A indicação do procurador-geral da República, Augusto Aras, para mais dois anos no cargo, anunciada mais cedo pelo presidente Jair Bolsonaro, já era dada como certa dentro do Ministério Público Federal. Internamente, a expectativa é de que Aras permaneça alinhado às pautas do governo e não avance em investigações que possam atingir Bolsonaro ou seus aliados.
“Em relação à atuação junto ao Supremo Tribunal Federal, não vejo motivo para esperar mudança de postura”, disse à Gazeta do Povo Ubiratan Cazetta, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República.
Também por isso, dentro do Senado, a indicação pela recondução não causou surpresas. Pelo bom trânsito que tem no mundo político, inclusive no Centrão, a expectativa é que ele passe fácil pela nova sabatina e seja novamente aprovado no plenário do Senado. Em setembro de 2019, seu nome foi aprovado por 68 senadores. Apenas 10 votaram contra.
No período recente, Aras manteve o apoio entre os senadores porque também tentava se cacifar para a vaga aberta no STF. Não foi indicado porque Bolsonaro prometeu à sua base eleitoral escolher um evangélico para a Corte, o que se concretizou na semana passada, com a oficialização do nome do advogado-geral da União, André Mendonça, para a vaga.
No Planalto, a avaliação é que não havia motivos para não reconduzir Augusto Aras. Ele é elogiado por “contribuir para a estabilidade do país”.
É uma forma de reconhecimento pela recusa do procurador-geral em denunciar o presidente por crimes comuns, diante de pressões da oposição, de segmentos da sociedade e também de seus opositores dentro da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A Constituição dá apenas ao procurador-geral a prerrogativa de investigar o chefe do Executivo por crimes comuns e denunciá-lo perante o STF, caso um delito tenha sido cometido durante o exercício do mandato e tenha ligação com as funções do cargo.
Os elogios a Aras dentro do governo também decorrem de sua atuação em questões constitucionais no Supremo. Durante seu período na PGR, praticamente não houve contestações a políticas públicas implementadas pelo Executivo.
Antes mesmo de ser indicado para seu primeiro mandato, Aras dizia que a PGR não deveria ser um obstáculo para o desenvolvimento econômico do país. Referia-se, sobretudo, a ações ambientais que pudessem travar investimentos em infraestrutura e exploração do solo.
Alinhamento ao Planalto
O sinal mais claro de que Aras não pretende investigar Bolsonaro foi dado em janeiro deste ano. Em resposta a uma pressão interna e externa para responsabilizar o presidente pela conduta no combate à pandemia de Covid-19, Aras afirmou, em nota, que caberia apenas ao Legislativo processar o presidente por crimes de responsabilidade, dentro de um processo de impeachment.
Antes disso, Aras já se recusava a avançar com investigações que pudessem atingir o presidente. O inquérito aberto em abril do ano passado, para apurar suposta interferência de Jair Bolsonaro na Polícia Federal, encontra-se há nove meses parado no STF, à espera de uma definição sobre o formato do depoimento — se presencial ou por escrito.
Em manifestação enviada ao STF em dezembro, Aras afirmou que Bolsonaro nem precisaria depor, seguindo o entendimento da Advocacia-Geral da União, que faz a defesa do presidente. Dentro da Corte, ninguém acredita que Aras vá denunciar o presidente no caso.
Na PGR, subprocuradores que se opõem a ele acreditam que o mesmo destino terá a investigação mais recente, por suspeitas de prevaricação do presidente diante do alerta, feito pelo deputado Luis Miranda (DEM-DF), de supostas irregularidades na encomenda da vacina indiana Covaxin pelo Ministério da Saúde.
Inicialmente, o vice-procurador-geral, Humberto Jacques de Medeiros, braço direito de Aras, manifestou-se por aguardar as investigações da CPI da Covid para iniciar um inquérito. Relatora do caso no STF, Rosa Weber afirmou que a PGR não poderia abrir mão de suas funções, o que levou a Procuradoria a mudar sua posição e requerer a abertura das investigações.
Eleição presidencial pode mudar postura de Aras
De forma reservada, um integrante da PGR disse à Gazeta do Povo que Augusto Aras “continuará o mesmo, até para justificar as decisões anteriores”. “O que poderá dar alguma inflexão é a não reeleição do Jair Bolsonaro. Mas, mesmo assim, ele pode continuar com o mesmo discurso”, acrescentou.
A aposta é que, se Bolsonaro perder a disputa presidencial em 2022, Aras se distancie do governo para tentar uma vaga no STF em 2023, quando dois dos atuais ministros se aposentam: Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Procuradores sempre lembram que, quando o PT estava no poder, Aras mantinha boa relação com caciques do partido. Em 2013, ele realizou uma festa em sua casa para lançar o livro do ex-deputado petista Emiliano José. Estavam presentes Rui Falcão, então presidente do partido, e José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil no governo Lula.
O presidente da ANPR, Ubiratan Cazetta, afirma que, dentro do MPF, a pressão para que Aras denuncie o presidente por crimes comuns tende a aumentar. “O fato de ter um segundo mandato expõe mais. Ele já não poderá mais alegar que esteja tomando pé das coisas.”
A postura de Aras também causou incômodo entre procuradores que defendiam um processo criminal contra o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, acusado por ativistas da área de promover um desmonte na estrutura de fiscalização de órgãos como Ibama e ICMBio.
A iniciativa de investigá-lo, por suposto favorecimento à extração e exportação ilegal de madeira, partiu da Polícia Federal. Como ele deixou o cargo, o caso deixará o STF e não terá mais a participação da PGR.
Oposição interna
Internamente, Aras deve continuar enfrentando oposição de seus pares. A esmagadora maioria dos procuradores sempre defendeu que o presidente indicasse um nome eleito pela categoria dentro da lista tríplice formada pela ANPR, novamente ignorada por Bolsonaro. Neste ano, os mais votados foram subprocuradores-gerais que se opõem a Aras dentro da PGR: Luiza Frischeisen, Mario Bonsaglia e Nicolao Dino. Os três denunciaram, de forma uníssona, a perda de independência da PGR sob a gestão de Aras.
Eles também integram o Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão de cúpula que decide questões administrativas. Junto com outros três integrantes — José Adonis Callou de Araújo Sá, José Elaeres Marques Teixeira e José Bonifácio Borges de Andrada — passaram a formar maioria no colegiado, composto de 11 membros, contra Aras.
Nos próximos meses, o conselho deve se debruçar sobre uma questão espinhosa: a transferência de procuradores para outras cidades, objeto de intensas disputas internas.
Como procurador-geral da República, Aras também chefia o Conselho Nacional do Ministério Público. Sua gestão foi marcada pelo avanço de processos disciplinares contra membros da Lava Jato do Paraná.
Nos próximos meses, o órgão deve analisar a conduta de integrantes da Lava Jato do Rio de Janeiro. O ex-senadores Romero Jucá e Edison Lobão, do MDB, acusam 12 procuradores de violar o sigilo de uma denúncia por suposto recebimento de propina em obras da usina de Angra 3. A expectativa dentro do órgão é que Aras não se empenhe para evitar uma punição.
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