprovação de destaques no plenário da Casa.
Apesar de ainda nem ter sido votada no segundo turno na Câmara, etapa necessária antes de ser encaminhada ao Senado, já há um consenso entre parlamentares e governo de que é melhor aprovar o texto do jeito que ele está, nas duas Casas legislativas, para não atrasar ainda mais a sua entrada em vigência e não correr o risco de haver novas desidratações. Isso porque qualquer mudança feita no Senado teria de novamente ser votada na Câmara. Com isso, a ideia é tentar incluir estados e municípios na reforma por meio de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) paralela, que vai tramitar separadamente da proposta principal.
Hoje, servidores públicos têm as mesmas regras gerais de aposentadorias, sejam eles integrantes dos quadros da União ou estados e municípios. A diferença é que as alíquotas definidas pelo governo federal representam a contribuição mínima – cada ente pode fixar o valor que desejar. Com a reforma do jeito que está, cada estado ou município com regime próprio poderia estabelecer as regras que desejasse para a aposentadoria de seus servidores.
Dados da Secretaria de Previdência mostram que, no Brasil, 5,6 mil entes federativos poderiam ter regimes próprios de aposentadoria – isso inclui União, estados e municípios. Mas são 2,1 mil regimes próprios cadastrados. Essa diferença se explica porque muitas cidades, sobretudo as menores, não têm regimes próprios: os servidores se aposentam pelo INSS mesmo.
PEC paralela: inclusão negociada
A manobra da PEC paralela vem sendo discutida pelos parlamentares ao longo das últimas semanas. Na Câmara, o relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), foi bastante pressionado para retirar a menção a estados e municípios do texto, sob pena de não aprová-lo sequer na comissão.
Do ponto de vista econômico, faz todo sentido manter estados e municípios na reforma. Suas contas estão tão fragilizadas quanto as da União. A queda de braço para tirar ou manter é política. Muitos deputados não querem arcar sozinhos com o ônus pela aprovação de uma medida que é impopular. Por outro lado, governadores se dividiram entre os que apoiavam a mudança e os que se opunham a ela. Sem muito tempo e com pouco diálogo, o assunto acabou empurrado para o Senado.
A solução encontrada foi a de elaborar uma segunda PEC, que vai incluir não apenas estados e municípios, mas outras eventuais mudanças propostas pelo Senado. Dessa forma, as duas propostas podem tramitar conjuntamente e o grosso da reforma seria promulgado antes.
O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), relator da comissão especial que acompanha a reforma na Casa, já havia defendido esse caminho junto a outros parlamentares, inclusive o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que fez a interlocução com Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara.
“Acho que estamos todos convencidos de que a introdução dos estados e municípios é essencial para que a reforma seja completa. Foi um equívoco [da Câmara], num momento de muitas discussões. A questão foi colocada talvez de uma maneira muito emocional. Se conseguirmos passar aqui, quando voltar para Câmara, será outro clima”, declarou Jereissati à Agência Senado.
O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), ponderou que a falta de apoio de governadores, principalmente os do Nordeste, prejudicou a discussão do tema na Câmara. A expectativa dele é de que a reforma da Previdência seja aprovada em até 45 dias no Senado. Para a PEC paralela, o grande tema é a inclusão de estados e municípios.
Essa nova proposta retornaria para análise da Câmara. Rodrigo Maia já vêm articulando apoio para aprovação dessa proposta. “A única coisa que vai precisar, quando voltar para Câmara, é que os partidos de todos os governadores colaborem. Se não [ajudarem], a gente vai ter dificuldade de aprovar. A gente vai precisar que o PT, PSB e PDT ajudem a aprovar a PEC paralela, se não vai ter obstrução”, disse à Agência Câmara.
Por que estados e municípios precisam estar na reforma?
Os estados brasileiros já têm déficit atuarial, o que significa que não terão dinheiro para cobrir todos os gastos projetados com aposentadoria e pensão. Também sofrem com o descompasso entre servidores na ativa, aposentados e o valor dos benefícios. Os regimes especiais, como de professores e policiais militares, também pressionam as contas públicas. Assim como na União, gasta-se muito com a folha de pagamento dos servidores e sobra pouco dinheiro para investir em saúde, educação e demais áreas.
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