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As manifestações em favor do governo nesta terça-feira (7), Dia da Independência, em várias capitais do país – com destaque para Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, que reuniram grandes multidões –demonstraram que o presidente Jair Bolsonaro possui forte capacidade de engajamento popular. Por outro lado, o discurso poderá agravar ainda mais a relação do Palácio do Planalto com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
Parlamentares e ministros consideraram grave a declaração de que ele não cumprirá qualquer ordem do ministro Alexandre de Moraes, principal alvo dos protestos. A reação deve incluir maior pressão para um processo de impeachment, no Legislativo, caso ele concretize a intenção; ou planos, entre os ministros, para tornar Bolsonaro inelegível em 2022, uma vez que ele voltou a desacreditar o sistema de votação eletrônico.
Em seu primeiro pronunciamento, em Brasília, Bolsonaro afirmou que Moraes passa por cima da Constituição, ao perseguir conservadores, com investigações e atos de censura. Defendeu que o presidente do STF, Luiz Fux, o enquadre. "Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder vai sofrer aquilo que não queremos [...] Ou se enquadra ou pede para sair", disse. Acrescentou que Moraes "perdeu as condições mínimas" de continuar no cargo. "Não queremos ruptura, não queremos brigar com Poder nenhum, mas não podemos admitir que uma pessoa burle a nossa democracia. Não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade", disse.
Na manifestação, acompanhada da Esplanada dos Ministérios pela Gazeta do Povo, a maioria dos cartazes levados pelos apoiadores de Bolsonaro era contra o STF, acusado de tolher as liberdades e interferir no governo. O presidente chegou a anunciar que mostraria uma foto do ato – que ocupou boa parte do gramado, com gente oriunda de vários estados do país – aos presidentes e a lideranças da Câmara e do Senado numa reunião do Conselho da República. Trata-se de um órgão consultivo da Presidência, previsto na Constituição e chamado para opinar sobre "questões relevantes para a estabilidade das instituições democráticas" ou quando há planos de intervenção federal, estado de defesa ou de sítio.
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), informaram que não foram avisados. Depois, a Presidência entrou em contato com eles para informar que, na verdade, haveria apenas uma reunião de Bolsonaro com os próprios ministros do governo, na manhã desta quarta (8), para avaliar as manifestações.
À tarde, na Avenida Paulista, Bolsonaro subiu o tom. Disse que Moraes deveria ter arquivado os inquéritos contra seus apoiadores. "Acabou o tempo dele. Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha! Deixe de oprimir o povo brasileiro! Deixe de censurar o seu povo! Mais do que isso, nós devemos, sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade", disse.
Enquanto os apoiadores bradavam "eu autorizo", Bolsonaro disse: "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou. Ele tem tempo ainda para pedir seu boné e cuidar da sua vida. Ele para nós não existe mais. Liberdade para os presos políticos! Fim da censura! Fim da perseguição àqueles conservadores, àqueles que pensam no Brasil!".
Moraes é relator de três investigações em andamento contra Bolsonaro: uma por suposta interferência na Polícia Federal; outra dentro do inquérito das fake news, por acusações de fraude na urna eletrônica; e uma terceira por vazamento de inquérito sigiloso da PF sobre a invasão hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2018.
No discurso na Avenida Paulista, Bolsonaro voltou a criticar o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, por se ter se oposto ao voto impresso, que foi rejeitado pela Câmara; e também ao corregedor-geral eleitoral, Luís Felipe Salomão, que desmonetizou canais no YouTube de apoiadores que criticam o voto puramente eletrônico.
"Nós queremos eleições limpas, auditáveis e com contagem pública. Não posso participar de uma farsa, como essa patrocinada ainda pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral", afirmou Bolsonaro.
Partidos reagem a declarações de Bolsonaro e vão discutir impeachment
As declarações levaram lideranças partidárias relevantes a defender uma pressão maior sobre Arthur Lira, para que ele abra um processo de impeachment. Os presidentes do PSDB, Bruno Araújo; do MDB, Baleia Rossi; do PSD, Gilberto Kassab; e do Solidariedade, Paulo Pereira da Silva, anunciaram que vão reunir bancadas e dirigentes para discutir o assunto. A avaliação geral é que, a partir de agora, qualquer ato do presidente que concretize a intenção de não cumprir uma decisão judicial caracterizará um crime de responsabilidade.
Araújo disse que o PSDB precisa se posicionar "diante das gravíssimas declarações do presidente". No Twitter, Baleia Rossi escreveu que "não podemos fechar os olhos para quem quem afronta a Constituição. E ela própria tem os remédios contra tais ataques". Kassab classificou o discurso como "perigoso" e que criará uma comissão para acompanhar a conduta do presidente. "Caso ele realmente tenha atuação, a partir de hoje, de enfrentamento do Judiciário, é inevitável que o Congresso caminhe para abrir o processo de impeachment e o PSD com certeza estará ao lado dos que defendem o impeachment", disse à CNN.
Paulo Pereira da Silva disse que vai procurar o maior número de partidos e entidades da sociedade para pressionar Lira. "Partidos que não tinham posição podem tomar a partir de agora", afirmou. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que se opõe a Bolsonaro, também defendeu a abertura do processo. "Não tenho dúvidas de que qualquer ato de violência contra o Congresso ou o STF em ato que teve a participação do Presidente da República tornará inevitável a abertura do processo de impeachment", afirmou.
Arthur Lira, Rodrigo Pacheco e Luiz Fux não se manifestaram sobre as declarações. O presidente do STF, vai se pronunciar nesta quarta (8), com uma resposta cujo teor foi combinado com os demais membros da Corte, numa reunião realizada por videoconferência no início da noite desta terça (7). O objetivo, mais uma vez, é deixar claro que desobedecer a ordens judiciais é crime de responsabilidade, expressamente descrito no artigo 85, inciso VII, da Constituição.
Até então, alguns ministros mantinham reservas em relação a várias decisões de Moraes. Nos bastidores, comentavam que ele exagerava em algumas medidas, principalmente na decretação de prisões contra críticos do Tribunal – a maioria deles foi enquadrada em crimes da Lei de Segurança Nacional, que acaba de ser revogada; ou em calúnia, difamação e injúria, delitos cujas penas, em caso de condenação, dificilmente levam ao regime fechado. Com as declarações de Bolsonaro, no entanto, a tendência é que se forme um consenso em favor do ministro, a partir do entendimento de que, se Bolsonaro descumprir uma só decisão, poderá descumprir quantas mais discordar.
Bolsonaro mira eleições de 2022, avaliam observadores
Fora o discurso contra o STF e o TSE, a avaliação reservada entre ministros e parlamentares é que Bolsonaro falou para seus apoiadores de olho nas eleições de 2022. Em outras partes do discurso, o presidente reiterou uma mensagem de fidelidade e união junto à população.
"Jurei dar a minha vida pela pátria. E tenho certeza que vocês todos de forma consciente juraram dar sua vida pela sua liberdade. Há pouco encontrei uma menina que me perguntou se era difícil ser presidente. Eu falei que sim, mas disse que era por ela. Faço isso pelos nossos filhos e nossos netos. E faço porque tenho apoio de vocês. Enquanto vocês estiverem a meu lado, eu estarei sendo porta-voz de vocês. Essa missão é digna, essa missão é espinhosa, mas também é muito gratificante. Não existe satisfação maior do que estar no meio de vocês. Podem ter certeza, onde vocês estiverem, eu estarei", afirmou em São Paulo.
O pastor Silas Malafaia, que acompanha Bolsonaro há vários dias em viagens e eventos, avalia que ele sai fortalecido. "Porque quem determina quem tem mandato eletivo é o povo. Quem está contra a democracia é esse ditador de toga. O povo é o supremo poder e tem que ser respeitado. O poder emana do povo e não da caneta de um tirano", disse à Gazeta do Povo, em referência a Moraes.
Aliados de Bolsonaro comemoraram não só a adesão maciça, mas também a aposta equivocada de opositores de que o ato seria violento, com invasões ao Congresso e ao STF e também motins e rebeliões por parte das polícias nos estados. Nada disso ocorreu em mais de uma dezena de capitais que tiveram atos a favor do governo (Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife, Maceió, João Pessoa, Manaus, Belém, Goiânia, Porto Alegre, Curitiba e Florianópolis).
Em todas elas, também ocorreram atos contra Bolsonaro, mas bem menores e organizados por partidos e entidades de esquerda que tradicionalmente promovem o chamado "Grito dos Excluídos" no Dia da Independência. Uma participação maior é esperada para o próximo dia 12, incluindo, desta vez, manifestantes que não são de esquerda, mas que se opõem a Bolsonaro, como integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem Pra Rua.