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Apesar das críticas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante a campanha ao "orçamento secreto", líderes petistas dizem que a promessa de acabar com as emendas de relator não está no radar do governo de transição. Aliados de Lula avaliam que, neste momento, não será produtivo um embate com o Congresso Nacional diante da necessidade de aprovar medidas como a proposta de emenda à Constituição (PEC) que visa furar o teto de gastos para garantir o pagamento de R$ 600 para o Auxílio Brasil no ano que vem.
"A PEC tem caráter específico. Não tratará de RP-9 [sigla técnica do orçamento secreto] e de emendas do gênero", explicou o deputado Paulo Pimenta (PT-RS). A expectativa é de que o PT apresente o texto da PEC ainda nesta semana. Lula se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), nesta quarta-feira (9). A PEC deve começar a tramitar pelo Senado.
De acordo com integrantes da bancada petista, a discussão sobre o fim orçamento secreto será construída pelo futuro governo com a nova legislatura do Congresso a partir do ano que vem. Para esses membros, um embate com os parlamentares da atual legislatura poderia travar o avanço de pautas de interesse do governo de transição na Câmara e no Senado.
Orçamento secreto é o nome pelo qual ficaram popularmente conhecidas as chamadas emendas de relator, que são controladas pelo parlamentar escolhido pelo Congresso para elaborar o parecer da Lei Orçamentária Anual (LOA). Todos os deputados e senadores podem sugerir ao relator qual deve ser a destinação desses recursos. Contudo, não existe uma regra específica para a aplicação dessas emendas. Não há, por exemplo, uma distribuição igualitária das verbas e, na maioria das vezes, não é possível saber o nome do parlamentar que registrou o pedido, tampouco o destino desses recursos.
Aliado de Lula, o relator do Orçamento no Congresso Nacional, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou que a discussão sobre o fim do mecanismo não está no radar. O emedebista vem costurando com o PT a construção do texto para a PEC fura-teto.
"Eu não vou propor isso [fim do orçamento secreto]. O presidente Lula já deu declarações de que é contrário. Ele deve tratar desse assunto quando assumir a presidência da República”, disse o senador.
Aliados de Lula vão esperar definição sobre o comando da Câmara e do Senado
Durante a campanha, Lula chegou a comparar as emendas de relator ao escândalo de corrupção do mensalão, ocorrido em seu governo, no qual parlamentares de vários partidos receberam dinheiro de empresas para votar a favor de pautas do Executivo. "Fizeram um tremendo carnaval com o mensalão e, hoje, estão aprovando o orçamento secreto, que é a maior excrescência política orçamentária do país. O presidente não tem poder sobre o orçamento, é a Câmara dos Deputados que dirige o orçamento", disse Lula na ocasião.
O mensalão foi um esquema ilegal baseado no pagamento de uma "mesada" mensal para parlamentares que votassem a favor de projetos do Executivo. O esquema foi denunciado pelo então deputado Roberto Jefferson (PTB) e resultou na prisão do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e do ex-deputado e atual presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.
As emendas de relator (RP9), por sua vez, foram criadas pelo Congresso em 2019. O modelo foi batizado de "orçamento secreto" e criou uma brecha para beneficiar determinados grupos de parlamentares na liberação de verbas do orçamento.
Agora, aliados de Lula indicam que o petista vai precisar aguardar as definições sobre o futuro da presidência da Câmara e do Senado para propor mudanças no orçamento secreto. Na Casa Alta, a expectativa é de que a bancada do PT apoie à reeleição de Rodrigo Pacheco, enquanto na Casa Baixa ainda não há uma definição sobre um eventual apoio ao nome de Arthur Lira, um dos principais defensores das emendas do relator.
"[O fim do orçamento secreto] é um tema bem mais amplo e envolve uma série de questões políticas e será tratado prioritariamente com os presidentes da Câmara e do Senado e depois, mais adiante, à medida que este debate evoluir, se precisar uma readequação orçamentária, ela será feita no momento oportuno", completou o deputado Paulo Pimenta.
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Governo vai tentar "carimbar" as emendas de relator no Orçamento de 2023
Em outra frente, aliados do governo eleito estudam uma estratégia para "carimbar" o montante destinado para as emendas de relator previstas no projeto orçamentário para o ano que vem. Como Marcelo Castro será o relator do Orçamento, ele terá a prerrogativa de assinar a destinação das verbas do orçamento secreto durante todo o ano de 2023.
Ao todo, a LOA do próximo ano prevê um montante de R$ 19,397 bilhões para as emendas RP-9. Uma das alternativas estudadas pelo governo de transição é o de tentar costurar um acordo com os deputados e senadores para que eles façam indicações para determinadas áreas de interesse do futuro governo, como saúde e educação. A medida, segundo integrantes da base de Lula, visa garantir a manutenção de programas como Minha Casa Minha Vida, Farmácia Popular e o aumento acima da inflação para o salário mínimo.
Para viabilizar a proposta, o PT pretende discutir o tema com outros partidos que pretende atrair para a base de Lula, como o MDB, o PSD e o União Brasil. A costura vem sendo feita pela presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que vai oferecer aos partidos participação nas discussões do governo de transição.
"Gostaríamos muito que o MDB participasse desse conselho político do governo de transição para a gente discutir as questões programáticas, o que vem pela frente, as dificuldades que podemos ter”, disse Gleisi nesta terça-feira (8), depois de um encontro com o presidente nacional do MDB, deputado Baleia Rossi (SP). Nesta quarta, o partido indicou os senadores Renan Calheiros (AL) e Jader Barbalho (PA), e o ex-governador gaúcho Germano Rigotto para representar o MDB no gabinete de transição.
Lula aguarda julgamento do STF sobre o orçamento secreto
Além de evitar um embate direto com o Congresso sobre o orçamento secreto, aliados de Lula indicam que o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade do mecanismo precisa ser aguardado. A presidente da Corte, ministra Rosa Weber, pode levar o processo para o plenário ainda neste ano.
A avaliação de integrantes da base petista é de que uma decisão contra o orçamento secreto via STF evitaria desgastes do governo eleito junto aos congressistas. Weber é a relatora do processo e, em novembro do ano passado, ela suspendeu o orçamento secreto com uma liminar.
No mês seguinte, a ministra flexibilizou a própria decisão e liberou o pagamento das emendas de relator, desde que houvesse transparência na distribuição dos recursos. A decisão foi confirmada pelo plenário do STF. Agora, o plenário precisa julgar o caso em definitivo.