O procurador-geral da República, Augusto Aras, terá de enfrentar duras críticas de senadores de oposição e independentes, nesta terça-feira (24), durante sua sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Mas a perspectiva, de acordo com parlamentares ouvidos pela Gazeta do Povo, é que seu nome seja aprovado com facilidade para mais dois anos no comando da Procuradoria-Geral da República (PGR).
"Será aprovado com folga. O pessoal do antigo Muda Senado vai vir com perguntas duras. Uma meia dúzia de senadores, que vai votar contra. Mas a maioria quer Aras porque ele é um garantista. Então, não vejo a menor dificuldade no que se refere a essa sabatina amanhã", disse à reportagem, sob reserva, um integrante da CCJ.
A sessão começa às 10 horas e dela poderão participar todos os senadores interessados — a prioridade para perguntas é dos 27 membros titulares e 27 suplentes do colegiado. Ao final, eles poderão votar, presencialmente ou de forma remota, pela aprovação ou rejeição da recondução. O voto é secreto e, independentemente do resultado, o nome de Aras depois será levado ao plenário da Casa, onde precisará de ao menos 41 votos entre 81 senadores para garantir a nomeação para o segundo mandato.
A indicação de Augusto Aras para mais um mandato na chefia do Ministério Público Federal foi anunciada pelo presidente Jair Bolsonaro, em julho. A exemplo do que ocorreu em 2019, Aras não participou da eleição interna promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que elabora uma lista tríplice com os nomes dos mais votados e a encaminha ao presidente da República. Mas como não precisa, por lei, seguir a recomendação da categoria, Bolsonaro optou mais uma vez por Aras.
Apesar de sofrer dura oposição dentro da PGR, Aras está confiante. Nas últimas semanas, conversou com mais de 70 senadores, mais da metade deles em encontros presenciais no Senado — antes da indicação do ex-advogado-geral da União André Mendonça para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), Aras também tentava se cacifar politicamente para o cargo.
Nesta segunda-feira (23), o senador Eduardo Braga (AM), líder do MDB na Casa e relator da indicação, recomendou a recondução do atual PGR. Ele também foi o relator da primeira indicação, em 2019, quando Aras teve o nome aprovado por 23 votos a três na CCJ e depois, por 68 votos a favor e dez contrários no plenário.
Em sua apresentação inicial, Aras deverá mostrar números dos últimos dois anos da PGR, em especial da atuação do Ministério Público Federal no combate à pandemia; e também dados das investigações realizadas e denúncias apresentadas junto ao STF. O procurador-geral é a única autoridade que pode pedir abertura de inquéritos e formalizar acusações criminais contra autoridades com foro privilegiado por delitos praticados no mandato e em razão do cargo.
Por parte da oposição e de senadores independentes, Aras será questionado sobre o motivo de não ter investigado e denunciado Jair Bolsonaro por suposta omissão no enfrentamento da Covid-19 e, segundo opositores, por ter contribuído para o agravamento da pandemia. O procurador-geral também será cobrado por causa das acusações sem provas do presidente de fraude na eleição de 2018 e na de 2022, bem como pelos insultos aos ministros do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — nesses dois últimos casos, as investigações foram abertas de ofício por ministros das duas Cortes, sem iniciativa ou mesmo consulta prévia à PGR.
Nas poucas manifestações recentes sobre esses assuntos, Aras tem dito que não pode ceder a pressões políticas e que deve atuar de forma estritamente técnica, manifestando-se somente nos autos, para que o clima de tensão institucional entre o Planalto e o Supremo não se agrave. Em janeiro, por exemplo, divulgou nota afirmando que "eventuais ilícitos que importem em responsabilidade de agentes políticos da cúpula dos Poderes da República são da competência do Legislativo". A ideia de que Bolsonaro só poderia ser responsabilizado num processo de impeachment foi duramente criticada dentro e fora da PGR, por atuais e ex-membros do MPF.
Em relação à pandemia, o procurador-geral se defende afirmando que criou um "gabinete integrado", chamado Giac, com a designação de procuradores e promotores que atuam em todo o país fiscalizando a aplicação de recursos públicos por prefeitos e governadores — objeto, aliás, de diversas operações contra desvios e corrupção realizadas em conjunto com a Polícia Federal em oito estados, com destaque para Amazonas e Rio de Janeiro, cujos governadores foram denunciados.
Mesmo assim, parte dos senadores, especialmente aqueles que integram a CPI da Covid, deverão questionar Aras sobre o que pretende fazer com as investigações da comissão que apontam suspeitas de corrupção e má gestão no Ministério da Saúde, e também sobre a responsabilidade de Bolsonaro nas 575 mil mortes causadas pelo coronavírus no país.
Explicações sobre desmonte da Lava Jato
Senadores que integravam o grupo conhecido como Muda Senado também deverão exigir de Aras explicações sobre o desmonte da Lava Jato. O procurador-geral não apenas criticou os métodos da operação, como contribuiu ativamente para o fim das forças-tarefa e sua substituição pelos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos). Aras diz que as antigas equipes eram mantidas dentro de um modelo precário, cuja permanência dependia de constantes negociações com as repartições de origem dos procuradores.
Os críticos, no entanto, dizem que nos Gaecos as condições de trabalho são piores: para muitos, não há dedicação exclusiva e parte dos membros são selecionados em concursos internos, nem sempre ideais para a formação de equipes. A Lava Jato de São Paulo, por exemplo, praticamente acabou porque a coordenadora selecionada se indispôs com todo o restante da equipe.
Fora isso, os procuradores que atuam na ponta consideram que Aras não se empenhou o suficiente para impedir diversas decisões do STF que contribuíram para anular investigações e condenações. Exemplos são o fim da prisão em segunda instância, sentenças derrubadas contra delatados que não tiveram a última palavra no processo, incompetência e suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para piorar, foi na gestão de Aras que o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão disciplinar que também comanda, apertou o cerco sobre procuradores da Lava Jato de Curitiba, principalmente.
Aras pode perder poder no segundo mandato
Apesar da perspectiva de aprovação de seu nome, Aras corre o risco de perder a total autonomia que tem atualmente, na prática, para investigar ou não políticos e o próprio presidente da República. Suas recentes decisões de não investigar — ou ao menos aprofundar investigações — sobre Bolsonaro, familiares, ministros do governo e aliados do Centrão causa incômodo no Supremo.
Entre os ministros da Corte, já circula uma ideia para enfraquecer Aras: possibilitar que decisões pelo arquivamento de uma investigação, por exemplo, sejam submetidas à revisão pelo Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão de cúpula da PGR, composto por 11 membros. Atualmente, a maioria deles se opõe ao procurador-geral e critica abertamente sua recusa em investigar criminalmente Bolsonaro, por exemplo.
Em novembro, o plenário do STF deverá julgar ações contra a Lei Anticrime, aprovada em 2019. Um dos artigos, suspensos pelo presidente da Corte Luiz Fux, no início do ano passado, regulamenta a forma como arquivamentos feitos por procuradores que atuam na primeira e na segunda instância possam ser revertidos pela Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, composta por subprocuradores, que estão no topo da carreira. Há pressão sobre os ministros para que eles revalidem a regra e a ainda a estendam para atos do procurador-geral.
Proposta semelhante já tramita no Senado, apresentada por Fabiano Contarato (Rede-ES), que também é delegado. "Ao possibilitar que o Conselho Superior do Ministério Público Federal reveja decisões de arquivamento e designe membros para levar à frente investigações em relação às quais o Procurador-Geral da República eventualmente demonstre desinteresse, busca-se evitar que o excesso de poder (sem accountability) concentrado nas mãos de uma pessoa se traduza em impunidade e danos ainda maiores para toda sociedade brasileira", diz ele na justificativa. O projeto de lei só precisa de um relator para começar a andar na Casa.
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