Definitivamente há um "climão" no Palácio do Planalto. O atrito envolvendo o vice-presidente Hamilton Mourão e o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) gerou desconforto evidente: mesmo após a bronca branda de Jair Bolsonaro no escritor Olavo de Carvalho, lida pelo porta-voz do governo, o general Otávio Rêgo Barros, em que afirma que suas declarações não contribuem com o governo, o filho seguiu no ataque.
Há quem reflita sobre o que pode estar por trás desse conflito e as consequências dele. Teorias conspiratórias insinuam que Mourão — que durante a campanha eleitoral disse que não gostaria de ser um "vice decorativo" e chegou a sugerir a possibilidade de um "autogolpe" — poderia tentar aproveitar a dificuldade demonstrada até o momento pelo presidente Jair Bolsonaro em articular uma base de apoio sólida para, quem sabe, ascender ao poder. Essa mesma teoria conspiratória afirma que, em resposta, o próprio presidente estaria insuflando críticas mais duras ao vice, em uma tentativa de minar forças.
"Se há algo grave sendo feito pelo vice, então esse problema é mais do que político, é institucional", avalia Paulo Roberto Neves Costa, professor de Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR). "Se há provas deste tipo de conduta por parte de Mourão, ela tem de ser apresentada e tratada institucionalmente, e não através de insinuações nas redes sociais, o que seria manter algo de muito ruim daquilo que seria a 'velha política'", acrescenta.
Núcleo militar
Integrantes do PSL rejeitam a ideia de que Mourão seria um “golpista” e não acreditam que ele esteja articulando para ocupar o lugar do presidente — ao contrário das teorias que se espalham pelas redes sociais. O entendimento é de que ele estaria buscando mais influência dentro do Palácio do Planalto. O general é considerado o principal líder do “núcleo militar” do governo, um dos grupos que marcam a composição da gestão Bolsonaro.
"Havendo ou não essa intenção, cria-se uma cortina de fumaça que chama atenção para estes embates, mas outras partes do governo estão atuando, no Legislativo e no Executivo, com ou sem o protagonismo direto de Bolsonaro", pondera Costa. "Talvez nesse sentido se avente a possibilidade de uma ação bem ou mal orquestrada, o que exige que se veja com calma essas declarações polêmicas de parte a parte, e se considere o que efetivamente está sendo feito ou não pelos poderes constituídos", acrescenta.
"Tem uma questão simbólica que é muito forte e não pode ser desconsiderada", aponta Maria do Socorro Braga, cientista política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). "A gente tem um capitão no principal cargo do país, em uma democracia presidencialista. Do ponto de vista da hierarquia militar, ele está abaixo do vice, que era um general, hoje na reserva. E são vários generais que ocupam cargo nesse governo. Isso incomoda uma parte dos militares, que não estão se sentindo muito à vontade nesse governo, ainda que o tenham legitimado ao aceitar participar dele", acrescenta.
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Mas divergências entre presidente e vice não são novidade, lembram os especialistas. Costa aponta que as trocas de 'caneladas' em público podem revelar apenas uma disputa no interior das forças que, com ou sem cargo, compõem o governo atual - o que não deixa de arranhar a imagem da gestão. "Mais uma vez, a responsabilidade é de Bolsonaro, e não só porque o Carlos é filho dele, mas porque dá espaço político, reverberado pela mídia, para as ações do filho", acrescenta.
A questão, ressalta Maria do Socorro, é que se os ataques continuarem a ponto de atingir e constranger não só a Mourão, mas também ao grupo que ele representa dentro do governo, é possível imaginar até uma retirada pessoal do vice-presidente ou então um recuo dos militares no apoio ao presidente.
"O quanto isso [um rompimento entre Bolsonaro e Mourão] vai desestabilizar o governo, vai depender de como os setores civis [dentro do governo] vão fazer para formar essa base de apoio, que por enquanto ainda está muito instável. A gente vê a dificuldade de [o governo] aprovar a reforma da Previdência, e isso não é à toa", exemplifica.
Um treino mais intenso
O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), vê a intriga como “natural”. À Rádio Gaúcha, comparou as rusgas entre Mourão e Carlos Bolsonaro com um treino de time de futebol em um tom mais alto. “Quantas vezes a gente vê no treino do Grêmio ou do meu Inter que daqui a pouco sai uma canelada mais forte, que na disputa o pé sai por cima. Isso é natural das relações humanas. As coisas vão se ajustar”.
Onyx disse ainda que não cabe a ele julgar o comportamento de Carlos, que seguiu no ataque a Mourão mesmo depois da nota de Bolsonaro tentando apaziguar as tensões entre Olavo e os militares. “Cada um escrever o que quer, diz o que quer e lê o que quer e o que não quer. Todos nós estamos aprendendo a trabalhar [com isso]”, assumiu.
Costa diz esperar que, em meio a movimentações que despertam a desconfiança de alguns, o país não esteja produzindo mais uma jabuticaba: "o vice-presidencialismo de coalizão", adjetiva. "Se, assim como o Olavo de Carvalho, o filho do presidente não possui cargos no governo, mais uma vez, a questão é a importância que o atual presidente atribui a eles, dando a eles um poder que institucionalmente não têm. Mais uma vez, o presidente não vem colhendo bons frutos desta estratégia."
Relembre os ataques de Carlos Bolsonaro e Olavo de Carvalho a Mourão
O vídeo em que Olavo atacava os militares ligados ao governo foi publicado pelo canal oficial de Jair Bolsonaro no último sábado (20) e apagado no fim da tarde do dia seguinte. Carlos Bolsonaro compartilhou o material, mas depois também o excluiu.
Na segunda-feira (22), Bolsonaro elogiou as contribuições do escritor na "exposição das ideias conservadoras que se contrapuseram à mensagem anacrônica cultuada pela esquerda", mas evidenciou sua insatisfação com os ataques constantes a Mourão.
Carlos Bolsonaro se manteve nas redes sociais alimentando a ideia de que Mourão muitas vezes age contra o governo — nesta quarta-feira (24), por exemplo, compartilhou manchete do jornal O Estado de S.Paulo que traz uma frase do vice-presidente dizendo que o ex-deputado do PSOL, Jean Willys, não deveria ter deixado o Brasil: "poderíamos protegê-lo", afirmando que o general da reserva costuma se alinhar a "políticos que detestam o presidente". Também retuitou com a frase "tirem suas conclusões... de novo e de novo e de novo e de novo", reportagem em que Mourão, sobre decisão do STJ de redução da pena de Lula, disse "decisão do Judiciário" não se comenta.
Um dia antes, Carlos publicou“o que parece ser”, segundo escreveu, um convite para uma palestra do vice-presidente nos EUA. No documento, Mourão é chamado de “voz da razão e moderação” no governo marcado por 100 dias de “paralisia política”.
“Se não visse, não acreditaria que aceitou com tais termos”, publicou Carlos, sugerindo que Mourão teria consentido com tal descrição no convite. A imagem foi publicada na segunda-feira por um seguidor do vereador, em resposta a outra publicação em que Carlos critica o vice-presidente. “Traduzindo e expondo logo mais! É inacreditável”, escreveu o filho do presidente ainda na segunda-feira, em resposta ao seguidor.
Em um segundo tuíte, insinuou que Mourão teria minimizado o ataque sofrido pelo pai em Juiz de Fora (MG), durante a campanha. “Naquele fatídico dia em que meu pai foi estaqueado por ex-integrante do PSOL e o tal de Mourão em uma de suas falas disse que aquilo tudo era vitimização. Enquanto um homem lutava pela vida e tentava impedir que o Brasil caísse nas garras do PT, queridinhos da imprensa opinavam”, tuitou. Para ilustrar, usou uma cópia de uma matéria do portal G1 em que Mourão se referia à repercussão do atentado. E completou: “nunca foi por briga, e sim pela verdade!”
O irmão e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) engrossou o coro de críticas ao vice. Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo nesta quarta-feira (24), disse que o que "tem causado bastante ruído são as sucessivas declarações do vice-presidente de maneira contrária ao presidente da República". E afirmou que tudo vai ficar bem se o militar da reserva cumprir a missão dele, que é substituir o presidente em caso de ausência, ou atender as missões que receber de seu superior.
Calma
Fugindo da polêmica, Mourão lançou mão do ditado "quando um não quer, dois não brigam" para evitar uma dividida com o filho do presidente. No final da tarde de terça-feira, disse a jornalistas que "todo mundo emite a sua opinião", e pediu calma.
"Eu sei de todas as angústias, as perguntas que vocês (jornalistas) querem fazer. É o seguinte: calma, todo mundo emite sua opinião, tal e coisa. Então, a minha mãe sempre dizia uma coisa, quando um não quer, dois não brigam", disse o vice, afirmando que essa é sua "linha de ação". "Vamos manter a calma", completou.
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“Louco do dia”
Na última segunda-feira, o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), criticou a articulação política conduzida pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e aproveitou para pedir “um basta” na influência de Olavo no governo, a quem chamou de “louco do dia”.
Em entrevista à Rádio Eldorado, Waldir disparou: “o mais absurdo é um ‘guru’ que vive nos Estados Unidos atacar o governo e os militares. O presidente [Bolsonaro] não pode ficar à mercê dessas pessoas e pegar a opinião do ‘louco do dia’”. Para o deputado, “Bolsonaro tem que dar um basta nesse astrólogo que comanda dois ministérios, pois as pessoas querem Educação, Saúde e Segurança”, disse Waldir.
Os ataques de Olavo a Mourão e militares
"Qual foi a última contribuição das escolas militares para a alta cultural nacional? As obras do Euclides da Cunha. Depois de então foi só cabelo pintado e voz empostada. C**, c**. Esse pessoal subiu ao poder em 1964, destruiu os políticos de direita e sobrou o quê? Os comunistas," reclamou o escritor Olavo no vídeo, o que acendeu novamente o pavio da crise interna do governo . Enquanto esteve no ar, o material teve mais de 100 mil visualizações.
O brasileiro radicado em Richmond, Virgínia (EUA), é considerado uma espécie de guru dos filhos do presidente e de ministros do chamado núcleo ideológico do governo, como Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Abraham Weintraub (Educação). E já foi elogiado em público pelo próprio Bolsonaro, em jantar na residência oficial do embaixador Sergio Amaral, nos Estados Unidos, em março: “um dos grandes inspiradores meus está aqui à minha direita, o professor Olavo de Carvalho”, disse o presidente. E atribuiu a ele parte da “revolução que estamos vivendo”.
Ainda assim, Olavo mantém os ataques, sobretudo a Mourão — a quem já xingou de “estúpido” e “idiota” — e aos militares que compõem o governo. Em resposta, Mourão escolheu a ironia. Na última segunda-feira (22), o vice-presidente disse que Olavo deveria se concentrar na “função de astrólogo”, por ser a que ele “desempenha bem”.
“20 anos torrando”
Depois da 'bronca' de Bolsonaro - mas sem citar o presidente ou o documento lido por seu porta-voz -, o escritor retomou o ataque aos militares ao publicar, na tarde da última terça-feira, um vídeo em que lê um discurso direcionado “aos generais e similares”.
Citando o filósofo e jurista alemão Carl Smith (1888-1985), diz que a política no Brasil hoje é “moldada por analfabetos funcionais ávidos por poder e dinheiro” e que a opinião pública só entende suas afirmações “como tomadas de posição a favor deste ou daquele grupo”.
Em vídeo de 2012, Olavo afirmava que os militares traíram o país ao realizarem, com o apoio de parte da sociedade civil, o golpe que tirou o então presidente João Goulart, mas prometerem uma eleição dali a seis meses que não cumpriram. “Ficaram lá 20 anos torrando e nem sequer deram educação ao povo contra o comunismo”.
No discurso desta terça, afirma, “categoricamente, nenhum egresso de academia militar tem hoje a mais mínima condição de impugnar minha análise ou sequer de apreender o alcance histórico do que estou dizendo. Permeando histericamente contra a verdade histórica, só mostram o quanto é exíguo o seu horizonte de consciência e invencível a sua submissão a critérios politiqueiros de julgamento”, retoma Olavo no discurso lido. “Não temam, burocratas fardados ou civis: não ambiciono seus postos nem o seu tipo de prestígio (...) Jamais me rebaixei nem me rebaixarei a disputar aquilo que para vocês é o supremo valor da existência”, conclui.
O astrólogo ‘previu’ a queda do governo
Em uma palestra para cerca de 100 pessoas em março deste ano em um hotel nos Estados Unidos, Olavo afirmou que não sabia quais eram as ideias políticas de Bolsonaro, mas que o apoiava por ser o presidente “um homem honesto e não ser ladrão”.
“Eu não sei quais são as ideias políticas dele [Bolsonaro]. Conversei com ele quatro vezes na vida”, afirmou a jornalistas. E mostrou-se pessimista com o futuro do Brasil ao dizer que, se o governo continuar como está por mais seis meses, “acabou”. “O presidente está de mãos amarradas. Não sou capaz de prever [até onde vai], mas se tudo continuar como está, já está mal. Não precisa mudar nada para ficar mal, é só continuar isso mais seis meses e acabou”.
Professor de Ciência Política da UFPR, Neves Costa entende que a possível influência de Olavo no governo mostra as características da coalizão política que vendeu as eleições e que agora precisa governar. "O essencial é saber até onde isso vai efetivamente atingir a capacidade do presidente da República de governar, o que ainda é cedo para concluir de forma definitiva", analisa.
O cientista político diagnostica uma espécie de enfraquecimento acontecendo com o cargo de presidente desde o segundo governo da Dilma Rousseff. "Os presidentes, gradativamente, vêm perdendo o poder e a importância que já tiveram na política nacional, e passaram a ser afrontados pelos outros poderes e por outras forças políticas. Para isso, esse grupo ideologizado do governo tem contribuído de forma relevante", sinaliza.
“Mediocridade invejosa”
No início do mês, Olavo reagiu a uma entrevista dada por Santos Cruz, que disse à Folha de S.Paulo que era preciso restabelecer o diálogo entre Executivo e Legislativo, e olhar com outros olhos a suposta disputa entre a nova e a velha política.
Pelas redes sociais, disparou: “o general Santos Cruz ofende de maneira brutal o nosso presidente: insinua que ele não tem maturidade para escolher sensatamente seus amigos e precisa portanto de um tutor, o próprio Santos Cruz” (...) O truque do Santos Cruz é camuflar sua mediocridade invejosa sob trejeitos de isentismo e acusar de ‘extremista’ quem o supera intelectualmente”.
Na entrevista ao jornal, o ministro chamou Olavo de “desequilibrado”. “Eu nunca me interessei pelas ideias desse sr. Olavo de Carvalho”, disse. “Por suas últimas colocações na mídia, com linguajar chulo, com palavrões, inconsequente, o desequilíbrio fica evidente”, afirmou.
A reação de Olavo foi intensa. “Não venha agora choramingar que foi ofendido, Santos Cruz. Foi você que começou isso, sem a menor provocação, dois dias depois de eu o haver elogiado. Você simplesmente não presta”.
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