Sessão da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados: colegiado é o mais cobiçado pelos partidos, que negociam a distribuição de comissões permanentes para 2022| Foto:
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O acirramento da corrida eleitoral chegou à disputa pelos comandos das comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Tanto o PL, que agora tem a maior bancada, quanto o União Brasil, que surgiu da fusão entre PSL e DEM, querem emplacar seus indicados em alguns dos principais colegiados, principalmente a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), considerada a mais importante da casa parlamentar.

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O que está em jogo na Câmara vai além da disputa pelas comissões. A competição por espaços também reflete o cenário eleitoral. Embora o peso de um partido e um parlamentar presidir um colegiado permanente seja politicamente pequeno no atual calendário, é uma oportunidade para marcar posição, acumular capital político e atrelá-lo a um presidenciável e à sua respectiva chapa no estado.

O PL, por exemplo, é o partido do presidente Jair Bolsonaro, que também conta com o PP e o Republicanos em sua base política eleitoral. Já o União Brasil tem conversas com o MDB, o PSDB e o Cidadania para lançar uma candidatura única da chamada terceira via. Ambos têm aspirações políticas nas esferas federal e estaduais, com o lançamento de chapas para governadores e senadores. E nenhum deles quer abrir mão de ser o primeiro a escolher a CCJ.

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A disputa pela primeira posição da escolha de uma comissão permanente é um dos principais motivos pela falta de acordo para a definição de vagas nos colegiados. Os líderes partidários se reuniram na quarta-feira passada (6) para definir quais e quantas das 25 comissões cada legenda ou bloco presidirá, mas não chegaram a um entendimento.

Os líderes tentaram agendar uma nova reunião para quinta-feira (7), mas sem sucesso. Ficou definida uma nova reunião para esta segunda-feira (11) à noite, embora algumas lideranças políticas da Câmara acreditem que um consenso possa ser alcançado somente após a Páscoa, a partir da semana seguinte.

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O que explica as divergências e a falta de acordo

As divergências pelo comando das comissões sugerem a possibilidade de uma reviravolta em um acordo construído em 2016, ano em que foi promulgada a emenda constitucional que instituiu a chamada janela partidária, período em que deputados federais, estaduais e distritais podem mudar de legenda sem o risco de perder o mandato.

Para a instalação dos colegiados em 2016, uma parte dos líderes defendia que fosse respeitado o tamanho das bancadas após a janela partidária. Outra parcela defendia que prevalecesse o tamanho dos partidos no momento da criação dos blocos que compõem a Mesa Diretora da Câmara.

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O entendimento "vencedor" naquele ano foi o de que a distribuição de comissões respeitaria os critérios das maiores bancadas no momento da criação dos blocos para a Mesa Diretora, formato que prestigia os partidos aliados do presidente da Câmara eleito. Desde então, prevaleceu esse acordo para que as legendas não fiquem à mercê das flutuações das janelas partidárias.

Pelo acordo vigente, o partido com o maior número de deputados que integra o bloco do presidente eleito da Câmara tem a preferência para ser o primeiro a escolher qual comissão quer presidir. Em 2021, por exemplo, o PSL era o maior partido no bloco de apoio do agora presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Por esse motivo, eles tiveram a prerrogativa para indicar a deputada federal Bia Kicis (que neste ano migrou para o PL na janela partidária) para presidir a CCJ.

A fusão com o DEM, que não integrou nenhum bloco na eleição da Câmara, formalizou o União Brasil em fevereiro com 81 deputados, a maior bancada. Após a janela partidária, o partido perdeu deputados e tem, atualmente, 49 integrantes.

Pelo fato de o União Brasil ser um partido que surgiu de uma fusão e por não ser a maior bancada da Câmara atualmente, o PL, que chegou a 77 deputados e tem o maior número de integrantes, trabalha nos bastidores para reinterpretar o acordo vigente e ficar com a primeira posição na escolha das comissões.

"Está uma briga de foice. Não tem no regimento interno regra para a presidência de comissões. Por acordo e tradição, os partidos com as maiores bancadas eleitas ficam com a presidência das principais comissões, como a CCJ. Mas, regimentalmente, nada impede que outro acordo aconteça e que o PL fique, por exemplo, com a CCJ por ser, agora, a maior bancada", analisa um interlocutor do PL.

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Recentemente o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), vice-líder do partido na Câmara, defendeu publicamente em plenário uma revisão no acordo vigente ao pedir a seu partido a primeira posição de escolha, até então do PSL. "Acredito que a janela partidária muda o universo da Câmara, que deve ser adaptado à nova realidade. Pedi isso na tribuna ao presidente Lira", sustenta.

O deputado federal Júnior Bozzella (União Brasil-SP), vice-líder do partido, espera que o atual acordo seja respeitado e que sua bancada possa fazer a primeira indicação. "A última vez que falei com o Elmar [Nascimento (BA), líder da legenda] o discurso era de que o Lira preservaria o que está previsto em acordo: a [primeira] pedida é da maior bancada", diz.

Como são distribuídas as comissões e por que a disputa em definir primeiro

Ser o primeiro partido a escolher uma comissão é politicamente estratégico, uma vez que é habitual a opção pela CCJ. Todos os projetos que não tramitam em caráter de urgência e, portanto, são votados diretamente em plenário, passam pelo colegiado. Por esse motivo, é considerado o mais importante.

A disputa pela CCJ também não é o único motivo de disputa entre os partidos. Pelo acordo que prestigia as maiores bancadas no momento da criação dos blocos para a Mesa Diretora como critério para a distribuição das comissões, não só o PL ficaria atrás do União Brasil, como também o PP e o Republicanos, outras legendas da base governista.

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Na formação da atual Mesa Diretora, em 2021, o PP tinha 38 deputados. PL tinha 33 e o Republicanos 30. Isso significa que, se a base governista não articular um novo acordo, não apenas ficarão sem a CCJ, como também terão o comando de menos comissões. Caso reinterpretem o acordo, os três poderiam pleitear os principais colegiados. PL, PP e Republicanos tem 77, 52 e 41 deputados, respectivamente, os que mais cresceram na janela partidária.

Além do maior partido do bloco vencedor das eleições da Câmara ter a preferência de escolha da CCJ, o acordo vigente também prevê que as bancadas poderão definir e escolher os colegiados de interesse dentro do critério da proporcionalidade partidária. Ou seja, quanto maior o número de deputados um partido tem, mais comissões essa legenda terá o direito de presidir.

Se o atual acordo for mantido, o União Brasil quer indicar os presidentes da CCJ e das comissões de Meio Ambiente, Minas e Energia e Agricultura, afirma o deputado Júnior Bozzella. Caso seja revisto, o PL quer ficar com a CCJ e as comissões de Relações Exteriores e de Turismo, diz o deputado Bibo Nunes.

A revisão de um acordo beneficiaria não apenas o PL, como também o PP e o Republicanos. Até 2021, os três partidos juntos tinham o controle de quatro comissões, a de Defesa do Consumidor, a de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, a de Minas e Energia e a de Seguridade Social e Família.

Logo, se o PL indicar três colegiados, é provável que PP e Republicanos possam indicar pelo menos uma comissão cada, uma vez que eles são a terceira e a sexta maior bancadas da Câmara, respectivamente.

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O União Brasil, atual quarta maior bancada, tinha pelo PSL e o DEM quatro comissões em 2021. O PT, o segundo maior partido, tinha a presidência de três colegiados. E o MDB, atual sétima maior legenda após a janela partidária, tinha três comissões. Uma revisão do acordo poderia reduzir o número de colegiados sob seus comandos.

Qual é a associação entre a disputa pelas comissões e a corrida eleitoral

A queda de braço pela distribuição das comissões com direito à articulação de bastidores pela revisão de um acordo que dura há seis anos tem as eleições como pano de fundo, admite o deputado Bibo Nunes. Para ele, deter o controle de presidências "joga" a favor dos partidos, a despeito da menor relevância que terão em 2022.

"Claro que joga [a favor], é um ano que as comissões não terão tanta importância porque os parlamentares vão estar nas suas bases e é um ano com menos sessões, mas dá um status, uma boa estrutura e permite marcar posição", destaca o vice-líder do PL. "É um ano em que elas têm um peso menos importante, mas que ninguém quer abrir mão. A lógica é: é melhor que eu esteja à frente [de um colegiado] do que os outros", complementa.

O cientista político Enrico Ribeiro, diretor da Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais, concorda com a análise de Nunes. "Se não tivesse ganho político, ninguém ia querer ser presidente de comissão e não teria essa disputa toda. Ou seja, ganho tem, com certeza. Se tem político se movimentando é porque tem alguém ganhando", pondera.

A presidência de comissões aumenta a narrativa que os partidos vão desenvolver ao longo de seus trabalhos visando as eleições, diz Ribeiro. "Eles podem pautar matérias, fazer audiências e chamar um ou outro debate que vai ter para fazer alguma graça com suas bases eleitorais e construir uma narrativa", justifica. "Por isso, entendo que essa queda de braço seja, sim, algo maior do que só uma disputa pelas comissões, embora seja verdade que terão um funcionamento prejudicado por conta do calendário, já estamos em abril", acrescenta.

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Além de marcar posição, a presidência de uma comissão também permite aos partidos votar emendas ao Orçamento. Membros dos colegiados propõem sugestões de emendas ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que, por sua vez, são votadas pelos presidentes dos colegiados, destaca Ribeiro. "As comissões permanentes têm esse poder de proposição. Podem fazer um agrado a alguma categoria, o que gera bônus políticos aos partidos", explica.

O bônus eleitoral, contudo, não é expressivo, reconhece Ribeiro. "Neste primeiro momento é pequeno, até porque não tem espaço para votar muita coisa, mas o que é importante é estar ali ocupando e falar para sua base que você esteve à frente ao longo do período", analisa.

"Se o governo ficar com a CCJ, por exemplo, poderá dizer que ficou com a principal comissão por quatro anos e que barrou muita coisa e aprovou a admissibilidade do homeschooling. O importante é ou ocupar esse cargo para que o seu opositor não ocupe, ou você ocupar para criar espaço de debate e de construção política", complementa o cientista político.

O líder do PTB na Câmara, Paulo Bengtson (PA), discorda de Nunes e Ribeiro. "Honestamente, não identifico isso, não vejo que isso seja uma 'pré-eleição', até porque minha previsão mais otimista para as comissões é que, se elas forem instaladas, isso ocorrerá em maio, na primeira ou segunda quinzena. Elas pouco vão produzir este ano, então não se tem muito essa disputa por pura e simplesmente ser um ano eleitoral, é mais por buscar tamanho de partido e representatividade na Casa", avalia.

Quais as opções debatidas entre Lira e líderes para a definição dos colegiados

A falta de um acordo para a distribuição das comissões se deve não apenas à queda de braço entre o PL e a base governista e o União Brasil e a terceira via, mas também a outras opções discutidas entre Lira e os líderes partidários. Uma delas é a de não instalá-las e manter as votações apenas em plenário, dado o curto prazo que os colegiados teriam de funcionamento.

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"Em um ano de eleição, onde o deputado precisa estar na base, acho bastante complicado até alguém assumir uma presidência de comissão, porque acaba ficando presa à comissão, não vejo isso como grande vantagem", analisa o deputado Paulo Bengtson.

O líder petebista defende, porém, que as comissões mantenham a mesma composição do ano passado. Nessa configuração, o PTB manteria a presidência da Comissão de Segurança Pública da Câmara. "É uma das propostas que foi colocada sobre a mesa e que eu acredito até que vá prosperar. Eu tenho visto isso ganhar corpo entre os líderes", afirma.

Para Bengtson, manter os colegiados com as configurações do ano passado seria uma decisão "acertada". "Até porque se você for ver na Casa, só cinco partidos ganharam deputados, os outros perderam ou ficaram iguais. Os deputados que permaneceram nesses partidos não têm culpa dos outros terem saído, então não podem ser penalizados pelo tamanho das suas bancadas", defende.

O PTB foi um dos partidos que encolheram após a janela partidária. Na eleição da presidência da Câmara, tinha 10 deputados. Agora, tem quatro. O partido definiu apoio à reeleição de Bolsonaro, mas não se posiciona como uma sigla da base governista no Congresso.

A terceira opção debatida na busca de um acordo é a readequação defendida pelo PL, pela base governista e até por partidos que estarão na base eleitoral do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. O líder do PV na Câmara, João Carlos Bacelar (BA), afirma que a sigla pleiteia a Comissão de Meio Ambiente.

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"Nós colocamos [o pedido] mesmo sabendo que não atenderíamos aos critérios, mas pela importância do tema para o partido e por ser uma legenda que está ao lado do presidente Arthur Lira, nós acreditamos que merecemos a oportunidade de presidir o colegiado", afirma. Caso o pedido seja acatado, o indicado para presidir seria o deputado Júlio Delgado (PV-MG).

O PV é um dos partidos que vai se federalizar com o PT de Lula para a disputa eleitoral em 2022 e, pelo acordo atual, o partido não ficaria com uma comissão, assim como não presidiu no ano anterior. Bacelar diz que há "simpatia" à ideia de uma readequação das comissões em alguns "segmentos" da Casa. "Em outros, preferem ainda examinar mais o quadro", avalia.

O líder do PV reconhece que a presidência da comissão de meio ambiente ajudaria a legenda a marcar posição e geraria um bônus eleitoral inerente às suas chapas estadual e federal, com Lula. "Mas é um bônus nobre para as eleições, de forma ética, civilizada, democrática e republicana. Só engrandece a Câmara e o mandato dos deputados", pondera.

A deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), vice líder do partido, defende a rotatividade nas comissões tanto na composição quanto nas direções – uma opinião, frisa, que é pessoal dela, e não da bancada de seu partido. "O mais importante é a mudança de agenda, cada bancada tem sua agenda. Cada grupo político tem sua agenda de prioridades, é disso que eu falo. A rotatividade é extremamente importante porque, se eu mantenho a mesma formação, serão sempre as mesmas prioridades, sempre as mesmas decisões, e algumas matérias vão ficar, digamos, no obscurantismo", diz.

A rotatividade defendida por Margarete poderia beneficiar diversos grupos. "Um tem uma agenda mais liberal, outro mais conservadora, outro defende o setor verde. Tem que ter o rodízio mesmo para que todas as agendas possam ser contempladas", sustenta a vice-líder do PP.

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